Gravações telefônicas divulgadas neste sábado (31) por diversos veículos de imprensa apontam que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) atuou em órgãos públicos na tentativa de obter benefícios para o empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso pela Polícia Federal sob a acusação de comandar um esquema de jogo ilegal.
Os áudios, autorizados pela Justiça e que fazem parte da investigação da Operação Monte Carlo, na qual Cachoeria foi preso, apontam atuação no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e na Infraero, responsável pela infraestrutura dos aeroportos do país.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o senador, afirmou ao “Jornal Nacional” que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o senador está sendo investigado após pedido da Procuradoria Geral da República, para tentar anular a investigação da PF.
Segundo o advogado, por ter foro privilegiado, Demóstenes só poderiam ser gravado com autorização do STF. “Eles gravaram o senador invedidamente, de forma inconstitucional, durante três anos”, afirmou Kakay.
Conforme a revista Época, Demóstenes chegou a pedir a Cachoeira, influente no Centro-Oeste, que ajudasse a agência de publicidade de um amigo a conseguir contratos em Mato Grosso para a Copa do Mundo.
Outras evidências publicadas pela revista na edição deste fim de semana apontam que Demóstenes defendeu interesses de um laboratório farmacêutico de Cachoeira. Documentos obtidos por “Época” mostram que houve troca de correspondências entre a agência, o gabinete do senador e a agência reguladora. A tentativa seria de agilizar o registro de medicamentos.
Diálogos mostrados por “Veja” apontam que Cachoeira pediu para Demóstenes acompanhar uma pessoa que teria reunião no Ibama. O senador sugere conversar direto com a ministra do Meio Ambiente, com quem diz ter “bom acesso”.
“O Globo” já havia mostrado nesta sexta que senador, em escutas telefônicas de 2009, havia tentado interferir em uma licitação da Infraero. Na época, Demóstenes era relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou problemas no tráfego aéreo do país.
O líder do Democratas na Câmara, deputado ACM Neto, afirmou que o DEM deu prazo até segunda-feira à noite para que Demóstenes se explique sob pena de abertura de processo de expulsão.
“Nós demos ao senador Demóstenes o prazo de segunda-feira à noite, para que ele traga explicações contundentes e consistentes ao partido. O que nós achamos que é muito difícil ele fazer. Caso ele não consiga trazer uma defesa contundente ao partido, o caminho será abertura de processo de expulsão do senador.”
Gravações sobre elo de Demóstenes e Cachoeira
O “Jornal Nacional” mostrou com exclusividade na quarta-feira gravações feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça nas quais o nome do senador aparece em conversas que fazem referência a quantias milionárias. Os diálogos são entre Cachoeira, o contador Geovani Pereira da Silva – que está foragido – e Cláudio Abreu, apontado como sócio de Cachoeira em vários negócios suspeitos – confira no vídeo ao lado.
De acordo com a Polícia Federal, os três discutem nas gravações a contabilidade da organização criminosa. As conversas duram cerca de cinco minutos e o nome Demóstenes é citado seis vezes. Segundo os investigadores, Geovani e Claudio Abreu querem usar R$ 1 milhão para pagar contas da organização. Mas, nas gravações, não fica claro exatamente o contexto das conversas nem para que se destinava o dinheiro mencionado.
Em um dos trechos, Carlinhos Cachoeira pergunta ao sócio Cláudio Abreu o que ele, Cachoeira, reteve. E ouve como resposta: um milhão do Demóstenes.
Cachoeira, referindo-se sempre a Demóstenes, cita várias cifras, cumulativamente: um milhão e quinhentos, mais seiscentos, que dariam dois e cem. E mais um milhão, que Cachoeira diz ao sócio que pediu para segurar. Ele faz a conta e diz que o total dá três e cem. Claudio Abreu discorda, e, usando a expressão “este do Demóstenes”, diz que já tinha sido mostrado a ele e que Cachoeira vinha segurando desde a época em que o senador ganhou a eleição.
Gravações telefônicas divulgadas pelo jornal “O Globo” mostraram que o senador usou de seu mandato para tentar beneficiar o empresário. Um áudio mostrou uma conversa entre Demóstenes e Cachoeira sobre um projeto a respeito da legalização de jogos.
Demóstenes: “Eu peguei o texto ontem da lei para analisar. É aquela que transforma contravenção em crime. Que importância tem a aprovação disso?”
Cachoeira: “É bom demais, mas aí também regulamenta as estaduais.”
Demóstenes: “Regulamenta, não. Vou mandar o texto procê. O que tá aprovado lá é o seguinte: “transforma em crime qualquer jogo que não tenha autorização”. Então, inclusive te pega, né? Então, vou mandar o texto pra você. Se você quiser votar, tudo bem, eu vou atrás. Agora a única coisa que tem é criminalização, transforma de contravenção em crime, não regulariza nada.”
Cachoeira: “Não, regulariza, sim, uai. Tem a 4-A e a 4-B. Foi votada na Comissão de Constituição e Justiça.”
Demóstenes: “Tudo bem, mas e para depois, para regulamentar? Que aí são duas etapas, em vez de uma só. Vou fazer o que você quer, mas isso aí, para mim, não regulamenta nada.”
Outros deputados
Outros três deputados também foram citados por reportagens publicadas neste sábado sobre o empresário Carlinhos Cachoeira.
Reportagem da “Folha de S.Paulo” apontou que o deputado federal e ator Stepan Nercessian (PPS-RJ) recebeu no ano passado R$ 175 mil de Cachoeira. De acordo com o texto, o deputado admitiu ter recebido de Cachoeira um depósito de R$ 160 mil em 17 de junho de 2011. Nercessian afirma que o dinheiro seria usado para garantir a compra de um apartamento no Rio de Janeiro, avaliado em R$ 500 mil.
O valor, porém, foi devolvido três dias depois por meio de um depósito na conta de uma empresa do grupo de Cachoeira. O jornal afirma que o deputado enviou extrato que comprova o repasse.
Segundo a reportagem, o deputado afirma que recorreu a Cachoeira, de quem é amigo, porque teve medo que um empréstimo pedido a um banco não fosse aprovado a tempo de concretizar a compra do apartamento. Como o empréstimo saiu, diz Nercessian, o dinheiro foi devolvido.
Neste sábado, Stepan Nercessian pediu afastamento do PPS, que deu prazo para que ele apresente as explicações ao Conselho de Ética do partido.
Reportagem do jornal “O Globo” também deste sábado traz trechos de conversas telefônicas, gravadas pela Polícia Federal, em que os deputados federais Carlos Leréia (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO) aparecem falando de negócios com Cachoeira e Wladimir Garcez, que também foi preso durante a operação Monte Carlo.
De acordo com o jornal, em um dos trechos Leréia cobra de Garcez o depósito de uma determinada quantia em dinheiro. Segundo o jornal, as conversas são truncadas, mas a polícia diz que tratam de licitações e outros negócios de interesse de Cachoeira.
Leréia: “Eu liguei pro rapaz lá, falou que só fizeram um depósito daquele lá, entendeu. De cinco…Podia verificar isso aí?”
Garcez: “Não, foi feio ontem o outro, viu?”
Em outro diálogo publicado pelo jornal, o deputado Sandes Júnior aparece negociando com Cachoeira.
Cachoeira: “O negócio não andou nada. Eu te falei que o trem lá não sai.”
Sandes Júnior: “O negócio já está no departamento jurídico pra formatar o edital e fazer concorrência pública. Tá muito mais adiantado do que você possa imaginar.”
Sandes Júnor: “Você recebeu lá na ADI. Eles deram vários cheques. É melhor dividir do que não receber. Até o final desse ano.”
Cachoeira: “Uê, foi bom então, uê. Então você tem que repartir comigo, que eu fiz você receber.”
O advogado de Leréia disse que o deputado só vai se manifestar depois que tiver acesso ao inquérito. Sandes Júnior afirmou que os cheques citados seriam o pagamento da rescisão do contrato dele com uma rádio. E que Cachoeira estava brincando quando cobrou a parte dele.
O PSOL, segundo o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), vai pedir a abertura de investigação na Corregedoria da Câmara em relação aos deputados. “No caso dos deputados é preciso uma investigação maior, mas sem dúvida há indícios aí de uma relação espúria, inaceitável, que não condiz com a ética do decoro parlamentar.”
Uso de servidores
Reportagem da “Folha de São Paulo”, publicada na edição deste domingo (1º), mostra que Cachoeira também utilizou servidores da Infraero e da Receita Federal para obter facilidades para entrada e saída de mercadorias contrabandeadas pelo Aeroporto de Brasília.
Ligações telefônicas gravadas com autorização da Justiça mostram que os servidores ajudavam pessoas do grupo de Cachoeira a passar pela fiscalização e apontam como eles deveriam se comportar. Em uma das situações, um dos servidores cobra o whisky e Cachoeira diz: “Tá bom, vou dar.”
À “Folha, os servidores admitiram conhecer os investigados, mas negaram envolvimento em irregularidades ou favorecimento. Negaram ter pedido benefícios. Ao jornal, o advogado de Cachoeira afirmou que não se pronunciaria.