Foi sem surpresa e com decepção que alguns dos líderes das manifestações que chacoalharam o Brasil em junho do ano passado receberam os resultados destas eleições. Em 2013, milhares de jovens saíram às ruas e pediram mudanças em várias áreas, criando a expectativa de que a eleição no ano seguinte seria marcada por uma alteração significativa no panorama político do País. Mas o que se viu na apuração dos votos foi um Congresso e assembleias estaduais cheios de caras conhecidas e a repetição da antiga polarização PT versus PSDB no pleito presidencial.
“É ingênuo quem pensava que as manifestações mudariam o País. Plantamos sementes em junho que serão colhidas em longo prazo. É um trabalho de formiguinha, nas bases, com a população”, diz Alexandre Morgado, integrante do Grupo de Apoio ao Protesto Popular (Gapp).
“Quem esperava uma relação direta entre as manifestações e as eleições estava apostando na direção errada”, completa Lucas Monteiro, militante do Movimento do Passe Livre (MPL), grupo que iniciou as manifestações pela revogação das tarifas em São Paulo. Ele ressalta outras formas de atuação para o “fazer político” mais eficientes, para ele, do que o voto. “Há outras formas de atuação, como articular as pessoas para elas possam tomar esse protagonismo”, defende Monteiro.
Em junho do ano passado, ele e outras algumas centenas de pessoas saíram às ruas para protestar contra o aumento das tarifas na cidade de São Paulo. Logo, após casos de violência policial e destaques nos principais noticiários e na internet, as manifestações cresceram de tamanho, passaram a reunir milhares de pessoas e chegaram a outras cidades do País.
Com mais manifestantes, os protestos passaram também a abarcar outras pautas, como penas mais duras para corruptores e corruptos, reforma política, legalização da maconha, descriminalização do aborto, desmilitarização da Polícia Militar entre outras, que poderiam nortear as discussões políticas neste ano. Todos esses temas ficaram à margem dos debates nas eleições.
Para Esther Solano, doutora em Ciência Social, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e estudiosa do grupo Black Bloc, não há uma relação direta entre manifestação e eleição porque os políticos não souberam “traduzir a voz das ruas” e não deram alternativas de votos para os eleitores, que acabaram optando pela conhecida polarização entre tucanos e petistas.
“No fundo, não houve alternativa política. O resultado das eleições me surpreende pela falta de sensibilidade dos políticos. Os principais candidatos não apresentaram opções para os desejos das ruas. Nenhum dos grandes levou a discussão de uma reforma política, nenhum dos grandes levou a fundo a discussão sobre a pauta LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais]. Achei decepcionante”, opina.
vai além e diz que por causa da pluralidade dos manifestantes, nenhum candidato conseguiria agradar a todos.
“As manifestações do ano passado reuniram um conjunto muito variado de pessoas, da ultra esquerda à ultra direita. O que todas tinham em comum era: ‘ninguém me representa’. Há uma crise do modelo em que vivemos, então por mais que os candidatos adotem uma ou outra pauta, não vão conseguir vocalizar o maior grito conjunto das manifestações, que é contra esse sistema de representação”,avalia .
A relação mais direta que manifestantes fazem entre junho do ano passado e outubro de 2014 é a crise de representatividade, expressa, segundo eles, no número de votos brancos, nulos e abstenções.
De acordo com números do Tribunal Superior Eleitoral, o primeiro turno da eleição presidencial deste ano teve 19,39% de abstenções, 3,84% de votos brancos e 5,9% de nulos. Isso equivale a 38.797.556 de eleitores, mais votos do que obteve o segundo colocado na disputa Aécio Neves (34.897.668). “Se ninguém fosse um candidato, o ninguém iria para o segundo turno. Isso mostra que existe um descrédito da população”, aponta Morgado, do Gapp, que também não foi votar. “Meu título não é de São Paulo. Eu poderia simplesmente ter justificado, mas eu preferi não participar de um sistema que não me representa.”
André Zanardo, membro do grupo Advogados Ativistas, concorda e diz que as pessoas estão descrentes do processo eleitoral. “Eu acredito que é importante votar em quem se acredita para levantar determinados temas. Mas eu não preciso dar procuração através do meu voto para determinado político para que ele faça algo que eu mesmo posso fazer para contribuir com o processo político”, justifica Zanardo, que anulou o próprio voto.
Efeito Marina
Se os manifestantes pediam mudanças nas ruas, a maior parte dos candidatos parece não ter se esforçado para dialogar com o que foi pedido em junho. Dilma Rousseff (PT) pregou continuidade do próprio governo. Aécio Neves (PSDB) tentou associar o seu nome ao de políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso e Tancredo Neves, de quem é neto.
A única que se trouxe para si o título de “nova política” foi Marina Silva (PSB). Ao entrar na disputa, com esse discurso, ela conseguiu ficar empatada tecnicamente em primeiro lugar das intenções de voto com a candidata Dilma, em setembro deste ano. Os ataques dos adversários, contradições e mudanças no plano de governo fizeram com que caísse nas pesquisas e ficasse de fora do segundo turno.
“Ela é uma pessoa integra, compreende o que acontece no País em certa medida, mas teve dificuldade de traduzir para conjunto da população o que representava a sua candidatura. Subiu mais por causa da comoção [da morte de Eduardo Campos, a quem ela substitui] do que por causa da densidade eleitoral que ela tinha”, analisa Pablo Capilé, ativista do Fora do Eixo.
Para Rafucko, a socialista perdeu os votos dos insatisfeitos porque montou sua candidatura na estrutura de velhos partidos. “Ela tentou passar um verniz de novo no que já nasceu velho, mas os outros já fazem isso há mais tempo, então ela ficou para trás”.
Papel dos nanicos
Apesar dos pouco tempo no horário gratuito de TV e rádio, candidatos considerados nanicos, como Luciana Genro (Psol) e Eduardo Jorge (PV) fizeram sucesso no primeiro turno, principalmente durante participação de debates, ao tocar em assuntos como descriminalização da maconha, legalização do aborto e criminalização da homofobia, bandeiras levantadas durante as manifestações.
Com essa pauta, Luciana teve 1,6 milhão de votos e dobrou o número de Plínio de Arruda Sampaio, candidato do mesmo partido em 2010, que teve 886 mil votos, que já tinha sido considerado um sucesso dentro da sigla. O ambientalista teve 630 mil votos.
“Eles conseguiram dialogar com pautas que estavam sendo discutidas nas ruas porque tinham mais autonomia para fazer isso devido as coligações menores”, argumenta Capilé.
Mas para Rafucko, a quantidade de votos que Luciana obteve não foi maior porque o “povo brasileiro ainda é muito conservador para aceitar as pautas progressistas que ela levantou”.
Fonte: Portal Ig