“Nada no mundo cobre a dor de quem perde o filho”, diz mãe de Ricardinho

Dos Santos, na Guarda. Como se estivesse destinado a trilhar um caminho já escrito, Ricardinho, em um diminutivo carinhoso, mas de personalidade gigante, se foi e deixou um vazio. O seu adeus precoce -, ao morrer no hospital um dia após ser baleado por um policial à paisana e de férias -, sem explicação, faz sua mãe, Luciane dos Santos, olhar sem um ponto fixo. Questionar sem encontrar respostas, viver, mesmo que momentaneamente, sem explicações.

– Ele vai viver eternamente em nossas memórias – balbucia, sentada, com forças consumidas pela despedida inesperada.

Como se chorasse, se estivesse com vergonha de aparecer, o sol, que tanto já iluminou a Guarda do Embaú, em Palhoça, se escondeu um dia depois do enterro do jovem surfista de 24 anos. Se esconde de tristeza e decepção. O céu está cinza, quase preto, enlutado, como se fosse um reflexo do que acontece ali embaixo, naquele pedacinho de paraíso, talhado com perfeição. O rosto fechado, as lágrimas e indignação, definitivamente, não combinam com a areia branca e o mar azul, adorado por surfistas, por turistas, por todos. O adeus precoce, de um dos filhos desta terra abençoada, deixa esta gente com a guarda aberta, ferida, exposta.

O que mais se escuta por ali é pelo pedido de “justiça”, que o filho arrancado, na porta de casa, não tenha ido em vão. A mãe, que sofre, também está na luta para ter, no mínimo, este conforto.

– É ter Justiça, é colocar a pessoa que fez isso, uma pessoa sem alma, sem coração, é colocar na cadeia e que ele pague por isso. Apesar que não tem nada no mundo que cubra a dor de uma mãe que perde o seu filho, nada nesse mundo – pede.

O mar e a praia foram as primeiras paixões de Ricardinho. Desde os cinco anos, ainda um simples e pequeno nativo, o filho mais velho de Luciane se agarrava à grade da varanda de casa para querer surfar:

– Ei moço, você está indo surfar? Posso ir contigo, me leva junto – relembra a mãe, as palavras do filho.

Também, pudera. A família “dos Santos” está por ali, na Guarda do Embaú, há quatro gerações. Com uma casa encravada no morro que dá acesso à trilha que leva para a praia paradisíaca, nada mais natural que o instinto pedisse pelo mar. E foi ali, tão perto da água que Ricardinho teve a “sua finaleira” de uma vida intensa, apaixonada e repleta de amigos. E foi ali que a mãe, agora sem o filho, atendeu ao GloboEsporte.com e SporTV, para tentar explicar o que pra ela é inexplicável.

Vamos voltar ao tempo, para lembrar o começo dele com o surfe. Com quatro, cinco anos, ele estava surfando, na água. Como você vê essa relação dele com a água com o surfe?
Eu lembro nitidamente, ele pequeno, com quatro anos, ele conhecia a água, começou a nadar super cedo, e quando ele descobriu o surfe, com cinco ou seis anos, e ai ele queria surfar direto. Eu não deixava ele ir, pois eu trabalhava, eu não tinha tempo, para ir com ele e na época eu morava com os meus pais aqui. Ele ficava na grade, berrava para o pessoal que passava: “Ei moço, você está indo surfar? Posso ir contigo, me leva junto”. O Ricardo, como que você vai com alguém que você não conhece, a gente perguntava para ele. Ele dizia: “Eu quero ir surfar”. Então, quer dizer, já vem no sangue dele, desde criança mesmo. Eu brigava com ele: “Ricardo, presta atenção no que eu estou falando”. Mas ele pegava qualquer ponta de toalha, de pedaço de papel, e não prestava atenção no que eu estava falando, ele viajava nas ondas dele. Ele sempre foi focado nisso, toda a vida dele, isso aí já é de alma.

Nunca te deu medo, ele sempre foi muito atirado, ele não ligava para o tamanho das ondas, para o quão pesada elas eram. Sentia receio da vida que levava?
Ele se atirava mesmo. Me deu bastante medo, no início da carreira dele, quando ele começou a bombar mesmo, na Indonésia, no Havaí. Isso me deixava preocupada, preocupadíssima, me deixava de cabelo branco. Depois ele mesmo provou que ele era capaz de passar por isso e que eu não precisava ter medo. Ele conquistou essa confiança em mim. E, depois disso, eu comecei a dar uma relaxada, mas a minha preocupação sempre existiu. Quando ele teve os acidentes dele,  da outra vez que ele caiu em uns corais, eu fiquei super apavorada, mas ele sempre me ligava para me contar que estava bem, e me tranquilizava. Ele gostava disso, dessa ousadia, desse avanço, dessa descoberta, eu não tinha como impedir. Eu depositava toda a confiança dele e entregava nas mãos de Deus.

O que fazia ele ter tão destemido?
– A garra, confiança em si próprio, sabe? Ele queria sempre mostrar para ele que ele podia, que era sempre uma realização. Era um sonho, um desafio dele. Cada pessoa tem um desafio na vida e ele tinha esse. De pegar ondas maiores e maiores e ele sempre foi apaixonado por isso.

Você tem outros dois filhos, irmãos do Ricardo, mas no surfe todo mundo é tratado como irmão também. Te impressionou como tantas pessoas se comoveram e vieram prestar solidariedade para a família?
Com certeza, com as pessoas que vieram, que ficaram sabendo, não o conheciam pessoalmente. Pessoas que estava presente o tempo todo, prestando solidariedade. Eu fiquei muito impressionada, agradecida também. Foi uma emoção muito grande, mas como mãe eu me sinto aliviada, por uma certa parte, pelo fato de saber que ele era uma pessoa querida para todo mundo. Que ele parte desta vida deixando boas lembranças e bons momentos par a todo mundo. Fico emocionada, pessoas que me procuram, poucas pessoas que o conheceram, que o não conheceram pessoalmente, e mesmo assim vieram prestar a solidariedade.

O Ricardo vai viver nestas pessoas, aqui na Guarda?
Vai, eternamente. Ele vai viver eternamente nas nossas memórias.

Em 2011 ele escreveu um desabafo muito forte sobre a Guarda do Embaú. A família de vocês está há quatro gerações aqui, a relação de vocês com o local é muito forte. De certa forma, vocês ajudaram a criar e a crescer esta comunidade. Que mensagem o Ricardo deixa sobre a Guarda, o lar de vocês?
Ele sempre teve esse cuidado, de preservar a Guarda. Ele lamentava muito pelos carros que vinham, sem a menor ordem, que colocavam o som alto, de uma maneira descontrolada. Ele lamentava muito pela sujeira que amanhecia na Guarda. Ele tentou fazer alguma coisa, se juntou a associação de surfe para fazer manifestações. No ano passado (2014) ele se juntou ao protesto que teve, o S.OS Guarda, no Rio da Madre. Ele estava sempre presente, de uma forma ou de outra ele mostrava o seu interesse pelo lugar. Ele era apaixonado por este lugar.

Ele comentava muito sobre isso?
Ele sempre falava. Eu hoje estou com 43 anos e costumava dizer que estou cansada de morar na Guarda, quero ir para um sítio, para um lugar mais calmo, respirar outros ares. Ele sempre falava: “Ô mãe, você está louca? Olha o paraíso que a gente mora, olha o lugar lindo que a gente mora, não vou sair daqui nunca”. Eu até entendo ele, um jovem, eu já vivi muito nesse lugar, to ficando velha. Ele sempre foi apaixonado pela Guarda. Ele viajou por vários lugares desse mundo, mas a “finaleira” dele era sempre aqui.

Mesmo depois de tudo que aconteceu aqui, você quer continuar morando na Guarda?
Eu já não sei. Porque antes eu pensava em sair da Guarda por um outro motivo, por cansaço, né? Não querer ouvir mais tanto barulho, e agora vem uma razão bem mais forte. Qualquer canto da Guarda me lembra o Ricardo, mas eu tenho outros dois filhos que são apaixonados pela Guarda, também. Tenho que pensar muito neles, eu não sei, não pensei mais nisso. É um lugar que ele amava tanto, sempre me aconselhou a não sair daqui, aqui está a nossa raiz, mas por outro lado, me traz uma lembrança muito triste, estou sofrendo muito. Estou lutando com todas as forças que tenho, para não passar o dia todo chorando. É levantar, a dor é imensa, mas temos a nossa vida e é seguir lutando.

Os gritos de Justiça ecoaram muito forte aqui ontem. O que é não deixar a morte do Ricardo ir em vão?
É ter Justiça, é colocar a pessoa que fez isso, uma pessoa sem alma, sem coração, é colocar na cadeia e que ele pague por isso. Apesar que não tem nada nesse mundo que cubra a dor de uma mãe que perde o seu filho, nada nesse mundo. Eu quero Justiça, estou lutando para que tenha um bom resultado, acredito que vai ter um bom resultado e eu tenho certeza que, conhecendo o meu filho, ele vai querer isso também. E nós vamos atrás disso, vamos conseguir.

Queria que você falasse a mensagem que o Ricardo deixa. Da imagem que seu filho deixou para o mundo, que queria o bem de uma comunidade, os amigos felizes, aqui neste lugar?
Eu deixo para os surfistas, para os novinhos, que ele sempre apoiou muito, que tenham confiança e sigam, que não desistam nunca. Ele sempre falava isso, sempre acreditou. Toda vez que ele enxergava e falava dos pequenos surfistas aqui da Guarda, ele olhava e comentava: “Esse tem futuro” ou “Essa tem futuro”. Então que não desistam, que lutem, que batalhem, vão passar por dificuldades, mas não desistam, mas um dia vão chegar no pódio, levantar uma taça e vão brindar ao Ricardo, que foi um grande guerreiro, um grande surfista, um grande exemplo para o mundo do surfe.

Fonte: Globo Esporte

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