Em entrevista, Igor Kannnário fala sobre sucesso no Carnaval e declara: “quero ser um ícone”

O empresário Beto Bonfim saca o celular e dá a ideia. “Mande a van buscar. Peguem ele aqui na curva, pelo amor de Deus”. O alvo da chamada é a produção da TV Aratu. Beto está preocupado com a aglomeração de fãs e, claro, com possíveis danos ao seu possante, que leva no banco do carona o cantor Igor Kannário.

A aparição de Igor Kannário na varanda de um camarote, durante o Carnaval, fazendo um gesto que simboliza a paz,  causa agitação. Presença na folia só foi garantida de última hora (Foto: Arisson Marinho / Arquivo Correio)

“Você quer que meu carro fique todo amassado, diga. Vamos transferir ele para a van antes de entrar”. Pedido aceito, entrada liberada. Mas o esquema digno de pop star para o pagodeiro conceder uma simples entrevista confirmava um fenômeno que as periferias já conheciam de perto: o Kannário alçou voo.

No banco de trás do carro, acompanhamos o homem que se intitula O Príncipe do Gueto ao longo de duas tardes inteiras, em algumas das 25 vezes em que atendeu a imprensa após o Carnaval. “Rapaz, nem tô dormindo direito. Essa noite fui pra cama 3h e acordei 7h. Uma entrevista atrás da outra. Mas não reclamo, não”, diz.

Uma semana antes, na segunda-feira de Carnaval, Kannário vivia o momento que mudou sua carreira. O dia em que todas as TVs apontaram suas câmeras para a massa (humana) que muitos acreditam ter sido a maior pipoca de todos os tempos. O Príncipe, que até a antevéspera da abertura da folia era carta fora do baralho, virou Rei na Avenida.

“Seria como se o craque ficasse de fora da Copa. Vou ser sincero, eu não tava preparado para aquilo. Tudo em cima da hora. Não tinha nem fonoaudióloga pra preparar a voz. Foi coisa de Deus”, acredita.

Mas como o artista conhecido pelas polêmicas, apontado como apologista das drogas e do crime, conseguiu segurar a multidão na segunda-feira?

Público
Como afirmou o próprio Kannário, naquela tarde no Campo Grande, não só surgia um mito, como caía outro: o de que todos os seus seguidores, todo o seu público, é formado por bandidos e traficantes. Atrás do arrastão, ia gente comum, foliões de todos os guetos, de quebradas que ficam no Subúrbio ou na Barra. “Meu público é de gente simples, que só precisa de um pouco mais de atenção. Se o ladrão também gosta das músicas, é porque elas têm a linguagem do gueto. Mas a linguagem não é deles, é do gueto”, explica Kannário.

Após participar de programa na TV Bahia, selfies com os fãs na saída (Foto: Alexandre Lyrio / Divulgação)

Na porta das TVs Bahia e Aratu, parte desse público era de jovens (algumas crianças) que esperavam pelo artista eufóricas. “Só vejo tanta gente assim quando vem Ivete Sangalo”, ilustra um segurança. Kannário não deixa a galera na mão. Desce do Hyundai Veloster e atende um a um. Não libera um selfie. “Artista tem que fazer foto, irmão”.

A cada parada para abastecer ou ir ao dentista, como fez na quinta-feira, os fãs pegam ele de surpresa. “Já tá aparecendo gente até na porta lá do prédio. Imagine a loucura, parceiro”, brinca ele, que hoje mora no Jardim de Alah.

Seguidores fazem plantão na porta da TV Aratu para encontrar o ídolo (Foto: Marina Silva / Arquivo Correio)

Autenticidade
Houve quem, antes do Carnaval, enxergasse no passarinho do pagode um fenômeno. Caetano Veloso foi um deles. Elogiou o cantor no Facebook. Mas outros, que também anteviram o sucesso atual, apontam motivos de sobra para tudo isso. O poeta e articulista James Martins, nascido e criado na Liberdade, mesma gaiola de onde veio Kannário, sempre enxergou nele uma personalidade diferenciada.  “Essa sinceridade, essa recusa em ser, digamos, ‘artista’, no sentido de falar o que o empresário e a imprensa querem, que faz dele uma figura demasiado humana e lhe lega aquela legião de fãs”, aponta.

O apresentador Alex Lopes, do Universo Axé (Aratu), também diz ter percebido cedo a força do público do artista. “Autenticidade resume tudo. Ninguém chamava o cara para subir no palco e, nem por isso, ele mudou. É um fenômeno porque é verdadeiro”, diz.  O jornalista Pablo Reis, que atualmente dirige um documentário sobre o cantor, não se surpreende com o voo. “As pessoas acham que ele é uma revelação. Não é verdade. Ele atravessou várias fases do pagode e sempre manteve a marca registrada: a voz do oprimido, a voz do gueto”, afirma.

As filmagens começaram quando Kannário foi preso, em janeiro, por porte de maconha. Pablo sentiu que Kannário não era só um pagodeiro, mas o representante de um movimento. “A reação que o público tem ao que ele fala é de veneração. O grande público não tinha acesso a isso porque o ‘mainstream’ não sabia que estava acontecendo”, comenta.

O também jornalista Luciano Matos compara o fenômeno Igor Kannário ao que ocorreu com o Olodum. “O pagode sofre o mesmo preconceito que o Olodum sofria. Era música de ‘brown’, de empregada”, lembra Matos. Independente de análises sociais, Kannário quer passar de fenômeno. “Quero ser um ícone, o mito de uma geração, como  Bob Marley, Raul (Seixas) e Luiz Gonzaga”, sonha alto.

Participação no Carnaval só ocorreu após apelos de fãs
Cinco dias antes do Carnaval, o prefeito ACM Neto (DEM) publicou em sua conta na rede social Instagram que estava recebendo “milhares de pedidos” para que Igor Kannário estivesse na programação da folia. Deu certo: Kannário ganhou da prefeitura a chance de tocar num trio sem cordas na segunda-feira, no Campo Grande.

Questionado sobre os motivos de devolver o pagodeiro ao Carnaval, apesar dos narizes torcidos, o prefeito explicou, ontem: “Primeiro, foi achar que o Carnaval é de todos, que não teria por que haver censura a um cantor; segundo, esse apelo popular e, terceiro, enxergar que seria a oportunidade de dar uma chance a alguém de mostrar seu valor, a sua arte, e foi o que ele fez”. E o prefeito não foi o único a elogiar a performance de Kannário na Avenida.

O secretário estadual da Cultura, Jorge Portugal, parecia em êxtase com o fenômeno durante a festa. Falava dele com palavras aceleradas e defendeu o pagodeiro – ao lado do grupo BaianaSystem – como os responsáveis pela renovação do Carnaval.

Na coletiva de avaliação da festa, promovida pelo governo na Quarta-Feira de Cinzas, Portugal enumerou as qualidades de Kannário. “Ele conseguiu misturar o pagode baiano como uma coisa que muitos desconfiariam que daria certo: com o rap. Foi uma das melhores atrações deste Carnaval, e olhe que nem precisamos falar de axé”, afirmou Portugal. Por Alexandro Mota.

PM criou esquema especial para passagem de cantor na Avenida
A fama não era só de polêmico e encrenqueiro. Há muito, Igor Kannário é acusado de fazer apologia às drogas e, pior, de trazer atrás dele uma massa de bandidos da pior espécie. Isso sem falar nas duas ocasiões em que foi preso portando pequenas quantidades de maconha, este ano.

A pipoca de Kannário no Campo Grande: multidão descendo a Avenida (Foto: Marina Silva / Arquivo Correio)

Diante do histórico, às vésperas do arrastão do Kannário na segunda-feira de Carnaval, a polícia se preocupou. “No primeiro momento, as pessoas procuraram a gente perguntando como nós iríamos atuar com Igor Kannário”, admite o próprio comandante-geral da PM, coronel Anselmo Brandão. Mas se tranquilizou depois que o próprio Igor foi ao quartel procurá-lo. “Ele, por si próprio, externou a preocupação. Inclusive, nós até entendemos que foi um pensamento amadurecido da sua produção, preocupado com as pessoas e com a polícia na sua atuação”, comenta. Dizendo-se emocionado, Kannário lembra que foi recebido como um filho pelo comandante.

“O comandante-geral tirou a boina e conversou com a gente como um pai. Aí entrei na Avenida de coração aberto e lavei a alma”, relembra. Mas o coronel reconhece que precisou chamar reforço e criou um esquema especial, não pela diferenciação do público, mas pela quantidade de gente.

“No dia, tivemos que trazer reforço porque é normal, já que gerou muita expectativa. Mas eu digo que foi o trio onde nós não tivemos problemas na passagem na Avenida”, garante o coronel, vendo em Kannário um aliado. “Ele foi até um elemento facilitador.

A todo momento, falava com as pessoas para se portarem bem, a ter paz. Inclusive pediu palmas para a polícia. E me surpreendeu que no final ainda fez uma oração, na presença de todo mundo, dizendo que agradecia a Deus por tudo. Foi tranquilo”, conclui.

Fonte: Correio da Bahia

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