Lá onde nasci, viveu um homem, não tenho certeza do seu nome, acho que era Procópio, que perambulava pelas várzeas, caatingas, beira do rio, principalmente entre Lagoa da Pedra, Pedra Banca e a Passagem. Alguns que com ele conviveram, não foi o meu caso, duvidavam da sua cegueira. Outros afirmavam que ele era cego. Casos que deixaram dúvidas: Alcides do leite disse que numa certa madrugada o viu tomando banho no rio sozinho; tio Martinho (o homem do engenho) disse que o viu subir e descer uma porteira sem o auxílio da bengala; Martinha de Anjo o viu tirando umbu; Ortêncio (o gago), contou admirado que ele havia chutado um cachorro que estava querendo comer a carne dependurada no varal (para secar); Carlota ficou toda lisonjeada quando ele disse: “seus olhos são lindos”; meu primo Ivo me disse que certa vez ao laçar uma cabra para matar, ele o repreendeu dizendo: “Esta cabra está prenha de dois cabritos. Ivo não matou a cabra e ela alguns meses depois confirmou a repreensão, parindo duas cabritas. Por essas e outras, havia sempre uma desconfiança. Fatos outros confirmavam: é cego, tem um pouco de profeta e de faro.
Em uma festa de casamento do filho de um amigo, ao apear do cavalo ele disse: hoje aqui se come tatu, capivara, bode, porco, garrote e até galinha de capoeira. E alguém lhe perguntou: como sabe, se você está chegando agora? “-Senti o cheiro de cada um”. Na galinha botaram pimenta do reino, o que não devia, o porco, temperaram com manjericão, o tatu que deveria ser assado fizeram cosido. Tudo isso ficou comprovado consultando as cozinheiras; num certo domingo, na várzea estava acontecendo um jogo de futebol, e ele “assistindo”, quando dois jovens vieram pelas suas costas, um fazendo careta e o outro dando “pequi” (gesto com o dedo médio). E aí foi ríspido: “Vá fazer careta pra seu pai, disse pra um e para o outro: esse dedo pertence a sua mãe, por isso dê pra ela”. No engenho de seu Martinho ele falou para todos ouvirem: Estou indo embora, pois a chuva e o vento que vêm aí vão causar estragos. Três horas depois a chuva e o vento interromperam a moagem, danificaram galpões e moendas, alagaram as terras e destruíram as lavouras (está mais para profecia do que para faro). Um belo dia, ao anoitecer, lua cheia, ele chamou uma das irmãs e comunicou: “-Está no caminho de nossa casa um feiticeiro. Ele não é um maldoso intencional, mas, causa estragos avassaladores por onde passa. Leva no seu ser um “espírito” carregado de sofrimento e dor”.
No ano de 1944, num dia em que se aproximava o Natal, chamou seus familiares (que eram poucos) e avisou: – Raquel, nossa sobrinha que mora em São Paulo, vai dar a luz a um menino que se chamará Flávio. Ele será grande. Vai ajudar a família inteira. Viverá em terras estrangeiras. Poucos da nossa geração tomarão conhecimento dos seus grandes feitos. E concluiu: daqui a alguns anos os filhos e os netos deste torrão irão brilhar em outras terras.
Tomei conhecimento dessa profecia nos anos sessenta. De fato, eu,, meus irmãos, primos e sobrinhos levantamos voo por outras constelações deste Universo, onde o sol” nasceu para todos”. Eu ouvi muitos outros fatos e previsões narrados sobre aquele que podia até não ver a luz do dia, mas, tinha a Luz de Deus. Aquele que previa os acontecimentos e farejava o aroma com aguçado sentimento de bondade
MAGOM – Contabilista, Administrador de Empresa e membro do Lions.