A pergunta foi óbvia imediatamente após o mundo da F1 perceber a gravidade do acidente sofrido pelo francês Jules Bianchi no GP do Japão de 2014. E, de maneira inevitável, recorre com a notícia da morte do piloto de 25 anos em decorrência da forte batida: um cockpit coberto ou algum outro tipo de proteção o salvariam?
A resposta, dada pela FIA em um relatório divulgado em dezembro e assinado pela comissão de notáveis formada para investigar o acidente, é que não.
Ao escapar da pista na 42ª volta do GP do Japão, debaixo de forte chuva em Suzuka, Bianchi atingiu o trator que fazia o resgate da Sauber de Adrian Sutil. Dados posteriores mostraram que a Marussia aquaplanou e saiu do traçado a mais de 200 km/h. A colisão se deu a 126 km/h. No impacto, o guindaste, que pesa 6,5 toneladas, saiu do chão.
É exatamente este o motivo que levou o grupo formado por, dentre outros, Emerson Fittipaldi, Ross Brawn e Stefano Domenicali, a afirmar que um cockpit fechado não teria sido o bastante para salvar Bianchi. O impacto e a desaceleração provocaram no gaulês uma lesão axonal difusa.
“Não se pode afirmar que era possível reduzir as lesões sofridas por Bianchi fechando o cockpit ou então adicionando saias ao guincho. Nenhuma das opções surtiria efeito devido às forças muito grandes envolvendo um acidente entre um carro de 700 kg e um guincho de 6500 kg. Há simplesmente espaço insuficiente para uma estrutura de impacto em um carro de F1 para que ele seja capaz de absorver tal impacto sem destruir ou a célula de sobrevivência, ou gerar desacelerações às quais não é possível sobreviver”, diz o documento.
De uma forma ou de outra, está mais que claro que a proteção à cabeça dos pilotos é o ponto fraco dos carros atuais da F1.
Desde a morte de Ayrton Senna, inúmeros avanços foram feitos na segurança dos carros, dos circuitos e da indumentária utilizada pelos pilotos. O acidente do tricampeão na Tamburello, um dia após a não menos grave batida de Roland Ratzenberger na curva Gilles Villeneuve, tornou-se um marco para a segurança no sempre perigoso esporte a motor.
O trabalho afastou as mortes da categoria, apesar de outros fortes acidentes em que pilotos chegaram a se contundir.
Na última década, entretanto, alguns momentos assustaram, sendo que a maior parte deles envolveu a exposição do cockpit. Felipe Massa, em 2009, foi atingido na cabeça por uma mola e chegou a ser colocado em coma pelos médicos na Hungria. O brasileiro se recuperou plenamente e voltou a competir meses depois, na abertura da temporada 2010.
Em julho de 2012, em um teste na base aérea de Duxford, no Reino Unido, uma tragédia aconteceu com a espanhola María de Villota. A testadora da Marussia se viu sem o controle do carro ao se aproximar da área improvisada de boxes e bateu em um caminhão que estava à beira da pista. A rampa de carregamento, ligeiramente levantada, ficou na altura da cabeça da pilota. De Villota teve lesões graves e perdeu o olho direito, mas se recuperou e passou a levar uma vida relativamente normal. Até que, em outubro de 2013, morreu de causas naturais aos 33 anos.
Outros dois momentos assustaram, ambos envolvendo Fernando Alonso. Na largada do GP da Bélgica de 2012, o espanhol quase foi atingido na cabeça pelo carro de Romain Grosjean. E, na primeira volta do GP da Áustria deste ano, seu carro quase atingiu a cabeça do finlandês Kimi Räikkönen.
Essa última ocasião serviu de gancho para os pilotos comentarem mais uma vez a respeito, mostrando-se preocupados com o risco. “Definitivamente, sempre precisamos olhar para onde podemos melhorar, então se você olhar o que aconteceu no meu acidente, eles melhoraram os capacetes. Eu não sei se fechar completamente o cockpit… Mas temos alguns avanços para fazer. Precisamos fazer”, comentou Massa.
O ajuste mencionado por Massa diz respeito a um reforço que foi colocado na viseira dos capacetes, uma tira de Zylon. Segundo as simulações realizadas pelo Instituto FIA, se o acidente que o brasileiro sofreu se repetisse, ele sairia do carro sem lesões.
Com relação à cobertura dos cockpits, a F1 e as demais categorias de monopostos ainda parecem anos luz distantes de tomar uma decisão. Um campeonato em que se decidiu tornar obrigatórios os cockpits fechados foi o Mundial de Endurance na classe LMP1, já há alguns anos, e isso teve papel fundamental no forte acidente sofrido por Allan McNish nas 24 Horas de Le Mans de 2011. Engenheiros entendem que seria algo fácil de se implementar na F1, no entanto, ainda não se tem certeza do quanto que tal medida realmente representaria em termos de aumento de segurança para os carros.
Hoje em dia, a maior proteção que há, além dos próprios capacetes, é o chamado ‘side padding’, ou protetor de cockpit. Ele atua com duas funções. Internamente, serve de encosto de cabeça e impede que, em um impacto lateral, o movimento do crânio seja muito brusco. Foi muito útil, por exemplo, para Sergio Pérez, que bateu de lado no muro na saída do túnel durante a classificação para o GP de Mônaco de 2011 — ele sequer pôde participar do GP do Canadá, duas semanas depois. Externamente, porque reduz a área do capacete que fica exposta.
Essa proteção foi instituída na F1 em 1996, na esteira dos fortes acidentes de Karl Wendlinger, em Mônaco, em 1994, e de Mika Häkkinen, na Austrália, em 1995. No começo, ela era fixa. Atualmente, é removível, como já acontecia com os carros da Indy há alguns anos.
Fonte: MSN Esportes