Detentor de dois recordes mundiais, Cesar Cielocarrega com orgulho também um título olímpico, dois bronzes olímpicos e seis medalhas de ouro em Mundiais. Acostumado às glórias, o principal nadador da história do Brasil agora tem um ano até as Olimpíadas do Rio 2016 para dar a volta por cima após ter que abandonar o sonho de lutar pelo seu tetracampeonato consecutivo dos 50m livre. Há algo que incomoda o paulista de 28 anos muito mais do que a lesão no ombro esquerdo que o fez ser cortado da competição na Rússia, na quarta-feira, um dia antes de voltar ao Brasil e ser recebido pela esposa grávida.
Obcecado pela perfeição e por vitórias, Cielo está lutando contra a sua própria mente. Em Kazan, ele fracassou na tentativa de ser tricampeão mundial seguido dos 50m borboleta. Ao bater em sexto lugar na segunda-feira, quando imaginou que mesmo não estando 100% ele poderia ganhar o ouro, Cesar percebeu que terá de trabalhar muito mais do que o normal para chegar ao Rio com boas chances de conquistar a sua quarta medalha olímpica. E uma boa inspiração é o tri dos 50m livre em agosto de 2013, título que veio dez meses depois de operar os dois joelhos para curar inflamações nos tendões patelares.
– Eu estou tranquilo, porque tem tempo de sobra até às Olimpíadas. Eu saí das Olimpíadas em 2012, operei o joelho e, no ano seguinte, eu fui campeão mundial, em menos de dez meses. Agora, com os dois joelhos bons, 12 meses para as Olimpíadas do Rio e com tudo funcionando, eu não estou vendo problema em voltar melhor do que eu estava antes.
O caminho até o pódio na primeira edição dos Jogos Olímpicos na América do Sul começou a ser construído assim que Cesar voltou ao Brasil após o fracasso em Kazan. É hora de o nadador descansar. É o que lhe resta até que sejam feitos exames que determinem a gravidade da sua lesão no ombro e o período que ele deverá ficar afastado das piscinas – isso acontecerá com o retorno do médico da seleção brasileira Gustavo Magliocca, que ficará na Rússia até a semana que vem . A expectativa é que seja um período de cerca de dois meses sem treinamentos. Nada que atrapalhe consideravelmente a preparação de Cielo para o Rio 2016.
– Não é fácil para mim, porque eu sou aquele cara que estica a corda o tempo inteiro. Eu entrei naquela final dos 50m borboleta achando que eu iria ganhar naquela raia 8. Eu estava me sentindo bem e tranquilo, mas quando bati na borda eu não entendi necessariamente o que estava acontecendo, porque na hora da adrenalina a gente não sente dor. Está na hora de criar um pouquinho de maturidade com 28 anos. Se eu tivesse 19, eu daria um fora em todo mundo e estaria nadando os 50m livre. Mas nessas horas é preciso ter maturidade. Eu gostaria muito de estar defendendo meu título lá, mas é só um obstáculo para uma grande história que eu posso fazer no Rio – comentou Cielo.
Colocando no problema no ombro toda a culpa pelo seu destino fora da curva na Rússia, Cesar fez questão de valorizar a equipe de trabalho que ele criou no início de 2015 justamente para chegar com tudo em Kazan. Foram contratados seis profissionais, entre eles o técnico Arilson Silva, o Ari, além de um fisiologista, um preparador físico e um nutricionista, que se juntaram ao fisioterapeuta Natan Cunha e ao médico Gustavo Magliocca. Os treinos eram divididos entre São Paulo e Belo Horizonte, sede do Minas Tênis, clube com o qual Cielo tem contrato.
– Eu acho que foi tudo bem. Eu estava treinando fazendo os melhores treinos da minha vida aqui em São Paulo. Fazendo alguns tirou com o pessoal em BH, e até eles estavam impressionados com os tempos que estavam saindo. Mas aí veio o Grand Prix de Charlotte (EUA), estava tudo dentro do programado, e ali em Vichy (no Aberto da França) foi quando tudo saiu do trilho completamente. Eu nadei de manhã, até um pouco relaxado nas eliminatórias e, à tarde, quando fiz força, fui pior ou praticamente igual. Ali, a gente perdeu o segmento da coisa. É um momento que pessoalmente estou meio surpreso, nunca aconteceu comigo. Desde 2007 que venho nessa mesma pegada de treinamento e de competição e nunca tive um problema desse.
Além da angústia por não sequer disputar no Mundial de Kazan os 50m livres, sua prova preferida, Cesar Cielo também lamentou não ter conseguido ajudar o revezamento brasileiro nos 4x100m livre, no último domingo. Sem o seu principal nadador, a seleção acabou batendo na trave, com o quarto lugar.
– Foi muito difícil no revezamento ver os caras ficando em quarto, sabendo que eu posso ser um diferencial na prova. E é muito difícil olhar o Brasil de longe agora, como eu olhei no Pan, e foi difícil também. Eu posso de alguma forma ajudar os caras nem que seja o fato de estar lá. É difícil a sensação de deixar tudo e ser um pouquinho egoísta, é difícil mesmo. É tentar sair dessa situação mental que estou, bem para baixo. (Quarta-feira) foi o marco de um ano para as Olimpíadas do Rio. Eu vou fazer o que for possível para virar a página, eu já fiz isso várias vezes e vou fazer mais uma vez.
Fonte: Globo Esporte