No Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, a aula foi um debate sobre segregação urbana e no Colégio Estadual Irineu Marinho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, os alunos assistiram palestras sobre racismo, machismo e LGBTfobia.
No Colégio Gomes Freire de Andrade, na Penha, na zona norte da cidade, a prática é de limpeza dos espaços, organização de material escolar e conserto de carteiras quebradas. No Colégio Estadual Professor Clovis Monteiro, em Manguinhos, houve palestra sobre direitos das crianças e adolescentes com a OAB. No Colégio Estadual Visconde de Cairu, no Méier, aulões de história.
Todas essas atividades, organizadas pelos estudantes, fazem parte da rotina das ocupações das escolas no Rio de Janeiro. O movimento na rede estadual começou no dia 21 de março, no Mendes de Moraes, em apoio à greve dos professores, iniciada no dia 2 de março, e por melhorias na escola e na educação. No dia 28 foi a vez do Gomes Freire.
Agora, já são pelo menos 13 escolas ocupadas e os estudantes prometem chegar a 25 na próxima semana, como explica a estudante da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), Ferreira Viana Bia Martins, integrante da Associação dos Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro. “[O movimento] vai crescer ainda mais. Temos ocupadas escolas em várias cidades do Rio de Janeiro, tem na Região dos Lagos, aqui na capital, na região serrana”.
Negociação
Bia diz que a escola dela ainda não está ocupada, mas que será em breve. Enquanto isso, o movimento estudantil tem apoiado e participado das atividades nas outras ocupações. De acordo com ela, os estudantes negociam com a direção da escola para fazer o movimento.
“O primeiro embate é com a direção da escola, logo que a gente chega, então tem diretor serrando grade, chamando a polícia. Logo depois que a gente consegue convencer a direção e entrar na escola, a polícia chega. Normalmente eles ficam com o carro parado e vão dar uma volta dentro da escola para ver como está. Inclusive isso é importante que eles façam, porque nas ocupações em São Paulo falaram que os estudantes estavam depredando as escolas, então quanto mais gente vendo o que a gente está fazendo, melhor. Até agora, a polícia não tem tentado tirar nenhum estudante de dentro da escola à força”.
Facebook
Nas páginas de cada ocupação no Facebook, os estudantes divulgam a programação e as necessidades de doação, como alimentos, material de limpeza e higiene e até mudas para fazer uma horta e tinta para pintar as paredes.
Entre as reivindicações comuns a todos estão a eleição direta para a direção, a extinção do Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj), maior carga horaria para filosofia e sociologia, volta de porteiros e inspetores, pagamento sem atraso dos professores, máximo de 35 alunos por salas de aula, passe livre no transporte coletivo, melhor infraestrutura, ensino de qualidade, “por nós mesmos”, “pelos professores”, “por nossos direitos”.
Em vídeo divulgado nas redes sociais do Ocupa Cairu, o estudante Luã Lourenço, do terceiro ano, diz que o movimento surgiu entre os próprios alunos, como apoio aos professores antes mesmo da greve começar. “Montamos uma assembleia do dia para a noite mesmo, convocamos o pessoal. Tudo isso foi antes da greve, decidimos que iríamos sim pegar isso, se unir aos professores nessa luta, porque essa luta não é só deles. Porque uma sala sem ar-condicionado, uma sala sem ventilador, uma sala com 60 alunos, cara, é problema do professor e do aluno, é humanamente impossível você assistir aula assim e é humanamente impossível você dar aula assim. Foi a partir daí que a gente começou a ver que o problema não era só deles, mas de todos”.
Movimento maduro
Para o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o cientista político e social Daniel Cara, o movimento de ocupação das escolas, que começou em São Paulo, decorre das Jornadas de Junho de 2013. Porém, ele considera o movimento de agora mais maduro.
“Os jovens têm uma interação melhor com as instituições históricas estabelecidas. Tanto do movimento estudantil, como dos movimentos sociais, como dos sindicatos, em 2013 isso não era tão tranquilo, tinha um conflito. A liderança era sempre pluralizada, mas defendiam uma pauta apartidária e contrária às instituições e agora, nessas ocupações de escolas, a juventude tem interagido bem com as instituições mais tradicionais. Isso é positivo, porque acaba se tornando um movimento mais aglutinador”.
Cara explica que o movimento de ocupação das escolas começou com a luta contra a reorganização escolar anunciada pelo governo paulista e depois chegou a outros estados. No Espírito Santo ocorreu contra a reorganização do ensino com fechamento de turmas no campo; no Goiás, contra um modelo de gestão privatizada e militarizada do ensino; no Piauí e no Amazonas não ocorreram ocupações, mas houve reivindicação contra o modelo de gestão.
Para o cientista político, com certeza ele gera mudanças interessantes tanto no aluno como na escola ocupada. “Significa que ele está se apropriando de fato daquela escola, então, depois da ocupação, ele nunca mais vai ser o mesmo. No processo de tomar a decisão de ocupar, o grupo de alunos já muda a visão que ele normalmente tem da escola, que é um espaço frio, pouco aglutinador, que é um espaço que não é afeito à participação. Quando ele ocupa, ele inverte totalmente a visão que ele tem sobre a escola e também ele não vai mais ser o mesmo aluno e a escola não vai ser mais a mesma escola”.
Movimento “sem cara”
Para o secretário de Estado de Educação do Rio de Janeiro, Antonio Vieira Neto, que se reuniu com alguns estudantes depois da primeira ocupação, o movimento é manipulado. “Eu percebi que eles não tinham domínio sobre as decisões, porque esse movimento não é só de estudantes, é um movimento que vai além disso. Então é um movimento que, para nós, ele não tem cara, ele não tem um personagem que chame esse movimento para si. Então eu não tenho um interlocutor, eu quero dialogar, mas eu não sei com quem”.
O secretário diz que está chamando os pais e os responsáveis dos alunos para conversar sobre as ocupações. “E se for o caso, eu vou procurar igrejas, associações de moradores, para que esses alunos tenham aulas em lugares alternativos até que essas pessoas saiam das unidades escolares”.
Vieira Neto informa que, até o momento, foi pedida a reintegração de posse de apenas uma escola, a Mendes de Moraes, mas que o pedido ainda não foi julgado. Ele diz que há uma recomendação do governo do estado para que não haja violência e que ligou pessoalmente para o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, para que a polícia não se envolva. “Existe sempre excesso da outra parte, querendo incitar muitas vezes o policial”.
O secretário diz que há forças políticas por trás das ocupações. “Nós entendemos que esse movimento está criando uma evolução em que não é um movimento claramente de alunos. Nós temos inclusive relatos de pessoas que estão indo a São Paulo fazer treinamento para invasão de escola. Não existe ingenuidade nessa questão, existe claramente um movimento político com objetivo claro de confronto”, diz.
Outro lado
Bia Martins diz que os estudantes apresentaram a pauta de reivindicações para o secretário e a providência tomada por ele foi proibir as assembleias dos alunos. “Depois que a gente apresentou a nossa pauta, ele mandou os diretores proibir os estudantes de fazerem assembleias nas escolas, porque ele sabe que depois da assembleia vem as ocupações. Mas mesmo assim a gente vai continuar fazendo nossas assembleias e nossas ocupações. Porque no final das contas ele tem que ouvir a gente, porque isso está ganhando mídia”.
Para Daniel Cara, o movimento é legítimo e é dos estudantes. Ele considera que o secretário tem dois erros de visão. O primeiro seria de que o governo é um bom gestor, mesmo sem abrir diálogo com os interessados no processo. O segundo é a desqualificação de um movimento tentando relacionar a outro.
“Na minha opinião é grave desqualificar o movimento dos estudantes pelo movimento sindical. Os estudantes do Rio de Janeiro tomaram a decisão de maneira autônoma. Foi um ponto de maturidade dessa geração em relação à geração de 2013. Então, o governo no Rio de Janeiro tem que ter consciência que sempre é melhor negociar, sentar, discutir, e não tentar deslegitimar. Porque quanto mais ele for no caminho da deslegitimação, mais ele vai gerar contrariedades por parte dos estudantes e o clima vai ficando mais acirrado”.