A presidente afastada Dilma Rousseff criticou nesta sexta-feira (13), durante entrevista a jornalistas estrangeiros, a ausência de mulheres e negros entre os ministros escolhidos pelo presidente em exercício Michel Temer.
Questionada sobre o que achou dos nomes anunciados pelo peemedebista, afirmou que o novo governo tem “problema de representatividade”.
Temer passou a ser o presidente em exercício nesta quinta (12), após ter sido notificado sobre a decisão do Senado de abrir o processo de impeachment de Dilma. Com a decisão, Dilma foi afastada do cargo por um prazo de até 180 dias, Temer assumiu e deu posse aos novos ministros.
“Eu lamento que depois de muito tempo não tenham mulheres e negros no ministério. Acho que a questão de gênero é uma questão democrática fundamental num país em que, queiramos ou não, a maioria, mais de 50%, são mulheres. Então tem um problema de representatividade. Segundo, porque as mulheres têm se mostrado competentes em todas as áreas e não tem porquê elas não estarem representadas”, disse Dilma na entrevista, concedida no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. O áudio da entrevista foi divulgado pela assessoria da presidente afastada.
Dilma afirmou ainda que negros e mulheres são “fundamentais” e, por isso, é preciso fazer do Brasil um país inclusivo dos pontos de vista social, cultural e de direitos humanos.
“Acho que é um [novo] governo que reflete um lado bastante claro. Vai ser um governo liberal na economia e extremamente conservador na área de cultura, na área social e está mostrando isso já na sua formação. É o que eu acredito. Se vai ser ou não, só os próximos dias vão confirmar ou rejeitar esta hipótese”, completou.
A entrevista coletiva de Dilma teve a participação do ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo e de jornalistas de 21 veículos da imprensa internacional: AFP, AP, Ansa, Al Ahram, Al Jazeera, BBC, BBC Brasil, Bloomberg, CCTV News, Clarín, EFE, El País, Reuters, Rádio Oriental, France Presse, Telesur, Página 12, The Wall Street Journal, La Nación, Xinhua News e Diário do Povo (China).
Durante boa parte do tempo, os dois buscaram reforçar o argumento de que o impeachment é um golpe. Dilma argumentou que o governo foi alvo de ataque de uma “elite” política e do mercado que é contrária à manutenção de programas sociais diante da crise econômica.
“Vem a crise. Até o último dia, enfrentamos a crise preservando programas sociais. Todos foram preservados: Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Prouni, integração do São Francisco etc. […] Há uma outra visão de como o Brasil deve se portar diante da crise”, declarou Dilma.
“Essa visão criou uma aliança. Aproveitou-se de uma crise entre Executivo e Legislativo. Percebeu condições favoráveis, na medida em que havia uma versão dada pela grande imprensa brasileira a respeito dessa situação. O impeachment passa a ser um dos instrumentos”, completou a presidente.
Recurso
Na entrevista, José Eduardo Cardozo destacou que o governo vai contestar o impeachment noSupremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento de que não está configurado crime de responsabilidade por parte da presidente.
“Os pressupostos de validade e legalidade de um ato, isso não é mérito. Vejo ministro dizendo que o mérito pode ser julgado e outros dizendo que não. Mérito é o campo de valoração política em relação à conveniência de a presidente ficar ou não, e não se há fundamentação jurídica, [se há crime de responsabilidade]. Isso poderemos discutir no Supremo. Haverá um momento em que decidiremos fazer isso. Me reservo decidir o momento”, disse o ex-ministro da AGU.
Perguntado se pensa em recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Haia, na Holanda, Cardozo afirmou que os esforços do governo estão concentrados no Judiciário e Legislativo brasileiros. Ele afirmou, porém, que alguns parlamentares têm a intenção de recorrer ao tribunal internacional.
“Quanto à Corte Interamericana, estou trabalhando no Brasil. Mas já soube de parlamentares que, diante de jurisprudência da Corte, tenderiam a ir àquela Corte. É iniciativa de parlamentares que poderão fazê-lo. Da parte da defesa, estamos nos vinculando aos órgãos brasileiros, porque acreditamos que os órgãos brasileiros e o Supremo possam fazer um julgamento justo.”
Aliança com PMDB
Os jornalistas estrangeiros perguntaram a Dilma e Cardozo se eles se arrependiam da aliança com o PMDB, com Temer como vice na chapa de Dilma na eleição de 2014. Cardozo respondeu que, com base nos elementos da época, não havia como imaginar o cenário atual.
“No momento em que você decidiu fazer aliança com o PMDB, o PMDB aceitava nosso programa de governo, se somava a esforços. Se num dado momento você tem descolamento, eu acho que ninguém poderia prever uma situação desse tipo. Houve um erro? Com base nos elementos daquela época, acho que não”, respondeu o ex-ministro.
Dilma não quis responder à pergunta e se limitou a dizer: “Há que se avaliar”.
Impeachment
Dilma iniciou a entrevista afirmando que, no período em que estiver afastada, “sem sombra de dúvida”, se dedicará à defesa no processo de impeachment.
Ela esclareceu que, até aqui, o Congresso votou a admissibilidade e, agora, passará à coleta de provas e apresentação da defesa.
A presidente afastada também afirmou que, ao mesmo tempo em que se defenderá, dedicará parte da agenda à “discussão” sobre o porquê de a saída dela não ser somente jurídica, mas, também, política.
“Nós consideramos que não há base jurídica para este processo e, portanto, este processo de impeachment é um golpe”, disse a presidente, como vem fazendo desde os últimos meses.
Aos jornalistas de veículos estrangeiros, Dilma disse que lembraria aos repórteres que há 15 meses o governo sofreu “toda forma de sabotagem” por aqueles que tentam governar. “Sistematicamente, todas as medidas propostas no sentido de [fazer o país] sair da crise foram invalidades, bloqueadas ou aceitas apenas parcialmente”, afirmou.
Oposição
Em outro trecho da entrevista, Dilma afirmou que o impeachment é um processo que “encobre” a tentativa de se chegar à Presidência “daqueles” que não têm condições de chegar ao Planalto por meio do voto.
Ela disse ainda que um dos “mecanismos” utilizados contra ela foram os “vazamentos seletivos” de acusações contra o governo. “Tudo o que se acusa contra nós, é aceito. Tudo que se acusa e se pede investigação da oposição, é recusado”.
Questionada, então, sobre se havia feito uma referência à decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de suspender nesta quinta (12) a coleta de provas de uma investigação aberta sobre o senador Aécio Neves (PSDB-MG) relacionadas a supostas irregularidades na estatal Furnas, Dilma respondeu: “Eu acho [a decisão de Gilmar Mendes] bastante interessante. Extremamente interessante”.
Lava Jato
Durante a entrevista, o ex-ministro da AGU rebateu as acusações do ex-senador Delcídio do Amaral, que foi líder do governo Dilma no Senado, de que a presidente teria indicado ministros doSuperior Tribunal de Justiça para que intercedessem em favor de empreiteiros investigados pela operação Lava Jato.
Cardozo disse que as acusações de Delcídio não têm “o menor cabimento”.
“É tão risível porque, naquela câmara [do STJ] que fez essa decisão [de não conceder liberdade aMarcelo Odebrecht], três ministros tinham sido nomeados por nós em um prazo muito curto de tempo, dois votaram contra, um votou a favor [de libertar o empreiteiro]. Por que razão eu teria negociado só com um?”, questionou Cardozo.
Cardozo também foi questionado se achava que o processo de impeachment vingaria caso a operação Lava Jato não tivesse existido. Ele disse que é difícil falar em hipóteses, mas que acreditava que “possivelmente a história seria diferente”. Para o ex-ministro, governos que combatem a corrupção podem ser ameaçados.
“Todo governo que combate a corrupção corre riscos. É importante dizer isso, especialmente em um país em que a corrupção é estrutural e histórica. Porque você cria mecanismos de combate à corrupção. Você dá autonomia aos órgãos de investigações. A corrupção que ficava no subterrâneo é colocada sob a luz do sol. Isso gera um incômodo”, disse Cardozo, ressaltando que Dilma teve “coragem” para combater a corrupção desde o primeiro dia de mandato.
G1