Um ataque leve, envolvente. Meio de campo com dois. Não, com quatro. Na verdade, seis homens…. Não, sete, oito atacando ao mesmo tempo, cercando a área adversária. Defesa fechada, com zagueiros longe da grande área e goleiro adiantado sem a bola. Por uma cobrança de pênalti tudo poderia ter ido por água abaixo, mas não foi. Weverton pegou, Neymar colocou para dentro e agora temos um legado para chamar de nosso.
Há de se valorizar demais as ideias que foram colocadas em campo nesta olimpíada. Um treinador que tentou desde o início dissociar o seu pensamento do futebol do resultado final agora, talvez sem essa pretensão, pode alimentar a velha discussão de como se chega à vitória. Micale não prometeu ouro, mas trabalho e muita entrega. Não queria inventar a roda, nem atrapalhar, como cansou de dizer. Mas a verdade é que ele oferece ferramentas para o sopro de renovação do nosso futebol dentro das quatro linhas.
Leia abaixo o que fica dessa conquista inédita para nosso futebol. Valem para Tite, para um treinador que está começando, para aqueles consagrados que pensam não precisar aprender mais nada. A Copa e o 7 a 1 deixaram o rei do futebol nu. A olimpíada reveste de esperança uma paixão nacional.
Quatro atacantes, sim, senhor!
Gabriel Jesus pela esquerda, Neymar próximo, Gabigol e Luan do outro lado. Os quatro da frente se mexiam sem parar e, pelo menos três deles, voltavam com tudo para marcar. Quando muitos esperavam que Micale fosse retroceder e tirar um dos dois Gabrieis que jogavam ao lado de Neymar, o treinador mostrou que é um teimoso corajoso. Lançou Luan e chegou próximo de um equilíbrio com o gremista encostando mais no camisa 10, flutuando entre os zagueiros e os volantes adversários.
Neymar, um 10 que pode ser 8 e sabe ser 5
Foram quatro gols na competição, três assistências e inúmeras boas jogadas. A rigor, o craque só jogou mal contra o Iraque. Mesmo contra a África do Sul, Neymar encontrou espaços e, mesmo abusando às vezes dos dribles, achou espaços e os companheiros em campo. Se havia alguma reticência do próprio jogador em atuar como um meia, a partir do jogo contra a Dinamarca Neymar ampliou seu repertório com visão de jogo impressionante. E sem deixar de marcar e ajudar em desarmes e combate ao adversário. O gol contra Honduras, com 14 segundos, é exemplo.
Respeito e humildade
A cena passou despercebida, mas representa o lugar de Micale nesta conquista. Na hora que o grupo se juntou para tirar a foto no pódio, o treinador, que estava comemorando pelo gramado, se colocou ao lado de Gustavo Feijó, chefe de delegação, bem longe do centro da foto. Depois, alertado por membros da comissão, foi para lugar de maior destaque. Um treinador que chegou a pedir desculpas para Thiago Maia por tirá-lo da equipe, que passou por provações e mostrou também insegurança – como na partida contra o Iraque – passa a mensagem para os medalhões do futebol brasileiro. Conhecimento nunca é o bastante. A conquista de um desconhecido – que exalta o futebol alemão, o estudo e o preparo além do “boleirismo” – é mais uma lição de humildade para o futebol brasileiro.
A regra de que a dupla de zaga deve ser complementar e formada por jogadores altos não serviu para Rodrigo Caio e Marquinhos. Em seis jogos, poucos sustos – sofreram mais contra a África do Sul – e ótima impressão. Com 1,82m e 1,85m respectivamente, Rodrigo e Marquinhos saíam para o jogo e funcionavam bem mesmo com a linha alta, como gosta de dizer Micale. É claro que o sistema requer muito entrosamento e treinamento. Na final, erro de saída de Marquinhos provocou o gol alemão.
Não só posse de bola
O time de Carlos Alberto Parreira conquista a Copa de 1994 com domínio sobre todos os times nos sete jogos do mundial dos EUA. A segurança vinha de um meio de campo com dois jogadores com muito poder de marcação, como Mauro Silva e Dunga. A receita virou modelo no futebol brasileiro. O time de Micale valorizou bastante a bola. Na final, ficou com ela em 53% do tempo de bola rolando. Mas é bem mais agressivo. Em média, finalizou quase 20 vezes por partida – 17 na decisão contra a Alemanha.
O volante Renato Augusto
Vaiado pela torcida em Brasília, Renato teve visão privilegiada em posição que pouco atuou – embora no Corinthians já jogasse em alguns momentos na linha mais recuada. Ao lado de Walace, atacou menos, mas infiltrou-se no ataque como surpresa. Clareou a maioria dos lances que chegaram a seus pés. Se a era dos volantes brucutus definitivamente passou no futebol brasileiro, a dos meias que recuam para virar volantes ainda não se firmou. Dunga já tentara aproveitar Renato desta maneira. Tite conhece bem Renato e é fácil de imaginar que o ex-corintiano permaneça como um dos pilares da Seleção.





