Mães e Anistia Internacional promovem ato contra violência policial no Rio

Como parte dos eventos de lançamento do relatório O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2016/2017, que ocorreu ontem (21), a Anistia Internacional promoveu nessa quarta-feira (22) um ato com familiares de jovens mortos pela polícia, no Rio de Janeiro, em São Paulo, na Bahia, Jamaica e nos Estados Unidos. O ato começou na Candelária e seguiu em passeata até a Cinelândia, onde ocorreu o debate Mulheres negras na resistência e mobilização por direitos humanos.

No trajeto, que seguiu pela Orla Conde e não interrompeu o trânsito, as mães gritavam palavras de ordem pela desmilitarização da Polícia Militar e os nomes dos filhos assassinados. O grupo de teatro Cia do Tumulto acompanhou o grupo fazendo intervenções em que questionavam: “É por ser pobre ou por ser negro?” e “você carrega a maldita cruz do preconceito no peito?”

Segundo a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, em 2016 a violência policial cresceu tanto que o tema rendeu um relatório exclusivo do órgão.

“Os números estão aumentando, e esse ato quer chamar a atenção para isso, que é um problema continental”, segundo Jurema. Ela disse que desde as Américas passam por situação muito grave. “É a região do mundo em que esse problema é mais grave. Não é à toa que a luta também está articulada”, acrescentou.

Jurema destaca que todos os participantes do ato, em sua maioria mulheres, entraram no ativismo pelos direitos humanos depois de passar pela tragédia pessoal de perder um filho, um parente.

Ela ressaltou que a fala comum das mulheres é que não eram ativistas, mas se alguém que toma a decisão de lutar por justiça quer dizer “ativista”, então elas abraçam o termo com muita honra. “Elas foram levadas à luta por uma situação trágica, mas não recuaram, são incansáveis. Os parentes não vão voltar, mas elas lutam pra que isso não aconteça mais. A dimensão da generosidade da luta delas vale a pena ser destacada”.

Depoimentos e revolta

Uma delas é Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha, assassinado em 2014. Ela destacou que, como as outras mães presentes ao ato, só consegue se levantar todos os dias porque tem uma missão. Ana Paula disse que “só existe investigação por causa da nossa luta. Nós saímos do Judiciário como se não fosse nada. A primeira coisa que perguntam na delegacia é se o filho tinha passagem [pela polícia]. Chega de arquivamento! Se fosse uma criança branca, da zona sul, assassinada, não era tratada dessa forma. Chega desse sistema racista”!

Pais também participaram do ato. O aposentado Gilberto Lacerda Dingo perdeu o filho Thiago em 2015, na Pavuna, zona norte da cidade. Thiago tinha 24 anos e a esposa estava grávida. Ele era mototaxista e passava de moto com o amigo Francisco Lucas, de 17 anos, carregando um macaco hidráulico em frente ao conjunto residencial em que moravam, quando foram atingidos por um único tiro de fuzil que matou os dois. Gilberto diz que só agora haverá a primeira audiência na Justiça.

“O assassino é réu confesso, mas ainda está solto”, disse ele, e acrescentou que a primeira audiência será no dia 5 de junho. De acordo com Gilberto, em outubro o policial foi afastado da atividade, mas até então trabalhava normalmente. “Ele está curtindo a vida, o Natal, fim do ano, futebol, churrasco, se ele gostar disso. E eu, depois que meu filho morreu, não fiz mais nada, não reuni família no fim do ano, que eu sempre fui apaixonado pelas festas. Não consigo nem ouvir música. Minha vida estacionou, e a dele está normal”, lamentou.

O pedreiro José Luiz Faria da Silva disse que luta há 20 anos por justiça para o filho Maicon, morto em uma incursão policial no bairro de Rocha Miranda. Maicon tinha apenas 2 anos e o caso foi registrado como auto de resistência. Segundo Silva, não houve investigação e o caso prescreveu sem punição aos culpados.

“Ele ainda ficou com marca de marginal, tinha 2 anos, e na ocorrência registraram como se tivesse trocado tiro com policial. É um absurdo. A situação não mudou nesse tempo todo. No meu ponto de vista, só mudaria se o Ministério Público e o Tribunal de Justiça fizessem a sua parte, que é investigar o crime e não deixar prescrever. É tiro na nuca, e ninguém fala nada disso, colocam como se fosse auto de resistência”, destacou.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro informou, por nota, que desde 2007 foram expulsos da corporação mais de 2,1 mil policiais por “desvios de conduta e abuso de autoridade”, após apuração das corregedorias.

“A Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) tem como prioridade a preservação da vida, a convivência pacífica e a redução de índices de criminalidade no estado. Por isso, desde 2007 investe no processo de pacificação nas comunidades, na diminuição da utilização de fuzis, na implantação do Sistema de Metas e Acompanhamento de Resultados e criou também o Programa de Gestão e Controle do Uso da Força para avaliar e capacitar os policiais da atividade-fim, lotados nos batalhões com maiores registros de letalidade violenta. Além disso, incumbiu a Divisão de Homicídios de investigar os homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial”, diz a nota. Ressalta ainda que na comparação de 2016 com 2006, ano anterior à atual política de segurança, houve redução de 13,5% nesse tipo de crime.

Mulheres negras

No debate Mulheres negras na resistência e mobilização por direitos humanos, no Cine Odeon, a norte-americana Marion Gray-Hopkins, que teve o filho Gary morto pela polícia, em 1999, lembrou que só se alcança a justiça com luta coletiva.

“Eu faço parte da organização Coalition of Concerned Mothers, feita por mulheres negras fortes, que querem parar com a violência. Nós chamamos todos vocês para lutar por essa mudança necessária”, enfatizou.

A jamaicana Shackelia Jackson, irmã de Nikiea, morto pela polícia, em 2014, citou Bob Marley e afirmou que a luta pelo fim da violência policial não é só de seu país, mas uma questão internacional.

No seu entender, as vítimas de violência são “desumanidade”, e viram estatísticas, principalmente negros pobres. “Meu irmão perdeu a voz, mas eu me tornei a voz dele. E não sou uma voz solitária, somos um coro. Um único assassinato já é muito, especialmente se for cometido por forças do Estado”, ressaltou.

A filósofa Djamila Ribeiro afirmou que não se pode pensar na questão racial apenas com políticas especiais, com órgãos exclusivos, mas sim como políticas transversais, que perpassam todas outras, como transporte, saúde, habitação e violência contra a mulher com viés racial, levando a um novo marco civilizatório para o país.

“Falar de mulheres negras é falar de resistência. É importante sabermos que nossos passos vieram de longe. Somos fortes sim, por causa da resistência a tantas políticas de branqueamento e outras coisas. Temos que ser fortes porque esse estado é violento e nos violenta todos os dias. Depois, essas mulheres negras são abandonadas e adoecem psiquicamente, e ainda dizem que eles são fortes e aguentam. Esse debate é primordial para o movimento negro. Melhorar a vida da população negra é melhorar a vida do país”, de acordo com Djamila.

Jurema Werneck afirmou que ser mulher negra no Brasil é enfrentar a dor e as violações, mas ter esperança de que é possível construir um mundo melhor para o próximo. “As mulheres negras, generosamente, são o motor dessa mudança”, disse ela.

“Ser mulher negra no Brasil é ter que acordar todo dia e enfrentar as violações de direitos humanos. É ter que acordar numa favela e falar ‘eu vou seguir adiante, lutando’. É ter seu filho morto e mesmo assim não esmorecer. É dar um nó nessa revolta e tirar força pra lutar. Ser mulher negra é também, sabendo da dor e do sofrimento, pensar um outro mundo e fazê-lo real. Não é abstrato, é experiência”, acrescentou Jurema.

O relatório O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2016/2017 está disponível no site da Anistia Internacional.

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