Um lenço com estampa de chita e um colar indígena feito de sementes emolduram o rosto largo da camponesa Maria de Souza Varela Oliveira, 66. Em um canto da sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na avenida Ulysses Guimarães, no bairro de Sussuarana, em Salvador, ela conta a história da própria vida.
De Juazeiro do Norte, no Ceará, até Juazeiro da Bahia, semiárido do estado, foram muitas lutas, pelo direito à terra e contra o machismo.
“Nós, mulheres camponesas, temos conseguido protagonismo, as nossas pautas têm avançado, mas ainda temos que avançar muito, alcançar o espaço que merecemos no latifúndio da terra, no latifúndio do conhecimento e em vários outros latifúndios que só os homens ocuparam”, avalia Socorro Varela, como é conhecida no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
É por causa da ligação com a entidade que Maria está no Incra desde anteontem. Ela é uma das 1.000 sem-terra que, na antevéspera do Dia Internacional da Mulher (8 de Março), ocuparam o órgão para defender o aprofundamento da reforma agrária, combater a reforma previdenciária e comemorar o protagonismo das mulheres na luta pela terra.
Neta do agricultor Lourenço José de Souza, funcionário de engenhos cearenses, a camponesa milita por questões feministas desde a adolescência, quando ingressou na Pastoral da Juventude do Meio Popular. Por onde passou, ajudou a organizar mulheres para debater pautas de gênero.
A formação em pedagogia pela Universidade do Estado de Pernambuco (UPE) deu uma nova tarefa a ela: integrar o setor de formação do movimento e levar à frente os pensamentos “em defesa da dignidade das mulheres”.
“A gente busca somente igualdade”, arremata Socorro. No final da conversa, ela posa para a foto que ilustra a reportagem. Pede um tempo para passar batom e arrumar o cabelo no lenço de chita: “Vaidade toda mulher tem, até as de luta”.
Ali mesmo no Incra, entre uma atividade e outra para organizar o acampamento, já próximo à hora do almoço, Elizabeth Rocha de Sousa, 47, frisa as dificuldades enfrentadas pela mulher do campo.
“A mulher camponesa teve reservado para ela sempre o trabalho familiar, além de ter que dividir o trabalho na roça com o homem. Nunca houve autonomia financeira nem de nenhuma ordem”, afirma a escolhida para representar a Bahia na direção nacional do MST.
Ser mulher da roça, na opinião dela, é o acúmulo de mais uma opressão: “As negras, então, sofrem ainda mais. A gente tem que conquistar no dia a dia os espaços, porque o papel de submissão que foi colocado sobre a mulher é mais forte ainda no campo”.
“Carga pesada”
Mãe solteira de três filhos, Beth sabe bem do que fala. Carregou, por causa disso, a “carga pesada” do machismo. Ainda assim, tornou-se liderança para diversas outras mulheres.
“Ser mulher na sociedade é viver essa condição de ser romantizada em alguns momentos, mas, em outros, passar por violências, a doméstica, a sexista e até a trabalhista”, reflete Beth, sobre o balanço dos anos de luta.
“Mas estamos todas aqui vivas”, diz, como quem se afirma por ser mulher.




