Um, dois, três, quatro, cinco, seis… Toda vez que pousa no Aeroporto de Congonhas, o procurador da República Rodrigo De Grandis começa a contagem após sentir o trem de pouso tocar no solo. Responsável pela acusação criminal no processo do maior acidente aéreo da história do País – o desastre do voo 3054 da TAM, que deixou 199 mortos -, De Grandis lembra que seis segundos é o tempo que a tripulação do A320 levou para acionar os freios para tentar parar o Airbus que atravessou a pista e bateu no prédio da empresa aérea, do outro lado da Avenida Washington Luís, na zona sul de São Paulo. Eram 18h48 de 17 de julho de 2007. Dez anos depois, o número de voos de Congonhas voltou a crescer e o aeroporto transporta 20,8 milhões de pessoas por ano (2016), ultrapassando o recorde de passageiros que havia sido registrado um ano antes da tragédia (18,4 milhões).

Segundo maior aeroporto em movimento do País – ele perde apenas para o de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo -, Congonhas, no entanto, não é mais o mesmo de dez anos atrás. “Um acidente como esse faz com que processos sejam aperfeiçoados”, afirma o brigadeiro Frederico Alberto Marcondes Felipe, comandante do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea.

De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), as duas pistas do aeroporto “encolheram” para que “áreas de escape” fossem consideradas no cálculo de segurança do pouso e decolagem de aeronaves – antes a conta usava a extensão de 1.940 metros da pista principal, hoje as aeronaves devem operar como se a pista tivesse 1.660 metros para pouso e 1.790 para decolagem. Além disso, os aviões de carreira que lá pousam têm de fazê-lo com menos combustível e a pista auxiliar só pode ser usada por eles para decolagens. Ao todo, por hora, Congonhas abriga 38 subidas e descidas.

“Há um espaçamento maior de operações e criaram procedimentos de saída e de chegada. Mas já querem mudar isso, como autorizar os pousos na pista auxiliar”, diz Mateus Ghislene, piloto de Boeing 737 e diretor de segurança de voo do Sindicato Nacional dos Aeronautas. Para ele, se as autoridades comprovarem que a mudança é possível, não há problema. “O que preocupa são as decisões políticas.”

A Anac determinou ainda que só pilotos com mais de 100 horas de voo, que tenham treinado arremetida após o trem de pouso tocar no solo, podem pousar ou decolar Boeings e Airbus em Congonhas. O aeroporto recebeu uma nova torre de controle em 2013 e, em junho, a pista principal passou por nova reforma para impedir acúmulo de água no lugar. Obra semelhante havia sido feita pouco antes do acidente com o A320. Desde 2004, Congonhas era objeto de queixas em razão do coeficiente de atrito. “O pavimento da pista estava desgastado e ficando abaixo dos padrões mínimos”, conta o coronel da Aeronáutica Fernando Silva Alves de Camargo, que chefiou a equipe do Cenipa que apurou o desastre.

“Havia pressão grande para não fechar o aeroporto para reforma, que foi protelada”, continua Camargo. Segundo ele, com o tempo, a pista começou a ter deformidades, surgindo poças. Mesmo após a reforma, um dia antes do desastre com o A320, um avião ATR da Pantanal aquaplanou e saiu da pista – a apuração do Cenipa, no entanto, mostrou que o avião da TAM não derrapou.

Hoje, informa a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), que administra Congonhas, toda semana são feitas medições do coeficiente de atrito da pista e, a cada 15 dias, da textura dela para verificar sua “profundidade média”. “Eu pouso em Congonhas sem preocupação”, diz o brigadeiro Felipe.

Fabricante

As consequências do desastre chegaram até a França, sede da fabricante da aeronave. Em 2011, a European Aviation Safety Agency (EASA) emitiu uma diretriz de aeronavegabilidade determinando à Airbus a substituição do sistema responsável pelos alertas sobre o recuo dos manetes que controlam as potências dos motores de seus aviões. Isso porque o Cenipa constatou que a tripulação do A320 movimentara só o manete de um dos motores para a posição Idle – espécie de ponto morto -, deixando outro na posição CL, de climb (subir). Com isso, o sistema de computadores do A320 entendeu que os pilotos queriam arremeter e não abriu os spoilers para ajudar a parar o avião. O jato atravessou então a pista e, a 145 km/h, passou por cima da avenida, entrando no prédio da TAM – 187 pessoas no avião e 12 no prédio morreram.

Como os pilotos não perceberam a posição errada do manete, não puderam evitar a tragédia. Agora, nenhum avião de carreira sem aviso sonoro para alertar os pilotos de um erro semelhante pode pousar em Congonhas. “O A320 tem uma lógica de sistema, concebida na época, que acabou ensejando esse tipo de acidente. Ela não tem como ser modificada”, conta o coronel Camargo.

Segundo ele, o Cenipa identificou que, mesmo com toda configuração para pouso, o simples fato de um manete estar na “posição de voo” fazia com que a lógica do sistema do A320 entendesse que o avião “queria voar em vez de querer pousar”. Segundo ele, após o desastre, a Airbus desenvolveu sistemas de apoio para elevar o nível de segurança do jato. “Para esse avião, a solução foi tornar obrigatório o alarme que era opcional. Uma de nossas recomendações levou a isso.” Nas gerações mais modernas da aeronave, a empresa mudou a lógica do sistema.

Justiça

Por fim, o acidente fez nascer em 2014 lei que separa a investigação judicial – criminal e civil – da apuração das causas do acidente. “Nosso trabalho se baseia não só em fatos, mas também em hipóteses. Se usado como prova, ele pode levar o juiz a tomar decisões equivocadas”, diz o brigadeiro Felipe. Os três acusados de pôr em risco a segurança aérea foram absolvidos em junho pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (São Paulo). Dez anos depois, a Justiça decidiu que não havia quem punir.

Empresa aérea adotou 24 solicitações e reforçou treinamentos

Procurada, a LATAM, empresa que surgiu da fusão de LAN e TAM, diz que as 24 recomendações feitas à companhia como medidas de prevenção pela Aeronáutica foram adotadas. “Destacamos a criação de programas para reforçar a conscientização sobre segurança operacional entre todos os funcionários; aperfeiçoamento do sistema de reporte para situações de riscos, de forma voluntária e sem a necessidade de identificação do funcionário; e reforço do procedimento adequado da tripulação, em eventual caso da aeronave operar com restrições no reversor”, disse em nota oficial. As recomendações integram o relatório final da investigação.

A empresa disse ainda que nesses dez anos houve reforço na formação e na reciclagem dos integrantes da tripulação, padronização de treinamento aos pilotos para que estejam familiarizados para atuarem na função de copilotos e reforço da importância do monitoramento de dados de voo para atuação preventiva, além de aperfeiçoamento de práticas para a comunicação de mudanças de procedimentos. Especificamente sobre o caso de 2007, ainda vale notar o reforço aos tripulantes sobre “a adoção de arremetidas como ferramentas de prevenção”. 

Fonte: Estadão

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