O barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, acusado de matar o mestre de capoeira Moa do Katendê, de 63 anos, a facadas, em outubro de 2018, foi condenado a 22 anos de prisão em regime fechado, em júri popular realizado ontem (21), no Fórum Ruy Barbosa em Salvador.
O barbeiro foi condenado a 17 anos e 5 meses por homicídio duplamente qualificado contra Moa e 4 anos e 8 meses pela tentativa de homicídio duplamente qualificado contra Germino do Amor Divino, primo do mestre de capoeira, que estava com ele no dia do crime. A defesa de Paulo informou que vai recorrer da decisão.
Segundo as investigações, a vítima discordou da posição política do suspeito, que disse ser eleitor do candidato Jair Bolsonaro (PSL), e foi esfaqueada ao revelar que tinha votado no PT. Quando foi atacado, Moa estava em um bar com o primo Germino, de 52 anos, que também foi ferido com os golpes de faca.
Amigos e familiares de Moa do Katendê após condenação do homem que matou o mestre de capoeira — Foto: Maiana Belo/ G1
“Pra mim foi uma tensão muito grande durante o dia. Tentei me manter calma. Eu sei que não traz a vida de painho de volta, mas graças a Deus a justiça foi feita. Ele [Paulo] precisava pagar por tirar a vida de um pai de família”, disse Somomair Costa, filha de Moa.
O promotor do caso, David Gallo, disse que estava confiante na condenação do acusado desde o início do júri. “A pena e a condenação já eram esperadas pelo Ministério Público, tanto que a gente nem recorreu [da sentença de 22 anos]”, disse.
Moa do Katendê foi morto a facadas — Foto: Reprodução/Facebook
Foi no mês de abril que o órgão divulgou que Paulo Sérgio iria à júri popular. O suspeito virou réu após a Justiça da Bahia aceitar a denúncia do Ministério Público Estadual (MP-BA), no dia 22 de outubro de 2018.
Paulo Sérgio estava preso desde o dia do crime. Ele foi autuado em flagrante, mas, no dia 9 de outubro, passou por audiência de custódia e teve prisão preventiva decretada pela Justiça.
O suspeito aguardou julgamento no Complexo Penitenciário da Mata Escura, na capital baiana, para onde retornou após a sentença ser lida.
O julgamento
O julgamento começou por volta das 8h30. A primeira pessoa a ser ouvida foi Germino do Amor Divino Pereira, de 51 anos, que é primo de Moa e foi ferido no ataque. Ele contou que todos foram surpreendidos com a ação do acusado.
“Ninguém esperava por aquilo. Quando ele [acusado] saiu de lá, a gente achou que tinha acabado. Se eu não tivesse saído para pedir ajuda, eu estaria morto. Se não saísse para pedir socorro, hoje, eu estaria morto”.
“Moa sempre foi gente boa. Eu conhecia ele há 20 anos. Ela era tranquilo, até para falar. Falava baixo. Moa sempre ia lá. No dia do crime, ele chegou depois das 21h, sentou e, como não era muito de falar, ficou calado. Ele não falava com estranhos”, disse.
“Logo depois, chegou o rapaz [acusado], e, depois de ver um adesivo do PT, questionou: ‘É, pelo visto vocês votaram no PT, né?’ Eu respondi que não, que não tinha nem título. Mas, se tivesse, votaria sim. Moa não falou nada. Continuou calado. Enquanto isso, ele [acusado] ficou dizendo que era para votar no Bolsonaro porque iria dar arma para todo mundo e matar os gays. Todo mundo ficou falando sobre política, menos Moa”, completou.
“Até que, em um momento, Moa foi no banheiro e, na volta, Nadinho [como é conhecido Reginaldo, um dos irmãos de Moa] falou a Moa que o acusado tinha votado em Bolsonaro. Moa então indagou: ‘Pô, votar num cara desse, preconceituoso e racista. Você é veado?’ Moa indagou isso calmo, sem ameaça. O homem então respondeu a ele: ‘Sou veado não'”, contou João Carlos.
Logo depois, foi a vez da filha de Moa fazer o relato dela no júri, destacando o comportamento do pai durante toda a vida.
“Meu pai era uma borboleta. Não fazia mal a ninguém. Nunca se envolveu em confusão. Ele era conciliador. Foi difícil de acreditar. Dói até hoje. Meu pai nunca bateu, nem agrediu ninguém. Era uma borboleta, de poucas palavras. Ficou uma ferida que nunca cicatriza”.
A última testemunha de acusação ouvida foi Nadinho, o irmão de Moa. Ele falou um pouco sobre a situação, mas afirmou que foi tudo rápido, que ninguém espera aquilo, já que, inicialmente, não houve briga.
Por volta das 10h48, foi a vez das cinco testemunhas de defesa serem ouvidas. Elas relataram que Paulo Sérgio sempre teve um bom comportamento e nunca se envolveu com crime. Apesar disso, coube a Taiane de Jesus Santos, companheira dele há 10 anos, relatar o que ocorreu dentro da casa do acusado, antes e depois dele esfaquear Moa.
“Eu já estava com roupa de dormir. Ele [marido dela] entrou rapidamente e abriu o portão. A forma como ele entrou não foi comum. Fui ver o que foi e ele começou a gritar: ‘Eu não sou otário, eu não sou veado. Eu não sou otário, não sou veado’. Daí ele saiu e na volta já estava ensanguentado e foi direto para o banho”, contou.
Quando questionada pelo advogado de defesa sobre o estado do marido, ela contou que um o insulto que ele teria ouvido de Moa pode ter provocado o crime.
“Ele estava diferente, atordoado. Quando você ouve uma coisa e fica na sua mente. Ele ficou o tempo todo dizendo que não era otário”, completou Taiane de Jesus Santos.
Às 11h18, um perito que esteve na cena do crime logo depois do caso discorreu sobre aspectos mais técnicos e do que encontrou no local.
Na sequência, as 11h36, Eduardo Llano, perito contratado pela família, também apresentou as conclusões que ele fez. Como contou durante o depoimento, o trabalho dele foi de investigar as facadas em si.
Na sequência, foi a vez de Paulo Sérgio depor sobre o crime pelo qual é acusado. A juíza começou a interrogar ele às 11h36. Antes disso, ela avisou que, caso desejasse, ele poderia ficar calado. Apesar disso, ele falou.
“Eu não tinha votado porque não fiz a biometria. Disse que ia ficar em casa. Comecei a beber em casa, com meu sogro. Depois, fui para Itapuã. Lá continuei bebendo. Na volta, vi que o bar de João estava aberto e perguntei: ‘Dá para tomar uma?’. Parei lá e comecei a falar sobre política. Sempre comentando com João. Quando comecei a falar com ele [Moa], ele partiu para cima de mim, dizendo: ‘Você é p* no c*, veado. Você é veadinho’. Enfurecido, saí rapidamente, fui em casa, e , quando voltei, a galera começou a gritar: ‘É vem ele’. Daí, entrei em luta corporal com Moa. Foi nessa luta que atingi ele. Quando entrei no bar, fui logo em cima dele”, disse.
Às 12h24 foi anunciado um intervalo de 30 minutos. E às 13h34 o júri foi retomado com abertura dos trabalhos do assistente de acusação e sem seguida, do promotor Davi Galo.
O júri foi retomado as 13h54, com o assistente da acusação da promotoria, Alonso Guimarães, apresentando materiais, como imagens e laudos, em um televisor inclinado apenas para os setes jurados. A plateia não teve acesso ao conteúdo.
O promotor Davi Gallo falou após o assistente de acusação e relembrou o dia do crime. Depois foi a vez da defesa apresentar seus materiais e conteúdo.