A guerra das águas e sede. Pequenos agricultores são proibidos de usar água do Velho Chico

CaptaçãoO jornal O Estado de São Paulo começou, no dia 02 Fevereiro 2020, dia de Iemanjá, a Série de reportagens especiais com o título “Guerra das Águas, Sede Escassez e Mortes no Interior do Brasil. O texto de Patrik Camporez, fotos e vídeos de Dida Sampaio. Um levantamento inédito feito revela que há 63 mil Boletins de Ocorrência (BOs) abertos em delegacias nos últimos cinco anos, por causa da briga pela água. É um litígio que vem crescendo. Sem conseguir resolver o antigo problema dos conflitos de terras, o País vive agora uma nova crise. Cada curva de rio caudaloso e de córrego quase seco é disputada à bala, à foice e à chave de fenda. Antes, praticamente não havia registros desse tipo.

Com 12% de toda a água doce do planeta, as 12 regiões hidrográficas brasileiras, como as bacias do São Francisco, do Paraná e do Amazonas – a mais extensa do mundo –, registram o “boom” dos conflitos. Hoje, os rios nacionais são sugados três vezes mais do que há duas décadas.

A reportagem mostra a desigualdade entre ricos e pobres nas margens do Rio São Francisco nos canais de irrigação. Segundo a informação os “vigias da água” usam drones, três moto-patrulhas e uma viatura caracterizada para evitar a retirada de água de antigos canais do Rio São Francisco, 24 horas por dia.

A criminalização de quem não tem água é um drama a mais no semiárido.  Os vigias trabalham para uma firma de segurança que presta serviço à empresa Distrito de Irrigação Nilo Coelho (Dinc), uma terceirizada da estatal Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Os canais proibidos para boa parte dos moradores e sitiantes foram construídos ainda nos anos 1980 e 1990 para irrigar, especialmente, plantios de frutas para exportação.

A equipe de reportagem estava próxima do canal, em Petrolina, quando testemunhou o momento em que um morador se aproximou do curso com um balde e um barril, olhou para os lados e, mesmo demonstrando medo, tirou a água dali. Era Cosme Angelo, 26 anos, que dividiria o barril com 20 vizinhos.

Cosme se queixou de que a mesma água disponível à irrigação é proibida para os moradores. “É uma luta diária. Se eu for pegar água direto no rio, tenho que buscar a mais de 20 quilômetros, nas costas. Então, prefiro correr o risco de me verem e chamarem os vigias da água para fazer a ocorrência”, desabafou, ofegante.

Confiram reportagem Jornal Estadão. O texto de Patrik Camporez e fotos e vídeos de Dida Sampaio.

Nos últimos cinco anos, 63 mil boletins de ocorrência foram abertos em delegacias do País por causa de brigas por água. É o que mostra levantamento inédito do Estado. As desavenças envolvem hidrelétricas, companhias de abastecimento, comunidades tradicionais, fazendas, pequenas propriedades e indústrias. Há duelos também entre Estados – São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, se enfrentam no STF pelo Rio Paraíba do Sul.

Para detalhar esses conflitos, Patrik Camporez e Dida Sampaio percorreram áreas do Amazonas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas, Pará, Paraíba, Pernambuco, São Paulo, Tocantins e Distrito Federal. E encontraram de poços guardados pelo Exército a lagos vigiados por escolta armada e canal cercado por muro.

É mais um tempo de tensão e sede no semiárido. Numa sala de 40 metros quadrados, decorada com monitores de alta resolução em um prédio no interior de Petrolina, em Pernambuco, o vigilante Flávio Silva tem uma visão ampla dos canais. Ele e outros sete colegas contam, ainda, com um drone, três moto-patrulhas e uma viatura caracterizada para evitar a retirada de água de antigos canais do Rio São Francisco, 24 horas por dia. A fiscalização irrita os sertanejos que não conseguem pagar licença de cerca de R$ 3 mil para abastecer seus sítios e casas.

Os “vigias da água” trabalham para uma firma de segurança que presta serviço à empresa Distrito de Irrigação Nilo Coelho (Dinc), uma terceirizada da estatal Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Os canais proibidos para boa parte dos moradores e sitiantes foram construídos ainda nos anos 1980 e 1990 para irrigar, especialmente, plantios de frutas para exportação.

Tudo indica que, a partir da entrega da nova transposição do rio, iniciada em 2007, as regras de distribuição também sejam proibitivas para os pequenos produtores. A preocupação tornou-se real com a decisão de prefeitos e governos estaduais de deslocarem vigilantes e policiais militares para os eixos, com o objetivo de vigiar onde a água começa a correr. O governo tem dado prioridade ao abastecimento humano e ainda não definiu como será a partilha para a irrigação.

Enquanto isso, os sertanejos se arriscam em retiradas clandestinas, numa disputa silenciosa com a firma terceirizada pela empresa Dinc. “Nossa presença intimida, mesmo a gente não sendo polícia”, disse o vigilante Flávio.

A criminalização de quem não tem água é um drama a mais no semiárido. A equipe de reportagem estava próxima do canal, em Petrolina, quando testemunhou o momento em que um morador se aproximou do curso comp um balde e um barril, olhou para os lados e, mesmo demonstrando medo, tirou a água dali. Era Cosme Angelo, 26 anos, que dividiria o barril com 20 vizinhos.

Cosme se queixou de que a mesma água disponível à irrigação é proibida para os moradores. “É uma luta diária. Se eu for pegar água direto no rio, tenho que buscar a mais de 20 quilômetros, nas costas. Então, prefiro correr o risco de me verem e chamarem os vigias da água para fazer a ocorrência”, desabafou, ofegante.

Plantador de manga na zona rural de Petrolina, Francisco das Chagas Ferreira Garcia, o Tico Vaqueiro, migrou com a família de Exu para Petrolina há 23 anos.

A migração no rumo do rio provocou inchaço populacional e acirrou as disputas por água na área onde os exportadores de frutas se instalavam. O projeto do Distrito de Irrigação Nilo Coelho é administrado pela Codevasf. Tico Vaqueiro, 54 anos, só planta em metade dos 20 hectares de sua propriedade, pois não consegue elevar a conta de água, que já chega a R$ 4 mil. “As empresas conversam direto com o governo e conseguem mais água. Por outro lado, se um pequeno furar um cano e colocar uma bomba-sapo, vai preso”, disse.

O casal Rosa Maria dos Santos Landin, de 54 anos, e José Pedro Landin, de 56, não sabe de onde vai tirar água para matar a sede de 360 cabras. A menos de cem metros do sítio deles passa o Eixo Norte da nova transposição. O canal foi inaugurado no fim do governo Michel Temer, mas a água não atingiu volume para ser distribuída.

A obra ainda depende de estações de bombeamento e finalizações dos reservatórios. Rosa e José acreditaram que a água chegaria logo e investiram em plantio de lavoura e criação de cabras. Perderam dinheiro. Para manter os animais, a família sai em busca de garoba, uma planta que contém água.

De volta ao sítio, Rosa e José começaram a contagem das cabeças. Animais não têm retornado. Com o desmatamento da Caatinga, onças se aproximaram à procura de presas domésticas.

Como bichos têm caído no canal, de cinco metros de profundidade, e moradores e produtores retiram água sem autorização, o governo construiu um muro para impedir o acesso. “A água fica pertinho e não podemos tirar. Agora, fizeram essa parede aí”, reclamou Rosa. “Para a gente tomar banho, lavar roupa, saciar as cabras, tinha que ser essa aí mesmo. Com o muro, nem essa temos. Meu Deus do Céu!”

O pequeno produtor João de Deus Gonçalves, de 65 anos, costuma conferir, todos os dias, se a obra foi retomada. “Não tenho esperança de que a transposição vá funcionar. Ela anda um pouco para frente e se deteriora para trás”, disse. “Sempre tem bomba queimando, erro de engenharia.”

O Eixo Norte da transposição era para levar água de Cabrobó até o Ceará e o Rio Grande do Norte. A água, porém, não passou de Pernambuco – o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, prometeu que isso ocorrerá em breve. João de Deus testemunhou cada passo da obra, desde as primeiras “picadas” abertas no mato durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

A nova transposição do Velho Chico foi licitada por R$ 4,5 bilhões, mas já consumiu, em 13 anos, R$ 10,8 bilhões. O governo Lula estimou que a conclusão dos dois eixos, Norte e Leste, ocorreria em 2012.

Agora, a gestão de Jair Bolsonaro promete finalizar a obra até o fim do mandato. No ano passado, o Ministério do Desenvolvimento Regional aplicou R$ 1,3 bilhão no projeto, com investimentos na manutenção e na pré-operação.
 

RedeGN com informação Jornal O Estadão

Foto: Ilustrativa

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