O ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli comparou nessa quarta-feira, 14, as penas impostas aos réus do mensalão às punições aplicadas no período da Inquisição. Ele afirmou que os crimes cometidos no esquema do mensalão não atentaram contra a democracia ou contra o estado democrático de direito. O intuito dos crimes, afirmou o ministro, era somente o “vil metal”. Toffoli defendeu a imposição de penas financeiras, pois a pena de prisão, enfatizou, é “medieval”.
Antes de assumir o cargo de ministro do STF, Toffoli comandou a Advocacia-Geral da União no governo Luiz Inácio Lula da Silva e foi assessor do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado pela Corte a 10 anos e 10 meses de prisão mais multa superior a R$ 600 mil por comandar o esquema de pagamento de parlamentares durante o primeiro mandato de Lula.
“As penas restritivas de liberdade que estão sendo impostas neste processo não têm parâmetros contemporâneos no Judiciário brasileiro”, disse o ministro na sessão de ontem do Supremo. Para ele, o julgamento da ação penal do mensalão teria como parâmetro a “época de Torquemada” – referindo-se a Tomás de Torquemada, o “Grande Inquisidor” espanhol do século 15, em cujo período foram executados cerca de 2.200 autos de fé, principalmente contra judeus e muçulmanos na Espanha. As de agora são penas “da época da condenação fácil à fogueira”, afirmou Toffoli.
Ele manteve posição discreta em todas as sessões do mensalão. Porém, na sessão de ontem, quando eram julgados os ex-dirigentes do Banco Rural, Toffoli partiu da declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo – que anteontem disse preferir morrer a ficar preso no sistema carcerário brasileiro -, para criticar as penas privativas de liberdade. “Já ouvi que o pedagógico é colocar as pessoas na cadeia. O pedagógico é recuperar os valores desviados”, afirmou. “Estou aqui a justificar em relação às penas uma visão mais liberal e, vamos dizer, mais contemporânea porque prisão, medida restritiva de liberdade, combina com o período medieval”, disse. “Temos que repensar o que estamos fazendo para sinalizar para a sociedade.”
‘Vil metal’. Retomando sua argumentação, Toffoli afirmou não terem sido cometidos crimes contra a vida, crimes violentos, e observou que o esquema não atentou contra a democracia, como enfatizaram ministros da Corte, especialmente Celso de Mello.
“Tudo o que foi colocado aqui era o intuito financeiro, não era violência. Não era atentar contra a democracia, porque a democracia é mais sólida do que isso, não era atentar contra o estado democrático de direito, porque o estado de direito é muito maior do que isso. Era o vil metal. Então que se pague com o vil metal.”
Por isso, Toffoli definiu-se mais liberal na aplicação de penas de prisão e defendeu que as penas de multa fossem mais severas para que os cofres públicos fossem ressarcidos. “Sem medo de dizer o que eu penso, tenho visão mais liberal (em relação à pena de prisão), vamos dizer mais contemporânea, porque prisão combina com período medieval”, argumentou o ministro.
Quem comete crime financeiro, avaliou Toffoli, pode até considerar que vale a pena o risco de ser preso. Sem penas pecuniárias elevadas, valeria a pena permanecer preso por certo tempo e depois, em liberdade, aproveitar o dinheiro que foi desviado.
As penas impostas até agora pelo Supremo foram criticadas especialmente pelos advogados do mensalão. Isso foi reverberado por integrantes da Corte. Por isso, adiantam alguns ministros, ao fim do julgamento as penas passarão por um pente-fino.
O chamado operador do mensalão, o empresário Marcos Valério, está condenado a penas superiores a 40 anos. Penas que superam 8 anos, como é também o caso de Dirceu, levarão os réus para a cadeia. A lei penal prevê que penas superiores a 8 anos serão cumpridas inicialmente em regime fechado. Dos principais réus do mensalão, somente o ex-presidente do PT José Genoino deve cumprir pena em regime semiaberto.
Cobrança. A menção de Toffoli à fala de anteontem do ministro José Eduardo Cardozo levou dois outros ministros, em suas intervenções, a cobrar do governo federal que cuide melhor da política penitenciária.
O primeiro, Celso de Mello, afirmou que “é grande a responsabilidade do Ministério da Justiça” na implementação de diretrizes para a execução das penas privativas de liberdade. O poder público, advertiu, tem-se mantido “absolutamente indiferente” à necessidade de tratamento digno para os presos nas cadeias”.
Em sua vez, Gilmar Mendes disse louvar as palavras de Cardozo. “Mas lamento que só tenha falado agora, é um problema conhecido desde sempre”, observou. Relembrou que há 70 mil presos em delegacias e 250 mil detidos provisoriamente e acusou: “Não dá para o Ministério da Justiça dizer que não tem nada a ver com isso.”