O corpo de Dona Canô foi levado no final da tarde desta terça (25) até o Memorial Caetano Veloso, na Praça da Purificação, onde os moradores poderão se despedir da matricarca da família Veloso. Familiares, amigos e populares seguiram o cortejo, marcado por muita emoção e aplausos. Maria Bethânia e Caetano, filhos ilustres de Dona Canô, foram ao memorial se despedir da mãe, morta aos 105 anos.
De branco, Maria Bethânia vela corpo da mãe no memorial que leva o nome do irmão, Caetano Veloso (Foto: Lílian Marques/G1)
O sepultamento está marcado para as 10h de quarta-feira (26), no cemitério de Santo Amaro. Antes, a família vai realizar uma missa de corpo presente na Matriz da Purificação.
Mãe Carmen, do Terreiro do Gantois, em Salvador, esteve na casa da matriarca, na tarde desta terça. Ela deixou o local por volta das 18h, amparada por Clara, filha mais velha de Dona Canô, e por Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano.
“Estou com o coração destroçado. Olorum está guardando um lugar para ela no céu”, disse a ialorixá.
Caetano e Paula chegaram à casa da família Veloso no fim da tarde e entraram pelos fundos, onde não havia imprensa.
Claudionor Viana Teles Veloso, mais conhecida como Dona Canô, morreu aos 105 anos, nesta terça-feira (25), em sua casa, localizada na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. Dona Canô passou a noite de Natal em casa, com os filhos, entre eles Caetano Veloso e Maria Bethânia.
“Fica a lição de amor, de guerreira, uma mãe exemplar. Fica a saudade e a certeza que ela está em um lugar bom. Isso também nos dá um conforto. Bacana ter sido em um dia de Natal, isso é lindo”, disse o filho Rodrigo. Segundo ele, na segunda-feira (24), os médicos avisaram que os batimentos cardíacos dela estavam fracos.
Luto
O governador do estado da Bahia, Jaques Wagner, chegou na tarde desta terça em Santo Amaro da Purificação. Ele foi para a casa da família Veloso para se despedir de Dona Canô e prestar homenagens à família.
“Vim externar os sentimentos de todos os baianos e acredito que de todos os brasileiros. Ela se transformou em uma grande figura, não só pelos filhos importantes na música brasileira, mas pela fé e inspiração dela. Ela tinha personalidade própria, não era só a mãe de Caetano e Bethânia, era Dona Canô. Nesse corpo tinha uma imensidão de carinho e alegria. É uma figura que deixa exemplo de paz, do bem, que tinha sua fé, mas sabia conviver com as diferenças. Decretei luto oficial de três dias. Vou estudar com a família a mehor forma de fazer uma homenagem a ela”, disse Jaques Wagner.
O prefeito de Santo Amaro da Purificação, Ricardo Machado, também decretou luto oficial de três dias pela morte da matriarca da família Veloso. “Ela era sinônimo de alegria e festividade. Uma pessoa iluminada que sem sobra de dúvidas deixará uma grande lacuna no coração dos santoamarenses, baianos e brasileiros”, afirmou o prefeito.
Isquemia cerebral
Dona Canô esteve internada por seis dias. Ela recebeu alta do Hospital São Rafael, em Salvador, na sexta-feira (21). Ela sofreu um ataque isquêmico cerebral, o que gerou redução do fluxo de sangue nas artérias do cérebro, segundo boletim médico.
De acordo com informações de Edson Nascimento, amigo da família, Dona Canô pediu um vestido novo e branco para deixar o hospital. Foi com ele que ela foi vestida para a casa, acompanhada da filha Mabel. Maria Bethânia acompanhou a transferência da mãe em outro carro.
A matriarca teve oito filhos. Em outubro de 2011, Dona Canô perdeu a filha adotiva Eunice Veloso, aos 83 anos, que morreu com insuficiência respiratória. O filho famoso, o compositor Caetano, completou 70 anos em agosto deste ano. Em dezembro, a matriarca da família assistiu ao show da nova turnê da filha Maria Bethânia, no Teatro Castro Alves.
No dia 16 de setembro de 2012, Dona Canô completou 105 anos e, como tradicionalmente fazia, reuniu amigos e a família em missa e comemoração em casa, na cidade de Santo Amaro. Estiveram na festa os filhos Caetano Veloso e Maria Bethânia e a amiga Regina Casé. Quem celebrou a missa foi o padre Reginaldo Manzotti.
Saúde
Em 5 de novembro deste ano, ela foi internada no Hospital São Rafael, após apresentar sintomas de gripe com febre. Ela permaneceu internada até o dia 9, quando recebeu alta.
Já em 2011, Dona Canô foi hospitalizada no dia 7 de julho com dores abdominais e falta de ar. Em julho de 2007, ela ficou sete dias internada no Hospital São Rafael por causa de problemas respiratórios. Na ocasião, ela foi encaminhada de helicóptero do município de Santo Amaro até Salvador. No dia 2 de agosto, ela voltou a ser hospitalizada por dores na coluna.
Biografia
Nascida em 16 de setembro de 1907, Claudionor Viana Teles Veloso construiu sua história no Recôncavo Baiano, no município de Santo Amaro da Purificação. Os filhos biológicos são Clara, Roberto, Caetano, Bethânia, Rodrigo e Mabel. Dona Canô adotou as filhas Irene e Nicinha. Era viúva de “Seu Zeca”, que morreu em 1983, com 82 anos.
Conhecida por sua personalidade forte e receptividade, Dona Canô participava sempre da tradicional Festa de Reis em Santo Amaro, que reúne milhares de pessoas em toda região. A celebração de seus aniversários também se tornou um marco, atraindo muitas pessoas para a festa.
Dona Canô sempre aparecia vestida toda de branco em seus aniversários. Quando completou o centenário, a missa foi celebrada pelo então arcebispo primaz do Brasil, cardeal Dom Geraldo Majella. De Dom Geraldo, Dona Canô recebeu a imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida.
Depois das comemorações em Santo Amaro, Dona Canô foi para um hotel festejar os 100 anos. Ela foi recebida pela família e pelos amigos mais próximos. O então ministro da Cultura, Gilberto Gil, entregou à Dona Canô uma carta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em julho de 2011, Lula visitou pessoalmente Dona Canô em Santo Amaro.
Atrás da aparência frágil, com um corpo miúdo e fala mansa, Dona Canô escondia a longevidade de poucos e a saúde considerada “de ferro”. Ela repetiu em diversas oportunidades que era dona de uma fama que sempre disse não entender o motivo, referindo-se ao intenso interesse da imprensa sobre ela e sua vida em Santo Amaro da Purificação.
Autêntica e mãe de dois grandes nomes da Música Popular Brasileira, Dona Canô se tornou um símbolo não só de Santo Amaro, como do Recôncavo Baiano. Sempre lutou para melhorar a cidade e acolheu os moradores como uma mãe.
O sobrado de número 179, no centro de Santo Amaro, se tornou um dos pontos turísticos do município. A casa onde residiu Dona Canô e a família Veloso sempre esteve com as portas abertas para baianos e turistas.
No casarão antigo, as paredes são cobertas de fotografias e histórias dela e de toda família. Fotografias com o ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-senador Antônio Carlos Magalhães ganham destaque na parede da sala.
Nas entrevistas que dava para a imprensa, Dona Canô costumava destacar a felicidade que sentia ao poder ter vivido o suficiente para acompanhar o crescimento dos filhos e netos, tendo até conhecido os bisnetos. Sua lucidez a acompanhou até os últimos dias de vida.
Ativa, era sempre Dona Canô quem cuidava das contas de casa e decidia o cardápio na cozinha. Também sempre foi muito conhecida pela vaidade. Foi uma mulher marcada pela religiosidade. Em casa, guardava há anos várias imagens religiosas. A maioria foi dada por amigos e até por desconhecidos. Foi com a ajuda da matriarca que a festa de Nossa Senhora da Purificação transformou-se em um evento famoso na Bahia.
Uma das principais comemorações de aniversário foram os 100 anos de Dona Canô em 2007. O dia foi de flores, presentes e visitas de amigos e dos filhos. Na igreja de Nossa Senhora da Purificação, foi realizada uma missa em homenagem à matriarca. A imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida foi levada de São Paulo especialmente para a ocasião. A matriarca dos Veloso ficou pouco tempo na igreja, porque se emocionoubastante. Maria Bethânia cantou “Romaria” em homenagem à mãe e assim que terminou a música, abraçou Dona Canô.
Sobre a história construída nos 105 anos de vida em Santo Amaro, Dona Canô disse em entrevista este ano que não conseguia esquecer de quando passeava com os amigos nas usinas de açúcar da cidade. “A cidade cresceu, as coisas ficaram longe, os bondes eram importantes”, contou ao G1 no mês de setembro.
Homenagens
Cantada por Daniela Mercury, a composição de Caetano Veloso que leva no título o nome da mãe “Dona Canô” descreve a relação que a matriarca tinha com seus familiares e amigos.
A vida de Dona Canô também inspirou o historiador Antônio Guerreiro de Freitas, que publicou em 2009 a biografia “Canô Velloso, lembranças do saber viver”, escrita também por Arthur Assis Gonçalves da Silva, que faleceu antes do término da obra.
Dona Canô também está no nome do teatro fundado há nove anos em Santo Amaro com a sua contribuição. A filha Mabel Velloso lançou o livro “O Sal é o Dom – Receita de Mãe Canô” reunindo receitas feitas pela mãe.