Esta frase foi atribuída à rainha Maria Antonieta que, na Revolução Francesa, teria respondido ao povo faminto e amotinado, e acabou perdendo a cabeça em uma fria guilhotina. Parece que nossos governantes estão mais ou menos respondendo dessa forma às demandas da população que ocupou as ruas nesse mês de junho.
Tudo começou em São Paulo como uma passeata contra o aumento de R$ 0,20 centavos nas passagens de ônibus. Um protesto que poderia ter sido como muitos outros. Mas foi o estopim. A polícia respondeu com grande violência, e o que era uma demanda absolutamente justa e factível virou um mar ou um tsunami de gente farta. Farta da precariedade e do abuso dos serviços públicos – hospitais, escolas e transporte. E o clamor por lisura e probidade dos que andam tratando a coisa pública como particular.
Li muitos artigos esclarecedores. Cito apenas alguns que recomendo enfaticamente: Edmar Bacha: “O Real, a rua e o Governo”, publicado em O Globo, no dia 30 de junho. André Lara Resende divulgado no site do Simon Schwartzman. Fernando Gabeira. Mesmo com todas essas leituras e ainda as muitas cartas enviadas ao jornal O Globo e os milhares de comentários no FB e programas de TV com debates entre especialistas ao longo do mês de junho, fico sem entender a resposta dos governantes.
A frase de Maria Antonieta às vésperas de ser decapitada, coitada, foi muito malévola. O povo queria mesmo pão e quem não tem pão, imagine brioche! Tinham fome, mas também estavam cansados de uma monarquia que extorquia, que não respeitava minimamente seus súditos.
Claro que a comparação é anacrônica. Afinal, aquela cena do povo em cima do Congresso brasileiro literalmente nada tem a ver com as descrições da queda da Bastilha, sobretudo porque o Congresso continua lá, firme e a Bastilha foi abaixo. A Bastilha era uma prisão que representava a iniquidade da monarquia francesa, e o edifício das duas cúpulas que compõem o Congresso é, hoje, o símbolo máximo da democracia corrompida. Há algo em comum, pelo inverso.
A resposta dos governantes espanta e talvez possa explicar o que motivou a reação popular. Dilma fez o que pôde. Até foi direta e imediata, tendo se aconselhado em primeiro lugar com o marqueteiro, que a esta altura, já devia ter sido defenestrado. Afinal, como é que com tanto marketing o povo ainda estava descontente? Mas foi ele o primeiro a ser chamado. E a nossa Presidente prometeu uma constituinte, ou um plebiscito. Mas ninguém reivindicava isso. Nem muito menos falava em reforma política. Ninguém nem sabe o que é reforma política. Como disse um dos missivistas do O Globo, o povo nas ruas pedia reforma dos políticos.
E o que se viu? O impensável. No mês de junho Renan Calheiros, com a maior cara de pau, viajou para um casamento em jato da Força Aérea Brasileira. O presidente da Câmara também foi a uma festa levando a família naqueles aviões com passagem paga com o nosso dinheiro. Sergio Cabral trafega de helicóptero, também com dinheiro retirado do nosso bolso, para o trabalho e para os finais de semana com toda a família. Afinal, será que nunca leram um livrinho sobre símbolos? Mas não era mesmo o passe livre que estavam querendo os manifestantes? Convenhamos!
A coisa engrossou de tal forma que foi preciso o Governo investir na confusão e propor soluções, arranjar um truque. Propor um brioche. O povo, hoje, não está faminto. O povo quer serviços de qualidade, quer governantes que estejam a altura dos seus “cargos”.
Mas eles moram em palácios, encastelados, rodeados apenas por bajuladores. É preciso andar nas periferias, ir às igrejas evangélicas que pululam pelas periferias das cidades para ouvir o que as pessoas pedem e de que mal estão sofrendo. É preciso frequentar escolas públicas e, nem que seja por um dia, andar de ônibus ou em trens superlotados. E que tal tentar se tratar em hospitais da rede pública. Isso os tornaria mais humanos.
Ninguém imaginava às vésperas do mês de junho que uma passeata pelos 0,20 centavos fosse dar no que deu.
O Governo ficou em pânico. A polícia agiu como sempre, truculenta. Vi vídeos que mostram a violência sem razão e pessoas desarmadas sendo espancadas por três ou quatro policiais. Como um no qual uma mulher deitada no chão recebe bordoadas de cassetete e chutes no rosto desferidos por três policiais militares que a deixam no chão a rolar de um lado para o outro, até ser algemada.
Fui à passeata na Presidente Vargas no dia 20 de junho. Milhares de pessoas. Mas não me senti bem. Pensei no passado, na passeata do enterro do estudante Edison Luiz – e se fosse um filho seu? Pensei na passeata dos cem mil e antes disso, na pequena passeata quando da decretação do Ato Institucional nº 2. Mas não me reconheci naquela Avenida onde milhares de pessoas se acotovelavam e cada um gritava a sua palavra de ordem.
Prefiro o biombo das urnas, embora nossos governantes não procedam como representantes eleitos pelo povo, agindo como usurpadores do poder. Agora é preciso correr contra o tempo. Talvez não consigam, mas é possível melhorar os serviços sem chamar médicos de Cuba, ou obrigar estudantes recém-formados em medicina a trabalhar no SUS. É possível melhorar o ensino sim, e em pouco tempo. Há soluções e há quem as queira, mas é preciso sair da inércia, do marketing e, sobretudo, é preciso perder privilégios e descer do salto, antes que acabem por lhes cortar a cabeça.
Como disse Rosinha, a moça que trabalha na minha casa há 26 anos quando ouvíamos o primeiro pronunciamento da presidente Dilma: “Yvonne, eu não sabia que o povo tem poder!”
E é verdade. Hoje, as centrais sindicais se espalharam em manifestações por todo o Brasil. As estradas em muitas regiões foram fechadas. O povo na rua produziu tanto medo aos governantes que era hora de botar um pouco de ordem, será isso? Tudo muito estranho. O Governo não aguentou ouvir o que foi gritado pelo povo desorganizado e sem lideranças – o clamor contra os abusos dos nossos representantes eleitos. Será que agora, quem sabe, em vez de correr para saldar a dívida, correm para salvar a pele, digo as próximas eleições? Afinal, vi pela TV muitas bandeiras vermelhas! Eles estão também reclamando dos desmandos? Ou já surgem novas reivindicações diferentes daquelas exigidas pelos manifestantes populares, ou o tal povo desorganizado?
por Yvonne Maggie