Por Rafael de Oliveira Cruz[1]

Quando o engenheiro Teodoro Sampaio (1855-1937) empreendeu uma viagem pelo interior da província da Bahia descreveu a cidade de Juazeiro, em 1875, como uma “pequena corte” no sertão do São Francisco. A existência de uma corte nos remete à ideia de membros de uma nobreza e Juazeiro teve uma figura digna da nobreza.
Nas andanças do exercício da função de historiador, “descobri” a existência de um Senador do Império chamado Joaquim Jerônimo Fernandes da Cunha, e que em 1888 chegou a ser oferecido o título de visconde de Juazeiro pela Princesa Isabel. Essa por si só já eram informações muito interessantes. Resolvi encontrar mais informações sobre o nobre Senador.
Fernandes da Cunha nasceu em 30 de setembro de 1827, em Urussé, termo da Comarca de Sento-Sé, e em 1837 foi para Salvador estudar no Colégio Boa Sorte. Ainda em 1841 foi ao Rio de Janeiro com o tio, Manuel Luís da Costa, comandante da Guarda Nacional em Sento-Sé, para assistir à coroação do Imperador D. Pedro II. Depois de Salvador, Fernandes da Cunha concluiu o curso de Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas de Olinda, em 1847.
Após a conclusão do curso, retornou para o Vale do São Francisco, onde ocupou o cargo de promotor de diversas comarcas, sendo entre 1848 e 1851, promotor da comarca de Sento-Sé, Juazeiro, Pilão Arcado e Pambú (esse último é atualmente Curacá). Quando assumiu a promotoria, Fernandes da Cunha teve a missão de acompanhar o julgamento do famoso caso de Militão Plácido de França Antunes, que aterrorizava as regiões de Xique-xique, Pilão Arcado e Sento-Sé.
Iniciou sua carreira política, sendo eleito Deputado Provincial em 1853, pelo Partido Conservador. Em 1857 é eleito Deputado Geral pelo distrito da Capital. Ficou famoso por ser um dos mais brilhantes oradores da Câmara dos Deputados. No decorrer dos anos foi um dos maiores defensores da desobstrução do Rio São Francisco para a navegação (especialmente no trecho da cachoeira de Sobradinho) e da construção de uma via férrea ligando Salvador a Juazeiro. Segundo os anais do Parlamento, a ideia era que a ferrovia ligasse Salvador à região onde hoje fica Sobradinho, mas Fernandes da Cunha opôs-se firmemente dizendo ser um absurdo não levar o caminho de ferro para Juazeiro que era o maior centro comercial das margens do rio.

Fernandes da Cunha também foi amigo e protetor do famoso Castro Alves, e é interessante observar a diferença entre os dois. Castro Alves era republicano e um radical abolicionista, já Fernandes da Cunha era monarquista e acreditava na abolição gradual, e que os antigos senhores deveriam ser indenizados. Visões de mundo à parte, o nosso ribeirinho não acreditava em uma abolição imediata, e que o caminho correto seria através de uma propaganda de convencimento nacional para a necessidade da extinção da mancha colonial da escravidão de seres humanos.
Em 1871 foi eleito Senador do Império, na vaga do falecido visconde de Jequitinhonha. Foi um feito interessante, já que para Kátia Matoso, somente três baianos de fora do recôncavo baiano chegaram a esse cargo (o barão de Cotegipe e o Conselheiro Dantas foram os outros que chegaram ao posto). Para ser Senador, era preciso ter uma renda anual de 800 mil réis, e depois da eleição, uma lista tríplice era enviada ao Imperador que escolheria um desses três nomes. Era um cargo importantíssimo, além de ser vitalício.
Apesar de Senador, Fernandes da Cunha sempre declinou de postos importantes. Recusou ser ministro da Justiça no gabinete do visconde do Rio Branco que criou a lei do Ventre Livre e também recusou o cargo de Conselheiro de Estado, durante o gabinete do duque de Caxias. Por fim, recusou o título de visconde de Juazeiro oferecido pela Princesa Isabel em 1888 afirmando não se acreditar merecedor de tão alta distinção. Contentou-se em ter apenas o grau de Comendador da Imperial Ordem da Rosa.
Com o golpe republicano, em 1889, Fernandes da Cunha permaneceu fiel à monarquia e ao Imperador, publicando um manifesto afirmando não reconhecer um governo ditatorial, feito através de um golpe militar sem consultar a nação brasileira. Deixou de ser Senador, e o novo governo republicano lhe ofereceu uma pensão de 600 mil réis, da qual recusou dizendo que não receberia nenhum dinheiro do Estado se não estava mais servindo ao país. Atitude que infelizmente não é seguida por muitos políticos de nosso tempo.
Faleceu em Niterói em 31 de agosto de 1903. Somente em 1995 ganhou um trabalho biográfico escrito por Jayme de Sá Menezes, intitulado “A vida do Senador Fernandes da Cunha”, patrocinado pela Fundação Fernandes da Cunha, que leva o nome do sobrinho-neto do Senador e, talvez, um pouco mais conhecido em nossa região. Não é de se espantar que a região tenha legado ao esquecimento um homem que José de Alencar tenha denominado de “Pontífice da Tribuna Brasileira”, mas talvez seja hora de repensar, não para a construção de nomes que venham enfeitar ruas e praças, sim como possibilidade de compreensão da teia de relações históricas, políticas e sociais no Vale do São Francisco.
[1] O autor é Licenciado em História pela UPE – Campus Petrolina e Mestrando em História pela UFBA. Professor da Rede Estadual da Bahia.




