O Brasil se considera o país do futebol, mas a Alemanha ensinou na última Copa quem é que dá as cartas no jogo. Ainda acha que é o país do turismo, mas não está nem entre os 10 mais visitados em 2013, segundo a Organização Mundial do Turismo.
Acredita ser símbolo da igualdade racial, mas protagonizou na última quinta (28), no jogo Grêmio x Santos, através de parte da torcida gaúcha, contra o goleiro Aranha, mais um episódio de racismo no esporte. Zé Augusto, zagueiro do Bahia na década de 1970, certa vez confessou que o atacante argentino Fischer, do Vitória, costumava chamá-lo de macaquito para provocá-lo em dia de Ba-Vi.
O preconceito racial sempre esteve presente no futebol brasileiro, mas por muitas décadas foi aceito passivamente pelos envolvidos. Zé Augusto nunca reclamou publicamente, e talvez nem tenha tido a noção da dimensão de uma injúria racista. Sem os holofotes de hoje, não teve a oportunidade de escancarar o que já acontece no Brasil há anos. Os atletas quase sempre se calavam diante das ofensas por não terem apoio para mudar o cenário.
Ao final da partida, Aranha escancarou para o mundo inteiro o que seus colegas não têm coragem de dizer. Ao declarar que “isso já vem de muito tempo, não vem de ontem”, coloca uma lente de aumento num assunto que só ganha espaço nas rodas de discussão quando se tem um jogo como pano de fundo.
No Brasil das hashtags e faixas de apoio, falta um debate aprofundado sobre o racismo e, principalmente, atitude das autoridades e dos protagonistas do futebol. Se os outros jogadores deixassem o campo após Aranha ter sido insultado, dariam resposta aos que vão aos estádios para fazerem algo que passa longe do verbo torcer. Falta engajamento para mostrar à sociedade que o esporte é uma ferramenta poderosa para alertar sobre as deformações sociais do país.
Aranha atua no Santos, time que revelou o maior jogador de todos os tempos. Pelé, conhecido mundialmente, deveria encabeçar uma luta contra o racismo no esporte, mas se cala diante de tanta barbárie. Aliás, no episódio envolvendo Tinga, disse que “não existe uma onda de racismo” no futebol e criticou o Daniel Alves por ter comido uma banana atirada no gramado do El Madrigal, em Villarreal. Para o “rei”, o ato potencializou desnecessariamente o caso. Postura omissa para quem tem o poder de ajudar a acabar com a desigualdade racial.
Hoje, infelizmente, é demais exigir que jogadores e cartolas sejam baluartes da mudança de postura da sociedade. Se Zé Augusto calou-se há mais de trinta anos, Aranha pode ver seu discurso sucumbir na passividade de seus companheiros de trabalho. Enquanto isso, o Brasil continuará imerso em seus pseudo-conceitos, tão ultrapassados e ilusórios como o futebol jogado em terras tupiniquins.
* Elton Serra é comentarista e editor de Esportes na rádio CBN Salvador.
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