“Em face do exposto, a denúncia apresenta os requisitos formais exigidos pela legislação de vigência, especialmente pela Constituição Federal, para o seu recebimento. O voto é pela admissibilidade da denúncia, com a consequente instauração do processo de impeachment, a abertura de prazo para a denunciada responder à acusação e o início da fase instrutória, em atendimento ao disposto no art. 49 da Lei no 1.079, de 1950”, diz o relatório de Anastasia.
O senador iniciou às 15h20 a leitura do relatório para os membros da comissão especial do impeachment e terminou às 18h30.
Principais pontos do relatório
– A denúncia contra Dilma está de acordo com a Constituição e deve ser aceita.
– O processo não é golpe, porque seguiu as leis e teve direito a ampla defesa.
– Existe previsão legal para o impeachment, para evitar um “poder absoluto do governante”.
– Há indícios de materialidade e autoria das “pedaladas fiscais” de decretos de abertura de créditos suplementares.
– É possível, sim, julgar contas que ainda não foram avaliadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
– Não houve “vício” na abertura do processo na Câmara, que foi motivada, principalmente, por questões técnicas.
– Não houve irregularidades na votação na Câmara.
– Não há irregularidade na eleição de Anastasia para relatoria da comissão especial do Senado.
Críticas à defesa de Dilma
Em um documento de 126 páginas, Anastasia rebate as críticas da base governista de que o processo representa um “golpe”. Ele argumenta que não são cabíveis essas “insistentes e irresponsáveis alegações” (veja o vídeo acima).
“A alegação de que o presente impeachment é um golpe é absolutamente descabida e desprovida de amparo fático e legal. Pelo contrário, o impeachment é justamente um mecanismo constitucional que previne rupturas institucionais, repito”, afirma Anastasia.
“Nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF [Supremo Tribunal Federal]”, justifica.
Ele afirma que a estratégia da defesa é a de tentar “deslegitimar a própria figura do impeachment”, acrescentando que há previsão legal para isso no sistema presidencialista.
“A demissão do presidente irresponsável, por meio do processo de impedimento, é justamente uma forma de se responsabilizar o chefe de estado e de governo, que já goza, no presidencialismo, de posição muito mais estável e confortável que no parlamentarismo”, diz.
Anastasia sustenta ainda que o processo é bastante rígido, tanto é que se exige quórum elevado para conseguir afastar o presidente.
O relator pondera que o Executivo é mais forte no presidencialismo e que a previsão do impeachment existe para evitar um “poder absoluto do governante”.
“Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura, por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais”, afirma.
“Pedaladas”
No relatório, Anastasia afirma que atos que “atentem” contra a lei orçamentária, como as “pedaladas fiscais” relativas ao Plano Safra, são crime de responsabilidade do presidente da República e que isso está previsto em todas as Constituições do Brasil, à exceção da Carta outorgada em 1937.
Anastasia diz ainda que a política econômica do governo foi alvo de questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) em 2014, mas o governo continuou a praticar os atos questionados durante o ano de 2015.
Durante depoimento à comissão especial, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que as “pedaladas fiscais” não feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal porque não configuraram tomada de empréstimo, por parte da União, de bancos públicos que controla. A defesa do governo argumenta que as “pedaladas” têm origem em contrato de prestação de serviços e funcionariam como um atraso de aluguel, mas não um empréstimo.
No entanto, para o relator, as manobras representaram “financiamento da União” junto a um banco público.
“O que se tem, originariamente, é uma relação legal entre a União e o Banco do Brasil que em nada deveria se assemelhar a uma operação de crédito, mas que, especialmente a partir de 2013, parece ter sido utilizada como instrumento de financiamento da União, em confronto com vedação expressa da LRF”, afirmou o relator.
‘Vício de abertura’
Para o relator, não houve “vício de abertura” do processo pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A defesa da presidente Dilma Rousseff afirmou que Cunha autorizou a abertura do processo de impeachment por “vingança política”, porque o PT se rejeitou a votar em favor do peemedebista no Conselho de Ética da Câmara.
Anastasia argumentou que o ato de Cunha não foi “objeto de recurso” ao plenário da Câmara dos Deputados e que a aprovação, por 367 deputados, do envio do processo ao Senado convalidou a abertura do processo.
O relator afirmou ainda que o governo se valeu da decisão de Cunha de delimitar o objeto da denúncia aos decretos e às “pedaladas fiscais”, mas questiona a sua decisão de abrir o processo, o que acontece “contraditoriamente”.
Para Anastasia, a posição da Advocacia-Geral da União de chamar de “retaliação” a atitude de Cunha é um “discurso estratégico” e a defesa tenta “forçar, a todo custo, a nulidade do processo”.
Democracia
Na avaliação do relator, a denúncia é plausível porque aponta para a “irresponsabilidade” na forma como foi executada a política fiscal. Ele ressalta que não se trata apenas de “um problema de governo, mas de estado, pois tem potencial para afetar as futuras gerações”.
Anastasia diz que o impeachment deve ser encarado como “uma das maiores expressões da democracia” porque é a maneira de o cidadão cobrar explicações do governante. E cita ainda o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Paulo Brossard, que entendia que a eleição “não esgota a realidade democrática” e que as autoridades devem responder pelo uso que fizeram do voto, “uma vez que governo irresponsável, embora originário de eleição popular, pode ser tudo, menos governo democrático”.
Sessão desta quarta
Logo no início, a sessão teve bate-boca e troca de farpas entre governistas e oposição. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) questionou a ausência do relator durante parte da reunião de terça (3), quando foram ouvidos especialistas contrários à abertura do impeachment.
O líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), reagiu e começou dizendo que se tratava de uma atitude “desleal e oportunista”.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) argumentou que Anastasia cometeu, enquanto governador de Minas Gerais, os mesmos crimes pelos quais a presidente Dilma é acusada.E Ele disse que era um “cinismo” da oposição manter o relator. A palavra irritou oposicionistas.
Protesto
Enquanto Anastasia lia o parecer favorável à abertura do processo de impeachment pelo Senado, cerca de 30 manifestantes gritaram palavras de ordem a favor da presidente Dilma e contra Temer, Cunha e outros parlamentares da oposição (veja no vídeo acima).
O grupo ligado ao Conselho Nacional de Juventude foi apoiado por parlamentares da base governistas, como Lindbergh Farias (PT-RJ) e Fátima Bezerra (PT-RN). Os jovens chegaram a discutir com um deputado do PSDB, mas não houve agressões físicas. O ato durou poucos minutos e, depois de gritarem as palavras de ordem, os manifestantes foram retirados por seguranças do Senado.
Próximos passos
De acordo com o cronograma estabelecido pelo presidente do colegiado, Raimundo Lira (PMDB-PB), a discussão sobre o relatório está prevista para a sessão desta quinta-feira (5), quando também deve falar o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em defesa de Dilma Rousseff. A votação do parecer pela comissão está programada para a próxima sexta-feira (6).
Depois de passar pelo colegiado, o relatório ainda será votado pelo plenário do Senado. Caso o relatório recomende o afastamento de Dilma e seja aprovado pela maioria simples dos senadores (pelo menos 41 votos dos 81 senadores), a presidente será afastada do mandato por 180 dias e o vice Michel Temer assumirá a presidência.
A votação do parecer em plenário está prevista para o próximo dia 11. Isso porque, depois da aprovação na comissão, o parecer terá de ser lido na sessão de segunda-feira (9) do Senado, quando começará a contar o prazo de 48 horas para ser apreciado pelos senadores.
Fonte: G1