‘Tráfico é crime que mais prende, e isso é lamentável’, diz novo secretário
O defensor público de São Paulo Vitore André Zílio Maximiano, novo titular da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça, defendeu na terça-feira (23), em entrevista exclusiva ao G1, que a Justiça faça a sua parte e siga a Lei das Drogas, de 2006, que criou a figura do traficante privilegiado, determinando a redução da pena a pequenos traficantes.
“A lei em vigor sobre o tráfico já traz a figura do traficante privilegiado e reconhece que há um beneficio para quem é réu primário, tem bons antecedentes e não se dedica a atividades criminosas nem a organização criminosa. Esse benefício deve ser observado. É necessário que seja aplicado pela Justiça. Não é nada de novo”, afirmou.
Acostumado a trabalhar com casos de pequenos traficantes e dependentes químicos que cometem crimes para manter o vício e são levados para trás das grades, Maximiano assume a pasta preocupado com o alto número de prisões por tráfico no país, que representam, segundo ele, 30% do sistema penitenciário atualmente. “O envolvimento com o tráfico é o crime que mais leva ao encarceramento no país. E isso é lamentável”, disse.
O trecho sobre a redução da pena consta no parágrafo 4 do artigo 33 da Lei 11.343, assinada em agosto de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É a mesma legislação que determina que o usuário em posse de drogas não deve mais ser preso, mas submetido a penas alternativas.
Escolhido pelo ministro José Eduardo Cardozo no último dia 17 de abril para assumir o posto, Maximiano, de 42 anos, atuava até então como 2º subdefensor público-geral do Estado de São Paulo. Suas metas na Senad serão “criar uma rede de prevenção e tratamento [a dependentes químicos] onde ela não existe e ampliar onde ela existe” e buscar “alternativas” para reduzir o número de prisões.
“O Brasil nunca prendeu tanto por tráfico. Temos hoje 140 mil presos por tráfico de drogas no país. Até 2006, o número de presos por tráfico representava 10% do total. Hoje, são 30%. O fato é: o aumento é tão grande que nos obriga a pensar em alternativas, porque o custo social é grande. Esta constatação nos exige análise. Sem afirmar que a saída é esta ou aquela. Por hora, precisamos é enfrentar a realidade e pensar em alternativas”, completou Vitore Maximiano.
O novo secretário defendeu que haja uma “distinção entre o tráfico vinculado a organizações criminosas e o pequeno traficante”, alegando que até mesmo Supremo Tribunal Federal “já admitiu penas alternativas por tráfico” em uma decisão em 2010.
Ele preferiu não se posicionar, no entanto, quando questionado se penas alternativas seriam cabíveis aos casos de pequenos traficantes. Em 2011, o então titular da pasta, o advogado Pedro Abramovay, deixou o cargo após defender, em entrevista ao jornal “O Globo”, penas alternativas para esse perfil de condenado.
Em seu lugar assumiu Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, que deixou a secretaria há poucos dias, designada para uma posição na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Segundo Maximiano, a população carcerária brasileira, com cerca de 500 mil presos, tem um custo de R$ 13 bilhões por ano. “É um sistema prisional com custo social e financeiro alto e os resultados não são positivos, não está havendo reeducação. Não é da minha área, mas merece reflexões a respeito. Investir em penas alternativas é uma obrigação de um país como o Brasil. Isso não significa arrefecer o combate à criminalidade organizada. Mas são políticas distintas”, afirmou.
“O que cabe à Senad neste momento é pensar: por que temos um número tão grande de presos por tráfico? E pensar em alternativas para o tema. Seria precipitado da minha parte apontar agora que estou chegando esta ou aquela saída”, disse.
Descriminalização das drogas
A secretaria trabalha, segundo o novo chefe, com o “cenário de descriminalização das drogas”, caso o Supremo Tribunal Federal entenda pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, que aplica medidas alternativas à prisão para usuários detidos.
Foi a própria Defensoria de São Paulo que motivou a questão, alegando que o Estado não pode punir porte de drogas para consumo particular, por se caracterizar conduta de autolesão. Sete ex-ministros da Justiça dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva assinaram uma petição apoiando a descriminalização das drogas.
Maximiano entende que o tribunal “é Supremo” para dirimir sobre o tema e prefere não se posicionar contra ou a favor. Ele disse, no entanto, que “uma eventual mudança igualaria o Brasil às legislações mais modernas do mundo” e exigiria da Senad um foco total na prevenção.
Na Senad, não estamos tratando da descriminalização. Mas se o STF proferir a decisão, vai atingir a todos e a medida será adotada”
Vitore André Zílio Maximiano
Esperamos que, com a maior presença de tratamento em todo o país, possamos enfrentar as consequências, diminuir os efeitos da droga, e esperamos que isso consiga ter reflexos nos índices de criminalidade e no número de presos”
Vitore André Zílio Maximiano
“A nova lei representou um grande avanço em relação à legislação anterior ao diferenciar o usuário. Mas ela já tem sete anos, está na hora de discutir os efeitos. Ainda há um tabu na sociedade em relação ao tema e temos que discutir com tranquilidade, serenidade e caminhar nesta evolução”, afirmou. “Na Senad, não estamos tratando da descriminalização. Mas se o STF proferir a decisão, vai atingir a todos e a medida será adotada”.
Rede de prevenção e tratamento
O programa nacional de combate ao crack é uma das prioridades de Maximiano. Ele disse que ainda há carência de leitos e unidades de tratamento no país e que a prevenção “necessita de uma ação efetiva do governo em todas as esferas”, não só sob a ótica da saúde, mas incluindo capacitação profissional, recuperação de valores, e um “conjunto de medidas que deve escapar da repressão”. “A pessoa tem que cada vez menos sofrer os danos da droga”, afirmou ao G1.
“Quando uma mãe, um parente, deseja buscar ajuda hoje, esta rede existe? Há todos os tipos de atendimento de saúde para atender este público? Me parece que não. Ela existe, sim, mas não em quantidade suficiente. O que queremos é ampliar as parcerias para que esta rede exista onde houver uma pessoa interessada em tratamento”.
O novo secretário afirmou ver “com reservas” a internação compulsória, determinada pela Justiça “pois não há voluntariedade do paciente e não há comprovação da sua eficácia”. “Espero que este tipo de internação ocorra em casos excepcionais. Não gostaria que isso acontecesse comigo ou com algum dos meus familiares. Mas o juiz pode decidir, está previsto na legislação e deve ser cumprido”.
Para ele, nas ruas, usuários de drogas “acabam perdendo referencias, valores e contato com a família” e são levados a cometer crimes, como furtos e roubos, para para manter o vício.
“O envolvimento com a criminalidade traz as consequências mais desastrosas para ele e para a família, que é a pena de ir para trás das grades. Algo que só chega porque não teve tratamento, atenção do Estado e de uma rede de saúde. (…) Esperamos que, com a maior presença de tratamento em todo o país, possamos enfrentar as consequências, diminuir os efeitos da droga e esperamos que isso consiga ter reflexos nos índices de criminalidade e no número de presos”.