Em memorial encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, alertou os integrantes da Corte que limitar o compartilhamento de dados sigilosos do antigo Coaf (rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira) com o Ministério Público e a Polícia pode “comprometer tanto a reputação internacional do Brasil quanto sua atuação nos principais mercados financeiros globais“.
De acordo com Aras, entre as consequências mais concretas que podem ocorrer caso o Supremo imponha limites ao repasse de informações do Coaf estão a dificuldade de acesso a créditos internacionais para projetos de desenvolvimento, redução do rating de investimento do Brasil por agências internacionais de classificação de risco e dificuldade de pagamentos a exportadores brasileiros em transações comerciais internacionais, “além de danos político-diplomáticos”.
O plenário do Supremo discute nesta quarta-feira (20) a necessidade de autorização judicial prévia para o compartilhamento de informações sigilosas por órgãos de fiscalização e controle, como a Receita e o Coaf. Conforme informou o Estado, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, costura um voto que imponha limites ao repasse de dados, mas que não seja visto como ameaça ao combate à corrupção no País.
A discussão, que deve mais uma vez dividir o plenário do Supremo, interessa ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Relator do processo que discute o repasse de informações sigilosas por órgãos de controle e inteligência, Toffoli determinou, por meio de uma liminar, em julho a suspensão de diversos procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da justiça. Só no Ministério Público Federal (MPF), o saldo de casos parados chegou a 935.
Aras quer que a liminar de Toffoli seja revogada pelo plenário do Supremo, o que na prática permitiria o destravamento do caso que apura “rachadinha” (prática que consiste na apropriação de parte dos salários dos servidores) envolvendo Flávio Bolsonaro e o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, que trabalhou para Flávio na Assembleia do Rio. Para o procurador-geral da República, Toffoli ampliou o escopo do caso levado a julgamento, incluindo também o Coaf, quando a discussão inicial tratava apenas da Receita, o foi duramente criticado por Aras.
“Na decisão proferida nestes autos em 15 de julho de 2019, o Ministro Dias Toffoli “ampliou” o tema objeto deste RE (recurso extraordinário) e nele incluiu, também, a possibilidade ou não de outros órgãos de fiscalização e controle, como o COAF, o BACEN (Banco Central do
Brasil), a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e outros, compartilharem dados acobertados por sigilo com o Ministério Público, sem a intermediação do Poder Judiciário”, afirmou Aras.
“Ocorre que não há dispositivo legal que permita a ampliação unilateral da controvérsia posta a exame, incluindo no julgamento de processo em que reconhecida a repercussão geral da matéria controvérsia a ela estranha”, completou o procurador.
O procurador-geral da República observou que o repasse de dados sigilosos da Receita e do Coaf – sem autorização judicial – está previsto em leis, além de ser respaldado em recomendações internacionais que o Brasil assumiu o compromisso de cumprir. Na peça enviada aos ministros do STF, Aras lembrou que o Brasil faz parte do GAFI, uma entidade intergovernamental estabelecida em 1989 por iniciativa dos países-membros da OCDE e de outros associados. A iniciativa pretende estabelecer mecanismos e implantar leis para combater a lavagem de dinheiro.
“Sanções pelo eventual descumprimento das recomendações do GAFI oscilariam entre a inclusão do Brasil em listas de países com deficiências estratégicas (de alto risco ou sob monitoramento), passando pela aplicação de contramedidas impostas pelo sistema financeiro dos demais países, podendo chegar até a sua exclusão do GAFI e de outros grupos internacionais engajados no combate à lavagem, tais como o G-20, o Fundo Monetário Internacional (por exemplo, o Programa de Avaliação do Setor Financeiro – FSAP), o Banco Mundial, Comitê de Basiléia”, escreveu Aras.
Tribuna da Bahia