O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto, rebateu nesta quarta-feira (14) crítica do PT de que o julgamento do mensalão foi político. Questionado ao final da sessão por jornalistas sobre nota do partido divulgada nesta tarde, ele afirmou que a corte “julgou com toda tecnicalidade, com toda a consistência”.
“Claro que não acho [que julgamento foi politizado]. Acho que o Supremo julgou com toda tecnicalidade, com toda a consistência. Dizem que o STF inovou, modificou suas concepções sobre institutos jurídicos, atos de ofício, cumulação de lavagem de dinheiro com corrupção passiva. O Supremo não inovou em nada. É que esse caso é inédito. O novo é o caso. É incomparável, não há nenhum igual. Nunca se viu um caso com 40 réus no ponto de partida das coisas, com imputação de tantos crimes, imbrincamento disso, 600 testemunhas. O caso é que é inédito, é novidadeiro, é inssimilar. O caso sim. E o Supremo vem produzindo um julgamento afeiço a essa peculiaridade do caso”.
Mais cedo, a Executiva Nacional do PT divulgou documento contestando as decisões e teses adotadas pelo STF que levaram à condenação de seus filiados, dizendo que o julgamento foi “político” e “imputou penas desproporcionais”. O partido apresentou cinco argumentos principais: o STF não garantiu o amplo direito de defesa; deu valor de prova a indícios; o dominio funcional do fato não dispensa provas; criou risco de insegurança jurídica; e fez julgamento político.
Para Britto, a nota “faz parte da liberdade de opinião, da liberdade de expressão”. Na maioria das decisões, ele acompanhou as teses do relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, que foi mais severo com os réus.
Penas
Ao final de sua última sessão no STF, Britto confirmou que não deixará as penas que havia estipulado individualmente para os 15 réus condenados que ainda não passaram pela fase de dosimetria, como fez o ex-ministro Cesar Peluzo, que deixou o tribunal no início de setembro.
Britto relatou a jornalistas que havia trazido planilhas ao plenário com as suas propostas de pena para todos os réus condenados, mas que não as apresentou porque cinco colegas da corte (Cármen Lúcia, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski) haviam manifestado que teriam de deixar a sessão mais cedo.
“Eu pretendia, mas o quórum baixou demais. Eu tinha feito tudo, mas em homengam aos que saíram, resolvi não fazer. Eu vim preparado para tudo, menos para decidir sobre a pena dos mandatos”, disse Ayres Britto.
Prisões
Ao sair, Britto também comentou sobre a discussão travada na sessão desta quarta sobre a pena de prisão, um dia depois de o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ter dito que preferia morrer a ir preso, numa crítica às más condições das penitenciárias. Para Britto, Cardozo não se referiu ao julgamento do mensalão, mas teria feito um pronunciamento genérico sobre a situação.
“Ele [Cardozo] deve ter falado, quero crer – não sou porta-voz de sua excelência – que os nossos presídios vivem atulhados, não têm condições minimamente desejáveis de salubridade, de higiene. O nosso sistema penitenciário é muito falho àquilo que corresponde a uma das vertentes da pena que é a sociabilização. Quero crer que ele fez um pronunciamento sem relação com essa causa da AP 470 (processo do mensalão). Que fez genericamente, e não para se contrapor ao julgamento”, afirmou.
Para ele, a declaração de Cardozo serve como um “advertência”, na medida em que o ministro da Justiça é o responsável pelo sistema penitenciário brasileiro.
“Vale a declaração dele como uma chamada geral, uma advertência, que o obriga a contribuir decisivamente para a humanização de nossos presídios, para a adoção de medidas concretas”, disse.
Última sessão no STF
A curta gestão do ministro Carlos Ayres Britto no comando do Supremo foi marcada por uma série de julgamentos polêmicos e importantes. O ministro assumiu a presidência da corte no dia 19 de abril de 2012, nove anos após ingressar no tribunal.
Ao longo dos sete meses em que ocupou a presidência da Suprema Corte, Ayres Britto colocou em pauta o processo que legalizou no país a união homoafetiva, a ação que autorizou o aborto de fetos anencéfalos e o julgamento que confirmou a validade das cotas para negros em universidades.
No entanto, o ato que marcaria, definitivamente, seu mandato foi ele levar a julgamento a ação penal contra os 38 réus suspeitos de envolvimento no esquema de compra de votos parlamentares em troca de apoio político ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, o processo do mensalão.
Apesar de ter ocupado mais da metade do mandato de Ayres Britto na chefia do Judiciário, a sentença final contra os réus condenados no mensalão acabará proclamada pelo seu sucessor na presidência do STF, o ministro Joaquim Barbosa.
Perfil
Natural de Propriá, município do interior de Sergipe, Ayres Britto foi indicado para a mais alta corte do país pelo ex-presidente Lula, em 2003. Em seu discurso de agradecimento à homenagem que recebeu nesta tarde dos colegas, o chefe do Judiciário ressaltou que o ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, advogado de um dos réus do mensalão e seu ex-colega no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), teve papel crucial em sua ida para o Supremo.
O atual presidente do STF assumiu a cadeira vaga com a saída do ex-ministro Ilmar Galvão. A posse de Ayres Britto na corte ocorreu em 25 de junho de 2003.
Casado e pai de cinco filhos, o magistrado se consolidou no meio jurídico como professor universitário e advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, ele atuou como professor de Direito Constitucional em instituições de ensino superior sergipanas e também na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), na qual foi assistente do atual vice-presidente da República, Michel Temer.
Em Sergipe, também exerceu os cargos de procurador-geral de Justiça e de procurador do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O ministro é autor de cinco livros sobre Direito Constitucional e Administrativo.
Juiz com veia poética, Ayres Britto é conhecido por recorrer a citações de poetas consagrados e metáforas em seus votos no STF. Em abril, durante o julgamento da descriminalização do aborto de fetos sem cérebro, o ministro não poupou metáforas para defender a legalização do procedimento cirúrgico.
“O feto anencéfalo é uma crisálida que jamais se transformará em borboleta, porque não alçará voo jamais. É preferível arrancar a plantinha ainda tenra no chão do útero do que vê-la precipitar no abismo da sepultura”, enfatizou.
Ayres Britto já publicou cinco livros dedicados a poesias. O mais recente deles, “Ópera do Silêncio”, saiu da gráfica em 2005. O presidente do STF afirma que já concluiu seu sexto livro de poesias, porém, adiou o lançamento da publicação para depois de sua aposentadoria para não coincidir com sua gestão à frente da Suprema Corte.