No chão do quarto, um volume surrado de Harry Potter e a Pedra Filosofal (em versão econômica) parece esquecido. Na prateleira, só algumas obras de literatura — de Jeff Lindsay a Machado de Assis. E, sobre o armário, duas únicas caixas dão conta dos materiais que preservou da escola. Com apenas 16 anos, e sem nem cursar o terceiro ano do ensino médio, Maria Paula Frias já está aprovada para o curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o quinto mais disputado do país. Detalhe: ela obteve a 10ª maior nota entre os classificados.
Apesar do desempenho, Maria Paula ainda não pôde se matricular na Ufba. Isso porque sua idade não permite obter o certificado de conclusão do ensino médio, necessário para a matrícula. A família, então, entrou com uma ação na Justiça para que a filha pudesse cursar o ensino superior sem precisar voltar à escola — o Colégio Sartre COC — onde as aulas já começaram. A juíza Renata Mesquita, da 14ª Vara Cível Federal entendeu que ela merece, sim, a vaga e emitiu uma liminar garantindo sua pré-matrícula — o que ela já fez na última segunda-feira.
Segundo o advogado da menina, Antonio Jorge Santos, a decisão se baseou no artigo 205 da Constituição que versa sobre “razoabilidade e proporcionalidade”. “Decisões como esta valorizam a meritocracia, garantindo o acesso da jovem à universidade sem precisar concluir o ensino médio”, disse. Justiça à parte, Maria Paula já pode, inclusive, colocar no currículo duas aprovações em Enem.
Isso porque em 2012, quando ainda cursava o primeiro ano do ensino média, ela obteve 878 pontos — desempenho que lhe garantira vaga na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Além disso, ela tem quatro medalhas em Olimpíadas Brasileiras de Química – duas de ouro, uma de prata e outra de bronze. Apesar de tudo, ela tinha dúvidas se seria classificada para a Ufba. “Era o meu sonho, mas eu não tinha ideia de que iria tão bem”, diz.
“Você não é deste mundo!”, “É um alienígena”, ouviu dos amigos. Mas está enganado o leitor se concorda, pois ela não tem nada de anormal. Muito estudiosa e responsável, ela revisava todos os assuntos da escola diariamente, mas nunca abdicou da vida social e jamais deixou de curtir os fins de semana. “Não sou a pessoa que mais estuda no mundo”, revela.
Maria Paula conta, inclusive, que só depois de tirar uma soneca de meia hora e ir à academia se dedicava aos conteúdos para o Enem. Filha de cubanos, ela nasceu no Rio e vive em Salvador desde 2009. Hoje, mora na Pituba. A mãe, socióloga, e o pai, engenheiro nuclear, são seus exemplos. Mas o interesse em Medicina veio da vontade de exercer a solidariedade e a “arte de fazer cirurgias”.
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