Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff proferir um duro discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas contra a espionagem dos Estados Unidos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez uma apresentação nesta quarta-feira (25) a investidores norte-americanos sobre as possibilidades de aplicação de recursos no Brasil e destacou que o governo “nunca deixou de cumprir contratos”.
O Brasil tenta atrair investidores para obras de infraestrutura, sobretudo nos leilões de rodovias, ferrovias e aeroportos. Com uma agenda em Nova York voltada para a economia, o governo brasileiro quer deixar claro que o mal-estar entre Brasil e Estados Unidos devido às ações de inteligência da NSA, agência de segurança norte-americana, não deve afetar o comércio bilateral.
Durante sua apresentação, Mantega disse que o programa de concessões para investimentos em infraestrutura lançado pelo governo federal tem regras claras e que o Brasil tem tradição de cumprir todos os contratos.
“Desde que estamos no governo, há dez anos, nenhum contrato deixou de ser cumprido. Estamos falando de concessões de 25, 30 anos que terão rentabilidade e cujas regras serão cumpridas à risca”, afirmou para uma plateia formada por investidores internacionais. O seminário é realizado pelo Grupo Bandeirantes e pelo Metro Jornal em parceria com o banco Goldman Sachs.
Mantega destacou que o Brasil não possui recursos financeiros suficientes para garantir todo o investimento necessário, lembrando ainda que os bancos públicos brasileiros têm atuação importante no processo, mas que o governo também está contando com a participação de bancos privados.
“Modelamos um programa de financiamento que viabiliza esses empreendimentos e, ao mesmo tempo, que possa dar rentabilidade. Estamos contando não só com recursos públicos, mas fundamentalmente com recursos privados, sejam nacionais, sejam de fora do país. Nós esperamos que uma parte dos empreendimentos seja financiado com dívida e outra parte com equity (participação acionária)”, comentou.
“A segurança do sucesso das concessões é, em primeiro lugar, porque nós temos uma grande demanda pelos serviços a serem proporcionados pelas concessões. No Brasil, nós temos uma demanda acumulada que garante o movimento, a rentabilidade dessas concessões.” Ele citou, por exemplo, o crescimento do tráfego aéreo que, entre 2002 e 2012, viu o número de passageiros aumentar 182%.
De acordo com Mantega, o Brasil pretende fazer com que os investimentos em infraestrutura passem de uma participação de cerca de 19% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para 24%. “Temos que impulsionar os nossos investimentos como parcela do PIB para um patamar superior aos 18%, 19% que temos hoje. Nos próximos anos podemos chegar a 23% ou 24% (do PIB), que é bastante razoável para o nosso crescimento.”
Dólar
Mantega destacou que as perspectivas econômicas nos próximos meses para o país são “positivas” e que a volatilidade da moeda brasileira frente ao dólar diminuiu com a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) de não retirar, por enquanto, os estímulos monetários da economia norte-americana.
Para o ministro, é possível que haja nos próximos meses uma “calmaria” no movimento cambial. “A decisão inicial do Fed de retirar estímulos econômicos causou forte volatilidade cambial. No Brasil o dólar chegou a R$ 2,4, R$ 2,45. E agora está em torno de R$ 2,2. Talvez tenhamos calmaria nesse ponto.”
Ele destacou, porém, que as altas repentinas do dólar não provocaram saídas de recursos do Brasil, apenas alterações no mercado de derivativos. Os derivativos são instrumentos financeiros cujo preço de negociação é baseado no preço futuro de algum outro ativo, como ações, câmbio ou juros. Investidores utilizam esse instrumento em diversas formas no mercado financeiro: uma delas funciona como se fosse um seguro de preço e tem como objetivo proteger o investidor contra variações de taxas, moedas ou preços.
“Em algum momento a moeda brasileira se desvalorizou mais que outras moedas e isso foi interpretado como fragilidade da economia, o que é equívoco. O Brasil produz mercado de derivativos maior e as relações cambiais ocorreu nesse mercado, que não produziu saídas de reservas do Brasil, mas trocas no mercado futuro”, disse Mantega.
Conta corrente
Durante sua apresentação, Guido Mantega admitiu que a situação da conta corrente do Brasil “piorou um pouco”, mas garantiu que “essa deterioração é passageira”. Na véspera, o governo divulgou que o déficit em transações correntes, que é formado pela balança comercial, pelos serviços e pelas rendas, um dos principais indicadores das contas externas brasileiras, somou US$ 57,95 bilhões de janeiro a agosto deste ano.
Com isso, o déficit parcial deste ano já superou o resultado negativo registrado em todo ano de 2012 (-US$ 54,23 bilhões, recorde histórico para um ano fechado).
“Essa deterioração é passageira e se deveu, em primeiro lugar, à conta comercial. A conta comercial apresenta um déficit neste ano e se deve sobretudo à conta petróleo, que é o principal item da nossa balança comercial, que teve desempenho negativo neste ano.”
No acumulado de janeiro a 22 de setembro (último dado disponível), a balança comercial apresentou um déficit no valor de US$ 2,26 bilhões. Em igual período do ano passado, o saldo comercial estava positivo (superávit) em US$ 15,27 bilhões. Com isso, houve uma reversão de US$ 17,53 bilhões no saldo comercial em 2013.
O fraco desempenho da balança comercial neste ano acontece em meio à crise financeira internacional, que tem gerado queda do comércio mundial, e, segundo o governo federal, também está relacionado com o atraso na contabilização da importação de combustíveis e derivados.
O atraso na contabilização das importações de combustíveis aconteceu porque, em julho de 2012, a Receita Federal editou a instrução normativa 1.282, que concedeu um prazo de até 50 dias para registro das importações de combustíveis e derivados feitas pela Petrobras.
Normalmente, as empresas têm 20 dias para fazer o registro. Cerca de US$ 4,5 bilhões em importações de petróleo e derivados que aconteceram, de fato, em 2012 foram contabilizadas somente neste ano.
Espionagem dos EUA
Mantega negou que a crise causada pelas denúncias de espionagem dos Estados Unidos não devem afetar as relações comerciais entre os dois países.
“Tivemos um problema na área política, um problema muito bem localizado, questão de soberania, mas as relações comerciais e financeiras vão muito bem com os Estados Unidos e são feitas pelos bancos privados, não é o governo que determina. Temos no Brasil a presença de grandes instituições financeiras. Então eu diria que a presença americana financeira e econômica só tende a aumentar. Na medida em que os EUA estão em recuperação econômica, significa eles vão aumentar a importação de produtos do Brasil e temos agora preços competitivos para exportar para os estados unidos a partir do nosso patamar de câmbio e da redução de custos a empresas brasileiras”, disse ele.