A Câmara dos Deputados conclui na noite desta terça-feira (4) a aprovação do projeto de lei que permitirá a criação de 400 novos municípios. O texto regulamenta a Constituição ao estabelecer regras de incorporação, fusão, criação e desmembramento de municípios e determina que distritos poderão se emancipar após a realização de um plebiscito.
O projeto foi proposto em 2008 pelo Senado, mas como foi alterado pelos deputados, volta agora para revisão final dos senadores. Se aprovado, segue para sanção ou veto da presidente Dilma Rousseff.
O texto aprovado é um substitutivo, com várias alterações no projeto original de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). As modificações atendem a reivindicações da Confederação Nacional dos Municípios (CMN).
O total de quase 400 possíveis novos municípios é resultado de levantamento efetuado em maio pelo G1 nas 26 assembleias legislativas. Segundo informações das assessorias, há pelo menos 397 pedidos de criação de novos municípios nas assembleias. O dado mais recente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), apurado em 2011, apontava 807 iniciativas de criação de novos municípios no país.
Muitos dizem por aí que o projeto não é bom. Ruim é ficar como está, não dando apoio, não reconhecendo a necessidade de crescimento e de melhoria de vida de vários distritos do Brasil.”
Deputado Jovair Arantes, líder do PTB na Câmara
Os distritos que desejam se emancipar dependem da nova lei porque uma emenda constitucional aprovada em 1996 proibiu a criação de novos municípios por leis estaduais e definiu que isso só pode ser feito por meio de autorização em lei complementar federal.
De acordo com o projeto aprovado na Câmara, o primeiro passo para a criação de um município é a apresentação, na Assembleia Legislativa, de um pedido assinada por 20% dos eleitores residentes na área geográfica diretamente afetada, no caso da criação ou desmembramento.
O que vai acontecer é a repartição da miséria.”
Deputado Ivan Valente, líder do PSOL na Câmara
Se a situação for de fusão ou incorporação, o requerimento de criação deverá ser subscrito por 10% dos eleitores residentes em cada uma das cidades envolvidas. Após o pedido, a assembleia legislativa deverá coordenar um “estudo de viabilidade” do novo município. Se houver viabilidade financeira e populacional, com base nos critérios estabelecidos na lei, será realizado o plebiscito que definirá a criação ou não da nova cidade.
Durante a análise das emendas e dos destaques apresentados ao texto, os deputados aprovaram apenas uma alteração no projeto substitutivo. À revelia do governo federal, os parlamentares retiraram uma expressão que vedava a emancipação de municípios que se encontrassem em áreas pertencentes à União, em reservas indígenas ou em áreas de preservação ambiental.
Contrário à retirada da expressão, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), advertiu que se o destaque de autoria do PSDB fosse aprovado a proposta poderia demorar a ser apreciada pelo Senado. Mesmo com a orientação contrária do Palácio do Planalto, os deputados derrubaram o trecho por 219 votos a favor e 134 contra.
Durante a votação, houve palmas e gritos de apoio de manifestantes de distritos interessados em se emancipar. Líderes partidários fizeram discursos de apoio. Cada fala favorável ao projeto era seguida por aplausos. As críticas eram respondidas com vaias.
Contrários
O PSOL foi o único partido da Câmara a se manifestar contra o projeto. A sigla oposicionista reclamou da suposta falta de detalhamento da matéria e pediu critérios “absolutamente” rigorosos para a criação de novas cidades.
O vice-líder do PSOL Chico Alencar (RJ) afirmou que 88% das cidades brasileiras têm débitos com a Previdência Social e 40% ainda não conseguem levar seus resíduos sólidos para aterros sanitários.
“Se criaram no Brasil muitos municípios apenas por interesse menor, por máquina eleitoral, por montagem de estrutura administrativa, que não vai lá na ponta nas áreas de saúde, educação e saneamento básico”, afirmou Alencar. Para o líder do partido, deputado Ivan Valente (SP), a maioria dos dos atuais vive dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios. “O que vai acontecer é a repartição da miséria”, disse.
Favoráveis
Mesmo os parlamentares que votaram a favor do projeto manifestaram divergências no plenário. Para o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), a concentração da arrecadação está nas mãos da União. “Por que não enfrentamos a distribuição dos royalties [do petróleo] para todos os municípios do país?”, indagou.
Giovani Cherini (PDT-RS) se queixou das supostas exigências exageradas do projeto de lei para que um distrito tenha condições de se transformar em cidade.
“Nós do Rio Grande do Sul estamos muito preocupados com o número de exigências que vão ter para as emancipações. Mesmo assim quero dizer que vou votar a favor, mas hoje mesmo já vou começar uma luta pela mudança dessa lei. É uma lei que vai emancipar pouquíssimos municípios. Precisamos melhor esse projeto”, disse Cherini.
Líder da bancada do PTB, o deputado Jovair Arantes (GO) elogiou a proposta. “Muitos dizem por aí que o projeto não é bom. Ruim é ficar como está, não dando apoio, não reconhecendo a necessidade de crescimento e de melhoria de vida de vários distritos do Brasil que hoje não podem ser emancipados”, declarou.
O que o projeto prevê
Pelo projeto aprovado pela Câmara, é necessário o cumprimento das seguintes etapas para a criação de um novo município:
– Protocolar na Assembleia Legislativa pedido de criação do município assinado por pelo menos 20% dos eleitores do distrito, obedecendo às seguintes condições:
1. Novos municípios deverão ter população igual ou maior que o mínimo regional, calculado conforme a média aritmética da população dos municípios médios brasileiros.
2. Nas regiões Norte e Nordeste, o mínimo populacional será de 50% da média populacional; na região Nordeste, o mínimo será de 70% da média; nas regiões Sul e Sudeste, o mínimo será de 100% da média.
3. Os novos municípios deverão ter “núcleo urbano consolidado” e dotado de edificações para abrigar famílias em número resultante “da divisão de 20% da população da área que se pretende emancipar, pelo número médio de pessoas por família, calculado pelo IBGE de cada estado”.
4. O distrito precisa ter receitas de arrecadação própria, considerando apenas os agentes econômicos já instalados.
5. Indicação, diante das estimativas de receita e despesas, da possibilidade de cumprir a aplicação dos recursos mínimos, previstos na Constituição, nas áreas de educação e saúde.
6. Área não pode estar situada em reserva indígena, área de preservação ambiental ou área pertencente à União.
– Após o pedido de emancipação, elaboração em 180 dias, pela Assembleia Legislativa, de “estudo de viabilidade” do novo município e área remanescente do município do qual o distrito pretende se separar. O estudo deverá verificar a viabilidade econômica, ambiental e política do novo município. Concluída essa etapa, o relatório será divulgado aos cidadãos, que poderão analisá-lo e impugná-lo durante um prazo mínimo de 120 dias.
– Se não houver impugnação e o estudo respeitar as regras previstas em lei, a Assembleia Legislativa deverá homologá-lo. Em seguida, será realizado um plebiscito que envolverá a população do distrito interessado em se emancipar e a do município ao qual o distrito pertence.
– Se no plebiscito vencer a opção “sim”, a assembleia legislativa terá de votar uma lei estadual autorizando a criação do novo município. Se a população rejeitar a nova cidade, não poderá haver novo plebiscito com a mesma finalidade no prazo de 10 anos.
– Após a aprovação da lei pela assembleia, a escolha de prefeito, vice e vereadores do novo município deverá ocorrer na eleição municipal imediatamente subsequente.