Agência Brasil
No palco, 148 personalidades e representantes de entidades que contribuíram para o desenvolvimento de Minas Gerais. Na praça, bandeiras vermelhas e gritos de ordem davam o tom da 65ª solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência, a maior honraria concedida por Minas Gerais entregue anualmente no dia 21 de abril.
Eram manifestantes, em grande parte mobilizados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-ute).
Eles aguardavam o discurso do principal personagem do dia em Ouro Preto: o ex-presidente e atual senador do Uruguai, José Mujica. A presença do líder político contribuiu para que evento se transformasse também num ato contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o que também ficou configurado pelo discurso do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel.
Ouro Preto foi, nesta quinta-feira (21), não apenas a sede de uma solenidade de estado. Ouro Preto voltou a ser a capital de Minas Gerais. O decreto assinado nesta manhã por Pimentel, transferindo simbolicamente por um dia a sede do governo mineiro, faz uma referência histórica. Entre 1823 e 1897, a cidade centralizava a administração do estado. Mas foi bem antes, no dia 21 de abril de 1792, há exatos 224 anos, que Tiradentes era enforcado no Rio de Janeiro. Mártir da Inconfidência Mineira, foi acusado de conspirar contra a coroa portuguesa.
“Não há liberdade sem democracia”, reiterou mais de uma vez Pimentel. Na terra dos inconfidentes, o governador elegeu a liberdade como a linha condutora de seu pronunciamento e de sua crítica ao processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Cedo ou tarde, a liberdade sempre vence. É o que diz a bandeira de Minas Gerais. O novo nome da liberdade é a defesa da democracia, do respeito à vontade soberana do povo, expressa pelo voto livre, secreto e universal”, disse.
Sem fazer citações nominais, Pimentel atacou as manobras ocorridas na Câmara dos Deputados e no Poder Judiciário. Os meios de comunicação também não foram poupados. “A pacificação não será obtida por meio de artimanhas políticas e jurídicas que buscam iludir e confundir a consciência de nossa gente. Não virá também do abusivo uso da mídia para propagar meias verdades e teses ilusórias, instigando a intolerância e o ódio, buscando dividir e não unir, escurecer e não clarear, perturbar e não pacificar. A única pacificação real é a que vem do voto popular, do voto livre e direto”.
Cair e levantar
No último domingo (17), a Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade do pedido deimpeachment da presidenta Dilma. O processo seguiu para o Senado. Enquanto esperava o seu momento de falar, José Mujica pôde observar diversas vezes os espectadores se unirem ao coro de “não vai ter golpe”. Mas se alguém esperou uma palavra direta do líder político sobre os episódios em curso no Brasil, não foi o que ocorreu. Mesmo assim, ele não fugiu do tema, se valendo de metáforas e de considerações filosóficas.
Mal terminou o evento, jornalistas o rodearam. Diante da pergunta sobre a caracterização do processo como golpe, uma resposta inesperada. “Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Em sua opinião, a troca de governantes não resolve a crise. “Se Cristo estivesse aí, tampouco ele resolveria porque é um problema do sistema”.
Antes, em seu discurso, o ex-presidente do Uruguai destacou os altos e baixos da política. “Mineiros e mineiras, a vida me ensinou alguma coisa. Os únicos derrotados são os que deixam de lutar”, começou ele. “Penso, mineiros, que talvez seja uma luta eterna com fluxos e refluxos, com pontos de partidas, com quedas e voltar a levantar. É importante aprender que na vida a defesa das causas nobres necessita da coragem de sempre recomeçar”.
Por trás desta mensagem, está um homem que perdeu 14 anos de sua vida dentro de uma prisão, 11 deles em regime de isolamento. A pena que lhe foi imposta pela ditadura em seu país não impediu que ele viesse a ser tornar presidente do Uruguai. O discurso de cair e levantar encontra eco em sua própria trajetória.
Mujica também explicou porque a política é necessária. “Todos sabemos que a democracia nunca foi reconhecida como perfeita. E nem pode ser. Porque é uma construção humana. E não somos deuses. Somos diferentes, nascemos em lugares diferentes, viemos de classes diferentes, geneticamente temos diferenças. E como não somos perfeitos, a sociedade tem e terá sempre conflitos. Mas ao mesmo tempo não podemos viver em solidão. Somos seres sociais. Porque somos sociais e temos defeitos e conflitos é que precisamos da política. A função da política é colocar limite à dor e à injustiça, é lutar por um mundo melhor, buscando negociar permanentemente as inevitáveis diferenças”.
A maior preocupação de Mujica é que a crise política produza uma onda de desinteresse nas novas gerações. “O pior resultado que pode ter o conflito que está se passando no Brasil é que muitos jovens terminem com a conclusão de que a política não serve para nada e são todos iguais. E essa juventude decida que cada um deve ir viver a sua vida e voltamos à selva: todos contra todos. Vocês precisam salvar a política e esse não é um problema de um partido, é um problema do Brasil”.
Ato em BH
Em meio à disputa política do país, a solenidade em Ouro Preto foi satirizada por manifestantes que defendem o impeachment. Em Belo Horizonte, integrantes dos movimentos Vem pra Rua e Patriotas montaram uma tenda na Praça Tiradentes, onde também há uma estátua do mártir da Inconfidência Mineira. Eles entregaram medalhas a pessoas que, em sua visão, se destacaram na luta por mudanças na política brasileira.