O corpo da menina Sofia Gonçalves de Lacerda, que morreu na segunda-feira (14) por conta de uma parada cardíaca, será cremado nos Estados Unidos. A informação foi dada pela mãe da criança, Patrícia de Lacerda, nesta terça-feira (15), nas redes sociais. Sofia tinha um ano e oito meses, passou pelo transplante de cinco órgãos e estava internada desde julho por conta de um vírus.
Patrícia afirma que a decisão foi tomada por questões burocráticas. “Por ironia do destino, ela nos deixou por algo que não tinha nada a ver com o transplante, pois os órgãos dela estavam perfeitos até o último momento. Eu e o pai dela decidimos cremá-la aqui [nos EUA] por ser algo não burocrático. Se fôssemos fazer o translado seria muito mais demorado e dolorido. Também quero ela sempre do meu lado, mesmo que sejam as suas cinzas.”
Ainda de acordo com a mãe, o casal ainda não sabe quando voltará ao Brasil e ressalta que uma cerimônia será feita, mas não confirmou a data. “Temos que arrumar muitas documentações antes de voltar e isso pode levar um tempo. A cerimônia para ela pode demorar uma ou duas semanas para a liberação do corpo, mas deixaremos todos informados. Desde já agradeço as mensagens de carinho, as orações e por nunca terem nos abandonado nessa luta com a nossa menina”, disse Patrícia.
‘Dia de luto’
O médico da menina Sofia, o brasileiro Rodrigo Vianna, lamentou a morte da criança. “É um dia de luto para a nossa equipe. Para mim, como brasileiro, médico e ‘meio tio’ dela é ainda mais difícil. Estamos com um nó na garganta bem difícil de explicar”, afirmou, em entrevista ao G1.
De acordo com ele, a infecção viral causou um grande dano aos pulmões da criança, que acabou levando à morte. Vianna afirma que todos os órgãos transplantados continuavam funcionando até “quase que a última hora de vida” de Sofia.
A morte da criança causou comoção nas redes sociais. Milhares de pessoas deixaram mensagens de condolências à família.
Entenda a história de Sofia
Decorado e enfeitado com temas infantis, o quarto na casa da família Lacerda, em Votorantim (SP), não chegou a receber sua principal hóspede. Sofia passou 20 meses lutando contra uma síndrome rara que causa má-formação dos órgãos do sistema digestivo. Durante 1 ano e 8 meses de vida, a menina viveu de hospital em hospital, onde passou por diversas cirurgias, incluindo um complexo transplante multivisceral. A luta da pequena Sofia terminou na madrugada desta segunda-feira (14), em Miami, nos EUA. A bebê morreu após uma parada cardíaca.
Sofia nasceu em dezembro de 2013, em Campinas (SP). Durante o quinto mês de gestação a família foi informada que ela tinha uma deformidade na bexiga. Após o parto, os médicos a diagnosticaram com uma doença rara chamada Síndrome de Berdon, que causa má-formação de órgãos do sistema digestivo. O casal já havia perdido um filho antes de Sofia.
Sofia passou por três cirurgias logo após o nascimento, mas o prognóstico médico era de que teria poucos meses de vida. A única chance de sobrevivência era ser submetida a um transplante multivisceral, que não podia ser realizado no Brasil. O lugar indicado para a cirurgia era o Jackson Memorial Hospital, de Miami, especializado neste tipo de procedimento, avaliado entre US$ 200 mil e US$ 600 mil – na época, cerca de R$ 1,2 milhão.
Foi então que a família de Sofia criou uma campanha no Facebook para arrecadar fundos e custear tanto a cirurgia como as despesa da viagem para os EUA. A história dela foi contada pelo G1 em fevereiro de 2014, quando a página da campanha “Ajude a Sofia” era curtida por “apenas” 60 mil pessoas e tinha arrecadado, até então, R$ 1 mil.
Após a repercussão, a campanha ganhou cada vez mais força e a arrecadação final chegou a R$ 1,8 milhão. A página “Ajude a Sofia” passou a ser seguida por mais de 1,5 milhão de pessoas, que lamentaram a morte da menina.
Batalha jurídica
Simultaneamente à campanha na internet, a família começou uma longa disputa judicial para conseguir com que o governo pagasse o transplante da menina nos Estados Unidos.
Em março de 2014, Sofia foi transferida para o hospital Samaritano, em Sorocaba (SP). Um mês depois, a pedido do Ministério da Saúde, a Justiça determinou a transferência da bebê para o Hospital das Clínicas, em São Paulo, para que fosse analisada a possiblidade do transplante ser realizado lá.
Como a família não aceitou que o HC realizasse um novo procedimento na menina para averiguar a necessidade do transplante, o hospital informou que não seria possível dar continuidade ao tratamento. Por isso, um mês depois, Sofia voltou ao hospital de Sorocaba, onde ficou aguardando a decisão da Justiça.
Em 28 de maio, o Tribunal Regional Federal em São Paulo determinou que o Ministério da Saúde custeasse a transferência de Sofia para os EUA em um avião adaptado e com a estrutura necessária para o transporte.
De acordo com o advogado da família, Miguel Navarro, quando a Sofia chegou aos EUA, o governo depositou US$ 1 milhão para cobrir despesas e serviços, como a compra de medicamentos, honorários de profissionais terceirizados e procedimentos cirúrgicos.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que o valor total gasto com o tratamento integral e transplante multivisceral da Sofia foi de R$ 4,4 milhões. Apenas para o tratamento hospitalar, que engloba exames pré-operatórios, transplante multivisceral e todo o acompanhamento pós-operatório foram repassados mais de R$ 4 milhões. Para o transporte da paciente em aeronave com UTI móvel o custo foi de R$ 259,5 mil. Também foram pagos, R$ 54,9 mil para Home Care e, por fim, R$ 38,7 mil para a hospedagem da família nos EUA.
Sofia foi finalmente transferida para os Estados Unidos em 2 de julho e levada diretamente ao Jackson Memorial Hospital.(Reveja o momento do embarque no vídeo ao lado)
Já no hospital, foi constatado que ela precisaria receber estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado, intestino grosso e, provavelmente, um dos rins. O médico responsável pela cirurgia, o brasileiro Rodrigo Viana, afirmou ao G1 que a cirurgia era a maior que poderia ser feita em um ser humano.
Sofia passou por uma pequena cirurgia no coração e teve alta em 30 de agosto, quando foi para o apartamento alugado pela família em Miami.
Transplante multivisceral
Começava, então, outra luta de Sofia: a espera pelos órgãos. Em dezembro de 2014, um ano após nascer, um possível doador foi encontrado. A cirurgia chegou a ser marcada, mas precisou ser adiada quando foi constatado que os órgãos não eram adequados.
Nove meses depois de chegar aos EUA, outro doador foi encontrado e a cirurgia, enfim, realizada em 10 de abril de 2015. No procedimento, que durou 9 horas, ela recebeu cinco órgãos: estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado e cólon. Não foi preciso trocar um dos rins, como era previsto inicialmente.
A recuperação pós-cirurgia correu dentro do esperado e, dez dias depois, ela recebeu alta da UTI. Um dos momentos mais comemorados pela família foi quando a menina comeu papinha pela primeira vez na vida. (Veja no vídeo ao lado)
Sofia deixou o Jackson Memorial, em Miami, exatamente um ano depois de sua internação, já com um ano e seis meses. Mesmo fora do hospital ela continuou recebendo tratamento homecare no apartamento que a família alugou nos EUA e tomava 17 medicamentos diariamente.
Uma semana depois da alta hospitalar, no entanto – período em que chegou a passear com a família –, Sofia voltou a ser hospitalizada.
A menina foi levada à emergência por causa de alterações em exames de rotina e uma reação alérgica que causava vermelhidão no corpo, causada pela fórmula que recebia pela veia.
Sofia teve nova alta, mas o quadro alérgico piorou e ela precisou ser internada novamente no hospital de Miami, de onde não sairia mais.
Os médicos fizeram duas biópsias para descobrir o que causava o quadro de alergia que piorava cada vez mais. Foi constatado, então, que Sofia tinha sido contaminada pelo citomegalovírus (CMV), o mesmo causador da catapora e das variações de herpes. “Ela está doente mesmo e é grave. A Sofia tem uma virose que nestes pacientes [em fase pós-transplante] é muito perigosa e pode causar até a morte”, disse o médico Rodrigo Viana ao G1 no começo de agosto.
Além do quadro viral, foi constatada a presença de bactérias no pulmão da menina, que causavam dificuldade na respiração. Ela foi entubada, mas o quadro piorava cada vez mais, obrigando a menina a respirar com a ajuda de aparelhos. No último fim de semana, a mãe postou na página do Facebook que ela estava com fibrose pulmonar e que só um milagre poderia salvá-la. Os médicos chegaram a sugerir desligar os aparelhos, mas a mãe não quis. “Vamos intensificar as orações para Deus fazer o impossível”, pediu Patrícia.
Sofia não resistiu e morreu na madrugada desta segunda-feira (14), vítima de uma parada cardíaca.
O infectologista Caio Rosenthal falou sobre o risco do citomegalovírus, um vírus oportunista que se aproveita de um momento de fraqueza imunológica para se manifestar.
Fonte: Portal G1