A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas, da Câmara Federal, vai investigar a adoção das cinco crianças que foram retiradas da posse dos pais biológicos na cidade de Monte Santo, sertão da Bahia, e entregues a quatro casais paulistas em 24 horas. A situação ocorreu no mês de junho de 2011 e os pais alegam que não consentiram com a adoção.
O requerimento foi apresentado pelos deputados Arnaldo Jordy (PPS/PA) e Luiz Couto (PT/PB). Eles pedem que uma equipe de parlamentares se dirija a Monte Santo para ouvir os principais envolvidos do caso. Entre eles, está proposto coleta de depoimentos do atual juiz da comarca, dos pais biológicos, do Conselho Tutelar e da diretora da escola em que elas estudavam. Em nota, o deputado do PPS, que preside a CPI, quer apurar se há indicativos de tráfico de pessoas feito por grupos com atuação no nordeste. O objetivo da CPI é levantar a situação de tráfico de pessoas ainda em estados como Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul, além do Suriname e Guiana Francesa.
Investigação
A Polícia Federal e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também vão investigar a atuação do juiz que concedeu a adoção. A corregedoria na Bahia tem 60 dias para apresentar um relatório sobre a atuação de Vitor Manoel Xavier Bizerra, que concedeu a adoção. O juiz está atualmente na cidade de Barra, a mais de mil quilômetros de Monte Santo, e não quer falar sobre o caso. Ele não foi localizado para explicar a situação.
“Se ficar comprovado que houve má fé, erro por parte do magistrado, a corregedoria agirá com mão de ferro”, afirmou o ministro Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça. A ministra da secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, quer participação da Polícia Federal na investigação. “Tudo indica que exista uma quadrilha atuando, traficando crianças e, lamentavelmente, com algum apoio por dentro do próprio sistema de Justiça”, afirmou.
Ao contrário do que aconteceu na cidade de Monte Santo, somente a primeira etapa da adoção demora quatro meses. O processo de adoção no Brasil é iniciado a partir do momento em que a criança é levada pela própria família ou quando os pais são destituídos da guarda do filho. Em qualquer dos casos, de acordo com a Justiça, é impossível regularizar o processo em 24 horas. “O Estatuto da Criança e do Adolescente fixa prazo mínimo de 120 dias. Obviamente, tem-se a chance de os pais contestarem e se defenderem. Não é qualquer situação que provoca uma destituição do poder familiar”, explicou a juiza da Vara da Infância e Juventude, Karla de Azevedo.
O caso
Cinco crianças foram retiradas, pela polícia, da casa dos pais biológicos em junho de 2011, na cidade de Monte Santo, no sertão baiano. Uma menina de dois meses foi levada primeiro. Dias depois, a polícia retornou e levou os quatro meninos. O caso foi denunciado pelo Fantástico no domingo (14).
A mãe das crianças, Silvânia Maria da Silva, disse que a ordem partiu de um juiz. “Os policiais disseram que, se nós impedíssemos, nós iríamos presos. Eu mais o pai. Que era ordem do juiz. Meu filho mais velho dizia: ‘mãe me esconda, me esconda que eu não quero ir”, relata Silvânia, emocionada.
Tudo foi resolvido rapidamente. Em 24 horas, o então juiz de Monte Santo, Vitor Manoel Xavier Bizerra, destituiu o poder dos pais para entregar as crianças a quatro casais paulistas. Ninguém da família dos meninos estava presente, nem o Ministério Público, o que por lei não pode ocorrer. O juiz Vítor Manoel Xavier Bizerra, trabalha hoje na cidade baiana de Barra. Segundo a mãe, o pai das crianças trabalhava todos os dias e não deixava faltar comida em casa. Mas quando o pai voltou, os filhos já estavam longe.
Desde que o caso aconteceu, os advogados do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Cedeca trabalham para trazer as crianças de volta. “O Estatuto da Criança e do Adolescente deixa claro que essas famílias não podem ser condenadas e nem ter seus filhos retirados sobre a justificativa da pobreza”, afirma a advogada Isabela Costa Pinto. Dos cinco filhos de Silvânia e Gerôncio, dois mais velhos estão em Campinas. Os outros foram para Indaiatuba, cidade vizinha.
Nova família
A mulher que tem a guarda de um dos meninos foi procurada na manhã desta segunda-feira (15) e disse que a sua versão está com a sua advogada. “Houve o devido processo legal. Ninguém fez nada que não fosse pelo devido processo legal”, explica a advogada da suposta mãe adotiva de uma das crianças, Lenora Steffan Panzzetti.
O atual juiz de Monte Santo, Luiz Roberto Cappio, está revisando os processos e já encontrou irregularidades. “Infelizmente, eu verifiquei diversas irregularidades que maculam as concessões de guarda. A ausência de oitiva dos pais biológicos”, afirma o juiz.
A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos disse hoje que irá pedir à Polícia Federal que investigue o caso. “Tudo indica que existe uma quadrilha atuando, traficando crianças e lamentavelmente com algum apoio por dentro do próprio sistema de Justiça”, disse.