Na noite de quarta-feira 27, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deu mais uma demonstração de até onde pode ir para fazer valer seus interesses e os de seus aliados.
Mesmo derrotado em uma votação, Cunha determinou a continuidade do debate acerca da criação de duas novas comissões na Casa, e saiu vencedor de uma disputa encerrada apenas na madrugada desta quinta-feira 28. Foi um expediente semelhante ao usado em julho de 2015, quando Cunha colocou duas vezes em votação o projeto que reduz a maioridade penal até conseguir aprová-lo.
A confusão teve início por volta das 20 horas de quarta-feira, em meio às discussões a respeito da criação de duas novas comissões na Câmara, a de Defesa dos Direitos da Mulher e a de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa.
A maior polêmica envolvia a Comissão da Mulher, cuja criação era relatada por João Campos (PRB-GO), ex-PSDB, integrante da bancada evangélica e autor do projeto da “cura gay”. A grande reclamação era a respeito do fato de a bancada feminina não ter sido ouvida a respeito de quais seriam as atribuições da comissão e se elas envolveriam ou não temas como direitos reprodutivos.
“Quem sabe das necessidades e dos interesses das mulheres somos nós mulheres. Não aceitamos que nenhum homem nos substitua para dizer quais são os nossos direitos”, disse a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP).
“Nós somos mais de 50% da população brasileira e somos menos de 10% nessa casa.Essa desvantagem na representação é um déficit na democracia brasileira e essa proposta vem comprometer as conquistas das mulheres brasileiras”, disse.
A disputa sobre o projeto serviu de base para deputados federais questionarem até mesmo a necessidade de empoderamento da mulher na sociedade.
“As entidades religiosas são as que mais apoiam idosos, mulheres, aidéticos. As mulheres de verdade, que estão lá fora, não querem empoderamento. Querem é ser amadas”, disse o deputado Flavinho (PSB-SP) segundo o jornal O Globo. Outro deputado, não identificado pela publicação, emendou: “Querem ser belas, recatadas e do lar“.
Em meio a pedidos para adiar o debate, Cunha colocou a solicitação em votação simbólica – na qual não há registro individual de votos e os parlamentares favoráveis à matéria permanecem como se encontram, enquanto os contrários devem se manifestar.
Cunha esperava a vitória na votação simbólica, mas foi derrotado. A maioria dos parlamentares, incluindo governistas e oposição, optaram por adiar o debate. Ainda assim, Cunha anunciou um resultado diverso do verificado, manteve a votação, e pediu para o que o relator da matéria, João Campos (PRB-GO), lesse seu parecer.
Diante da ação de Cunha, inúmeros parlamentares se rebelaram, em especial a bancada feminina. Ocuparam a Mesa da Câmara, até Cunha se retirar e as tribunas da Casa, impedindo Campos de falar.
Ao gritos de “golpista” e “fora, Cunha”, rebatidos com gritos de “fora, PT”, Cunha deixou o Plenário e a sessão da Câmara foi, então, suspensa. Com a ausência de Cunha, as deputadas Moema Gramacho (PT-BA) e Luiza Erundina sentaram na cadeira do presidente da Casa.
Foi um ato simbólico, que lembrou o fato de o Supremo Tribunal Federal ainda não ter analisado o pedido de afastamento de Cunha, réu na Operação Lava Jato, feito pela Procuradoria-Geral da República em 16 de dezembro de 2015.
Enquanto o comando da Câmara seguia ocupado, Cunha convocou os líderes partidários para uma reunião. Conforme diversos relatos, o peemedebista convenceu alguns dos líderes de que se as comissões não fossem criadas, muitos partidos iriam ficar sem cargos nesses espaços.
Na madrugada, com votação nominal, o projeto foi aprovado com 220 votos favoráveis e 167 contrários, e as comissões foram criadas.
Pragmatismo Político