Dias após a foto do corpo do menino Alan Kurdi, que tinha 3 anos, ter provocado reações emocionadas em diversos países, a família revelou a cadeia de eventos que levou ao afogamento na travessia da Turquia para a Grécia.
Alan deixou a cidade de Bodrum, na Turquia, rumo à ilha grega de Kos, na quarta-feira de madrugada, ao lado do pai, Abdullah, da mãe, Rehanna, e do irmão Ghalib, dois anos mais velho.
O objetivo final da família Kurdi era Vancouver, no Canadá, onde a irmã de Abdullah, Tima, trabalha como cabeleireira.
Com um pequeno grupo de refugiados, eles embarcaram em dois botes para cruzar os 20 quilômetros que separam Bodrum de Kos.
Da praia, Abdullah enviou um SMS para Tima.
“Passei o recado para o nosso pai, na Síria, e para todos: ‘Abdullah está partindo agora, rezem por sua segurança'”, disse Tima.
Mas as preces não foram ouvidas. As embarcações foram atingidas por ondas altas pouco depois da partida. O capitão abandonou navio.
Em questão de minutos, Abdullah Kurdi se encontrou na água, tentando salvar a vida de seus dois filhos. Dos 23 integrantes do grupo de refugiados, acredita-se que 14 tenham morrido, incluindo a mulher de Abdullah e os seus dois filhos.
Versão turca
O número não impressiona diante das mortes em massa registradas no Mediterrâneo nos últimos meses, mas as fotos do pequeno Alan de bruços na beira da praia transformaram o episódio em um divisor de águas.
O nome dele chegou a ser grafado como “Aylan” por alguns meios de comunicação, entre eles, a BBC. Mas a tia que vive no Canadá, Tima, esclareceu que aquela era a versão turca do nome, dada às autoridades da Turquia. O nome original, curdo, era Alan.
Como sírios de origem curda, as chances de conseguir asilo no Canadá diminuíram no momento em que os Kurdi deixaram a Síria rumo à Turquia.
Durante anos, a Síria negou cidadania à sua população de origem curda. Os curdos eram considerados apátridas pelas autoridades.
Em 2011, um decreto autorizou que alguns deles entrassem com pedidos de cidadania, mas outros permaneceram sem o direito. Muitos foram forçados a fugir do país antes mesmo que pudessem dar entrada no processo.
Os Kurdi moravam em Damasco no início do conflito na Síria, no fim de 2011. Quando a violência na cidade se agravou, a família se mudou para o seu vilarejo-natal, Makharij, a 25 quilômetros da cidade portuária de Kobane.
No entanto, quando Kobane se tornou um foco do combate entre combatentes curdos e militantes do chamado Estado Islâmico, no fim de 2014, a família voltou a fugir, desta vez para a Turquia, ao lado de milhares de outros refugiados.
A Turquia lhes ofereceu abrigo, mas não ofereceu cidadania.
Image copyrightAgencyImage captionAlan (L), three, his brother Galip, five, and their mother died trying to get to Greece by boat this week
‘Irregulares’
Entre os vizinhos da Síria, a Turquia foi o primeiro a reagir formalmente à crise dos refugiados, declarando proteção temporária em outubro de 2011, garantindo que não iria repatriar qualquer refugiado sírio.
A medida garante a portadores de passaportes sírios um visto de residência de um ano e liberdade de movimentos no país. Mas aqueles que não apresentarem documentos são obrigados a se registrar em um campo de refugiados e lá permanecer. Caso contrário, são considerados “irregulares”.
Esta era a situação dos Kurdi, que se encontravam em Istambul, mas estavam desesperados para deixar a Turquia. No entanto, não podiam obter vistos de saída da Turquia, porque não tinham passaportes e não podiam pedir asilo em outros países porque não tinham vistos de saída da Síria.
Tima Kurdi já estava “patrocinando” o processo de asilo da família de outro irmão dela, Mohammad, mas dificuldades financeiras e a complexidade do processo a obrigaram a dar entrada em um processo de cada vez.
Mohammad foi escolhido primeiro, porque os filhos dele já estão em idade escolar.
No entanto, o pedido de asilo foi rejeitado pelo Canadá. O departamento de Imigração e Cidadania disse à BBC que o processo estava “incompleto porque não reunia os requisitos necessários para comprovar o reconhecimento da situação de refugiado”.
A razão para a rejeição foi simples, segundo Tima: os Kurdi não têm passaporte e nem vistos de trabalho turcos, documentos que não podiam obter.
Papelada
Quando o primeiro pedido de asilo foi rejeitado, em junho, “não havia esperanças de que Abdullah e sua família obtivessem a papelada correta para um processo bem-sucedido”, afirmou Tima.
Ainda no escuro, o bote com a família foi empurrado mar adentro. Abdullah descreveu o momento em que a sua família se afogou em detalhes.
“Tentei segurar as crianças e a minha mulher, mas não adiantou. Um por um, eles morreram. Tentei timonear o barco, mas veio outra onda grande e o virou”, afirmou. “Foi aí que o pior aconteceu.”
“As minhas crianças eram as mais bonitas do mundo. Será que existe alguém no mundo, para quem os próprios filhos não sejam a coisa mais preciosa?”
“Eles eram incríveis. Me acordavam todos os dias para brincar.”
“Adoraria me sentar ao lado do túmulo da minha família agora e aliviar a minha dor.”
Ele afirmou que pretende levar os corpos de volta a Istambul e de lá para Kobane, onde quer enterrá-lo.
“É tarde demais para salvar a família de Abdullah”, disse Tima. “Por favor, vamos usar a nossa voz coletiva para mudar e exigir que os líderes do mundo tomem decisões agora aprovar medidas de emergência para refugiados. Vamos por fim a este sofrimento. Os nossos corações estão partidos.”
Fonte: MSN Notícias
Por isso, eles embarcaram ilegalmente rumo à Grécia.
Os Kurdi já tinham tentado deixar a Turquia três vezes anteriormente. Todas sem sucesso. Na última e fatal, parentes contaram que eles conheceram pessoas em Izmir que prometeram levá-los até a costa e de lá para Kos, de barco.
Acredita-se que eles tenham pagado o equivalente a R$ 16,5 mil pela travessia. Muito mais do que custariam as passagens aéreas para toda a família chegar ao Canadá.