Desbloquear fundo é insuficiente para melhorar presídios, dizem analistas

Uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obriga o governo a liberar uma quantia bilionária para a construção e reforma de presídios pode ser insuficiente para melhorar a situação dos presos, disseram ao G1 especialistas que acompanham o assunto.

Para eles, ainda falta vontade política, priorização e capacidade de gestão a fim de garantir condições dignas para a população carcerária.

No último dia 9 de setembro, o STF determinou que o governo federal libere todo o saldo do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), atualmente de R$ 2,4 bilhões, segundo o Ministério da Justiça.

O dinheiro, proveniente de taxas pagas em ações na Justiça e parte das apostas em loterias federais, vem se acumulando há 15 anos sem total destinação para melhoria das penitenciárias e cadeias no país.

Apesar da cifra, todos os anos o governo reserva menos recursos ao orçamento do fundo, que, mesmo assim, não é inteiramente gasto na área.

Até junho deste ano, por exemplo, o governo desembolsou menos que 10% do disponível: R$ 46,4 milhões dos R$ 541,8 milhões autorizados no Orçamento de 2015, segundo levantamento realizado pela ONG Contas Abertas, que monitora os gastos públicos com dados oficiais.

Além de bloqueios frequentes do próprio governo federal para fazer caixa, boa parte do dinheiro não é gasto por problemas enfrentados pelos estados.

Um levantamento feito pelo Ministério da Justiça a pedido do G1 no ano passado mostrou que, de 2004 a 2013, 15 estados e o Distrito Federaldeixaram de usar R$ 187 milhões liberados pelo governo federal.

Entre os diversos motivos alegados, destacam-se a falta de recursos dos próprios estados para completar as obras, cancelamentos por atrasos, inadequação de projetos, problemas em licitações, suspeitas de irregularidades e trocas no comando dos governos estaduais. Uma reclamação frequente são as exigências e a burocracia da União para soltar o dinheiro.

“Os estados têm dificuldades, falta vontade política para formular políticas públicas para usar aqueles recursos, presos não são prioridade. Há uma outra questão que é o excesso de burocracia do Ministério da Justiça”, explica o advogado Daniel Samento, que representou o PSOL, autor da ação com o pedido de desbloqueio do Funpen.

No ano passado, segundo dados do Ministério da Justiça, dos R$ 253,1 milhões disponibilizados aos estados, R$ 146,8 milhões foram gastos, dos quais a maior parte (R$ 134,5 milhões) para pagamentos de obras contratadas em anos anteriores.

Mudança de postura
Com a recente decisão do STF de aumentar os recursos a serem disponibilizados, os governos terão de mudar a postura para garantir as melhoras, diz o jurista.

“Em vez de pegar e bloquear, é preciso que as partes sentem para que, por exemplo, a União busque de alguma maneira capacitar os estados a formular projetos adequados. Mas, por outro lado, que a União seja mais flexível em relação a essas burocracias”, afirma.

Outra forma de efetivar a aplicação dos recursos, lembra Sarmento, é a possibilidade de o próprio Judiciário obrigar estados a construir presídios, conforme outra decisão recente do STF, proferida em agosto a pedido do Ministério Público no Rio Grande do Sul.

Professor e pesquisador da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, o também jurista Rubens Glezer afirma que a decisão do STF na ação sobre o Funpen ainda poderá avançar mais, quando os ministros julgarem outros pedidos feitos pelo PSOL, ainda não analisados. Trata-se de obrigar governos federal e estaduais a formularem planos amplos para melhorar todo o sistema penitenciário, sob supervisão do Judiciário.

“O Judiciário deveria exigir políticas públicas estruturais comprometidas com prazos e projetos”, diz Glezer. Ele também defende a atuação mais incisiva do Judiciário por entender que políticos quase sempre ignoram quando disputam cargos no Legislativo e no Executivo.

“Nós sabemos que a pauta carcerária não traz votos. Propagandas políticas de modo geral não sinalizam interesse em defender os direitos dos presos porque no discurso geral se tem a ideia de que cuidar do direito dos presos num país como o nosso é um descaso para as pessoas que seguem as leis. E o que se perde de vista é que as pessoas presas precisam voltar depois e ser reintegradas à sociedade”, afirma.

Como solução para o efetivo uso dos recursos agora disponíveis, Gil Castello Branco, diretor da ONG Contas Abertas, chama a atenção para a melhoria da capacidade de gestão, medida que também pode receber investimentos do Funpen.

“O governo vai precisar se reestruturar, fazer seminário, organizar eventos, ensinar, mostrar como os estados podem obter e efetivamente fazer com esses recursos. É preciso que o governo, que já convive com essa dificuldade há várias décadas, tenha capacidade de identificar as dificuldades que os estados têm e auxiliá-los”.

Procurado pelo G1 para informar os planos que tem para aplicar o dinheiro, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça e que adminstra o Funpen, disse que só irá se manifestar sobre o assunto depois de notificado da decisão do STF.

Fonte: Portal G1

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