A recente descoberta de uma nova espécie humana na África do Sul tem suscitado uma polêmica em torno da teoria de um “sub-homem”, alimentando o racismo em um país que ainda tem resquícios do apartheid (regime de segregação racial oficial sul-africano).
“Ninguém vai desenterrar os velhos mitos dos macacos para apoiar a teoria de que sou descendente de babuínos”, indignou-se Zwelinzima Vavi, secretária-geral da poderosa confederação sindical sul-africana Cosatu, aliada fiel do Congresso Nacional Africano (ANC) – partido atualmente no poder.
“Fui tratada como um babuíno toda a minha vida, tal como os meus pais e avós. Não sou filha de um orangotango, de um macaco ou de um babuíno. Ponto final”, escreveu Vavi na sua conta no Twitter, seguida por mais de 300 mil pessoas, e citada hoje pela agência France Presse.
Apesar de o regime de segregação racial ter sido abolido oficialmente em 1994, a questão do racismo e as suas consequências socioeconômicas tem estado no centro de polêmicas na sociedade sul-africana.
Mesmo depois dos progressos registrados após mais de duas décadas, persistem as desigualdades entre a maioria negra, que conta com 28% de taxa de desemprego, e a minoria branca, com 10% da população sem emprego.
A reação de Vavi surge após a descoberta, na semana passada, de restos mortais de uma espécie do gênero humano a que os cientistas denominaram Homo Naledi.
O paleontólogo na origem da descoberta, o mediático Lee Berger, pesquisador norte-americano ligado à universidade sul-africana de Witwatersrand, em Joanesburgo, tem tentado acalmar os ânimos em relação à polêmica, defendendo que o Homem não descende do babuíno.
Segundo a equipe de investigadores envolvida, o corpo do Homo Naledi evoca o homem moderno, enquanto o crânio, do tamanho de uma laranja, se aproxima mais de um Australopiteco (grupo pré-humano).
Cerca de 1.550 fósseis foram exumados da Câmara das Estrelas, uma gruta próxima do local conhecido por Berço da Humanidade, cerca de 50 quilômetros a noroeste de Joanesburgo, que há décadas constitui uma mina para os paleontólogos.
As ossadas ainda não foram datadas, mas poderão, dizem os investigadores, permitir saber algo mais sobre a transição que ocorreu há cerca de 2 milhões de anos entre o australopiteco primitivo e o primata do gênero homo, ancestral direto do homem.
No centro da polêmica, está o fato de alguns estarem questionando a própria teoria da evolução, até hoje objeto de estudo científico.
Para Mathole Motshekga, deputado e antigo líder do grupo parlamentar do ANC, essa nova teoria sustenta a ideia de que os africanos têm origem em sub-homens, razão pela qual os habitantes do continente negro não são respeitados no mundo.
“A descoberta do Homo Naledi parece calculada para dar razão aos defensores do apartheid, que afirmam que nós, negros africanos, descendemos do reino dos animais. Até nos negaram o estatuto de ser humano para justificar a escravidão, o colonialismo e a opressão”, sublinhou Motshekga em um canal de televisão local.
A polêmica em torno da questão já foi alimentada até pelo próprio Conselho Nacional das Igrejas, organização historicamente envolvida na luta contra o apartheid e que reúne anglicanos e metodistas sul-africanos.
“É um insulto dizer que descendemos de babuínos. Muitos ocidentais pensam que os negros são babuínos”, reagiu o bispo Ziphozihle Siwa, dirigente do Conselho.
Fonte: Agencia Brasil