Por Hieros Vasconcelos Rêgo
“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”. A conhecida frase da filósofa Angela Davis é incisiva e, nos tempos atuais, pode até parecer batida. Mas jamais antiquada. O racismo continua latente na sociedade brasileira e passados 135 anos da “abolição” da escravatura, a população negra sofre cotidianamente, física e psicologicamente, as consequências desse período tenebroso da história do país.
Hoje, 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, além de homenagear Zumbi dos Palmares e enaltecer o combate ao racismo, é preciso visibilizar o legado do povo negro, famoso ou longe dos holofotes, que tanto contribuiu e contribui até hoje para a construção do território brasileiro e por uma sociedade mais justa e igualitária.
Para a socióloga Jandira Matos, a data é extremamente simbólica, no entanto, é necessário que a mensagem seja reverberada todos os dias do ano principalmente pelas gestões públicas e representantes públicos. “Não podemos permitir que o 20 de novembro se torne uma data onde pessoas a usem para ganhar likes nas redes sociais, e depois, tudo volta a ser o mesmo de sempre. Precisamos exigir que representantes e gestões ponham em prática a luta antirracista através de políticas públicas diárias”, diz.
Matos cita, ainda, o oportunismo visto no mês de novembro – que, na Bahia, se intitula ‘Novembro Negro’ – pelo mercado e por diversas empresas. “De repente, todo mundo faz um discurso, apresenta um vídeo dizendo que são apoiadores, mas apenas para monetizar, pois em seguida, passado o mês, voltam para as mesmas rotinas racistas, discriminatórias, pagam menos aos trabalhadores negros e não os colocam em cargos de poder”, disse.
Membro da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), e do movimento de mulheres, a vereadora de Salvador, Martas Rodrigues (PT) é uma das mais atuantes no legislativo municipal em prol da população negra e da luta antirracista.
Cidade mais negra fora de África, a capital baiana, conforme explica a edil, tem muito o que progredir para garantir os direitos ao povo negro. “O Novembro Negro é para reforçar nossa luta diária contra o racismo. Não podemos falar do novembro negro de maneira leviana, apenas neste mês, como muita gente faz, para no resto do ano estar ao lado de projetos e pautas que não pensam nessa população, muitas vezes projetos de cunho racista e excludente”, declarou.
Marta lembrou, entretanto, a conquista que foi a aprovação do Estatuto Municipal de Promoção da Igualdade Racial e Contra a Intolerância Religiosa. “Fruto de muita luta e dos movimentos sociais, sem eles, a aprovação seria muito dificultosa, foi um marco para a luta contra o racismo na cidade”, ressaltou.
Tanto a vereadora do movimento negro quanto a socióloga sugerem que para a luta antirracista seja diária, é necessário efetivar toda a legislação voltada para o combate ao racismo e para o empoderamento do povo negro.
“Precisamos efetivar a Consciência Negra todos os anos em todas as esferas, nas escolas, nos livros. No Brasil, existem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), alterada pelas Leis 10.639/2003 (obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas) e 11.645/2008 (regulamenta a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura. Afro-brasileira e Indígena), e as legislações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (2012) e da Educação Escolar Indígena (2012). É isso que o 20 de novembro deve ter como foco e o os governos precisam entender para realmente fazer jus à luta antirracista”, explicou a socióloga Jandira Matos.
Feriado – Desde 2003, o Dia da Consciência Negra é celebrado no Brasil e se tornou feriado após lei 12.519/2011, de Dilma Rousseff, tornando a data feriado nacional. Ao menos 1.260 cidades brasileiras aderem ao feriado.
Salvador, no entanto, não compartilhou deste objetivo. Um dos motivos é de que o Movimento Negro acredita que tornar o dia feriado iria reduzir sua importância e luta antirracista. “Foi uma questão muito debatida pelo movimento negro e chegou-se ao entendimento de que reduz uma luta de anos, uma luta incessante por políticas públicas de reparação e equidade racial, a uma data”, acrescentou a socióloga.
Tribuna da Bahia