Henryton Klysthenes Ribeiro estava animado com o aniversário de 24 anos. Planejava fazer uma rave para ‘parar’ a pequena cidade de Timbaúba, na Mata Norte de Pernambuco, distante cerca de 100 km do Recife. Ribeiro dava aulas particulares de matemática e inglês, vivia bem com os pais e a irmã mais velha e tinha vários amigos, mas também uma fraqueza: queria ganhar dinheiro fácil. Com dois colegas, resolveu assaltar a agência dos Correios de Aliança, município vizinho, apenas quatro dias antes da festa. Sabia que o sistema de segurança do local era frágil e acreditava na impunidade. No dia 6 de junho de 2012, o trio aproveitou a saída de almoço dos vigilantes e, fingindo estarem armados, roubaram dinheiro da agência, que estava em funcionamento e atendia alguns clientes no momento do crime. Os comparsas conseguiram fugir, mas ele acabou sendo preso em flagrante e a tão esperada data passou em branco, na prisão.
Foi no Presídio de Igarassu (PIG), na Região Metropolitana do Recife, onde cumpre pena, que o jovem, envergonhado e arrependido do crime, parou para pensar na vida que queria levar dali em diante. Inscreveu-se no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), formou um grupo de estudos com outros 16 reeducandos, todos já com o ensino médio completo, e fez a prova. O resultado no Sistema de Seleção Unificado (Sisu), que saiu na última segunda-feira (14), foi uma surpresa ainda maior: ele conseguiu a sétima posição no curso escolhido, a licenciatura em matemática, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), com nota 706,29. Foi a melhor colocação de um reeducando em toda a história do sistema prisional do estado.
“É muito melhor ser reconhecido como alguém que venceu, pelo estudo, que como alguém que roubou, até porque eu não me considero um bandido, mas alguém que errou, aprendeu com isso e merece uma segunda chance. Pensei no dinheiro fácil, queria aventura, mas passei do limite e achei que tinha destruído a minha vida. Agora, ao invés de contar os dias para sair da prisão, vou contar os dias para começar as aulas. Vou embarcar em uma aventura bem melhor, e nessa quero ter sucesso”, diz Henry, como é chamado pelos amigos do PIG.
À espera da liberdade
Henry é um preso provisório. Ele foi julgado pela 25° Vara da Justiça Federal e condenado a cinco anos de detenção. Ele está agora em regime fechado, em um presídio de segurança máxima. A sentença dele ainda vai passar pela Vara de Execuções Penais, que deve encaminhá-lo para o regime semiaberto. O advogado dele entrou com pedido para desclassificar o crime para furto. A expectativa é que em abril, quando começam as aulas na UFRPE, Henry já possa cumprir a pena em regime aberto, tendo que assinar, todo mês, o livro de presença no Centro de Apoio a Egressos em Liberdade (Cael).
Isso porque Henry já está cumprindo parte da pena do regime fechado – ele chegou ao PIG em outubro de 2012 e ainda trabalha na área administrativa da unidade prisional. A cada três dias de trabalho, um dia é diminuído da pena total. “Por incrível que pareça, foi na prisão que tive tempo para pensar melhor no que eu queria ser. Fiz escola particular, onde era bolsista, fiz curso técnico em administração, mas era muito indeciso no que fazer, agora estou feliz porque passei no que eu sempre quis de verdade. No primeiro dia de aula, na Rural, se eu tiver que me apresentar, não vou ter vergonha nem esconder que já estive preso. Aprendi agora a não baixar a cabeça e vencer os obstáculos”, conta.
A partir desta sexta (18), os estudantes convocados na primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) devem se matricular nas instituições de ensino em que foram aprovados.
Superlotação x dedicação
O Presídio de Igarassu foi inaugurado em 2002 e tem capacidade para 426 presos, mas está superlotado, com 2.680 homens divididos em 13 pavilhões – mais de seis vezes acima da capacidade. Mas Henry afirma que não sentiu muito os efeitos negativos da superlotação, pois, como trabalha na unidade, tem direito a uma cela melhor, a qual divide com outros três companheiros. “Eles até deixavam eu ficar com a luz acesa para ler um livro de noite, ou então com a televisão no mudo, só para iluminar minha área”, conta.
Ao todo, 102 reeducandos do PIG inscreveram-se no Enem. Oito tiveram nota suficiente para participar do Programa Universidade para Todos (Prouni) e 31 para o Sisu, mas só Henry conseguiu uma vaga na universidade até agora. Ele acordava às 7h e trabalhava até as 16h, com intervalo para almoço. Depois, encontrava-se com os colegas do grupo de estudos na biblioteca da unidade. “A gente resolvia provas do Enem, simulados. Também ensinava matemática. Às vezes, a gente pegava uma mesa e ficava estudando na frente do pavilhão até 23h, não tinha hora mesmo para acabar. Não tive problema com estrutura para estudar, a direção incentivava muito, imprimindo material da internet, dando lápis, caderno”, afirma.
Tanta dedicação resultou em nota boa no Enem: 698,36 – só a redação foi 840. A média foi suficiente para ele se inscrever no Sisu. “Eu nem sabia que um preso podia se inscrever no Enem, e eu concorri com gente com mais tempo para estudar, com mais estrutura material e psicológica. Acho que é preciso criar cotas para nós, para quem está com a liberdade privada. Eu brinco que tive sorte em ficar aqui em Igarassu, porque ouço dos que já passaram em outros presídios que nem todos têm essa estrutura e incentivo”, aponta. Outro detalhe é que o Sisu não tem vagas para cursos a distância.
A nova Lei de Cotas já vale para a seleção deste ano do Sisu. Segundo a medida, 43 universidades federais e 40 institutos federais de educação reservaram, pelo menos, 12,5% de suas vagas para estudantes das escolas públicas. A partir do primeiro semestre de curso, será dada uma bolsa de R$ 400 ao candidato aprovado que tenha renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa. A lei não contempla presos.
População carcerária analfabeta
No ano passado, 247 reeducandos de seis unidades prisionais de Pernambuco realizaram o Enem. O número parece pequeno frente às 25,5 mil pessoas que estão detidas em 20 unidades prisionais do estado. A disparidade é explicada por outro número bastante preocupante: quase 60% da população carcerária é analfabeta ou não concluiu o ensino fundamental, segundo o gerente de Educação e Qualificação Profissional da Secretaria de Ressocialização (Seres), Ednaldo Pereira.
Segundo o gerente, de todas as 20 unidades prisionais estaduais, apenas o Centro de Triagem (Cotel), em Abreu e Lima, não tem uma escola. “Hoje, temos 7,3 mil reeducandos matriculados, cerca de 30% da população carcerária, índice maior que a média nacional, que é de 12 a 15%. Acreditamos que a baixa escolaridade é um fator gerador de violência e, por isso, a nossa ideia é aumentar cada vez mais essa estrutura educacional”, explica.
De acordo com Ednaldo Pereira, as unidades têm turmas dos projetos Mova Brasil (alfabetização), Travessia (ensino médio) e Educação de Jovens e Adultos (EJA), entre outros. “Esse ano, duas turmas de alfabetização serão abertas no Cotel e a meta de inscrição no Enem este ano é de 300 reeducandos de oito unidades prisionais. Outro objetivo é incluir mais 500 detentos em turmas de alfabetização, elevando para 2 mil o número de matriculados.”