Cardiologista nascido no Rio de Janeiro, hoje é uma das principais referências no país quando o assunto é Saúde e Medicina. Como presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), tem acompanhado debates importantes e que tocam temas polêmicos, como a falta de políticas públicas de valorização de profissionais e a abertura indiscriminada de novos cursos de graduação para médicos. Graduado em Medicina (UFRJ 1976), mestre em Neurociência e Comportamento (UFSC 1978) e, atualmente, aluno do Doutorado em Bioética, pela Universidade do Porto (Portugal), ele entende que o momento atual é de crise para os profissionais da área. No entanto, afirma, isso não deve tirar o ânimo na busca de um tempo melhor para o exercício da Medicina e para a qualificação do atendimento de milhões de pessoas. Preparando-se para comemorar o Dia do Médico, em 18 de outubro, ele concedeu essa entrevista exclusiva à rede formada pela Central de Diários do Interior e Associação dos Diários do Interior do Brasil (CDI/ADI-BR), declarando-se um eterno namorado de seu ofício: “Enxergo nesta atividade uma paixão, que surge vocacionada pela solidariedade e pelo compromisso com a equidade, a justiça e a ética”.

“Não somos mercadores da saúde”

Em 18 de outubro é o Dia do Médico. Há o que comemorar?

D’Ávila – A possibilidade do exercício da Medicina é sempre algo que merece comemoração. Enxergo nesta atividade uma paixão, que surge vocacionada pela solidariedade e pelo compromisso com a equidade, a justiça e a ética. No entanto, apesar desse sentimento de orgulho, nossa classe passa por um momento difícil. O cenário no qual esta vocação deve ser colocada em prática enfrenta pesada turbulência.

O que o senhor quer dizer?

D’Ávila – Por exemplo, de um lado, existem as pressões dos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), que pecam pela falta de empenho na elaboração de políticas públicas que qualifiquem a assistência e valorizem os profissionais; do outro, estão os empresários dos planos de saúde, que insistem na cultura do lucro em detrimento do bem-estar dos pacientes e da autonomia dos médicos. Estes são apenas dois exemplos de situações que têm nos preocupado. Contudo, isso pode até nos entristecer, mas, certamente, não tira nossa vontade de mudar este quadro. Cabe aos médicos exercerem seu ofício sem se curvar às pressões e à indiferença. O desafio é defender a fé naquilo que nos move: a busca do diagnóstico, a oferta do tratamento e a promessa de consolo a quem está fragilizado pela doença.

Como o médico deve fazer face aos desafios do momento?

D’Ávila – Não há uma fórmula, mas posso dividir algo acumulado pela minha experiência. Em tempos de crise, devemos ser médicos. Ou seja, não somos mercadores da saúde, garotos propaganda ou vassalos de quem quer que seja. Devemos, como médicos, nos ver como mulheres e homens preparados para salvar vidas. Não se comportar à altura de tão importante missão significa pactuar com a mediocridade de interesses outros, que se postam quilômetros distantes de onde estamos. A população espera a reação da categoria diante dessas pressões, pois sabe que nossa luta implica em melhores condições de assistência onde quer que seja.

Uma das principais queixas está na queda nos valores de remuneração pelo SUS.

D’Ávila – Percebemos, ao longo dos anos, dois movimentos: no SUS, os gestores nunca se preocuparam em criar um plano de carreiras, cargos e vencimentos que beneficiasse aos seus profissionais, inclusive os médicos. Os salários na esfera pública foram progressivamente esvaziados e, com isso, cada vez mais atender em ambulatórios ou hospitais do SUS se tornou uma opção secundária. Dentro desse cenário, há outra distorção, que é a precarização do trabalho médico, a inexistência de vínculos e o desrespeito aos quais alguns colegas são expostos quando aceitam atender em municípios menores, periféricos, e não recebem o que lhes é prometido.

O que o CFM faz nesses casos?

D’Ávila – Atualmente, tentamos reverter isso quando iniciamos uma discussão no âmbito do Ministério da Saúde e do Congresso Nacional para criar a carreira de Estado para o médico. Ou seja, estabelecer parâmetros para que o médico – e outros profissionais da Saúde – contem com honorários adequados, planos de progressão, educação continuada e outras vantagens que possam tornar o exercício da Medicina dentro do SUS novamente interessante. Sem dúvida, essa é uma saída para a crise que impera na área.

Qual a sua opinião sobre a abertura de mais vagas em cursos de Medicina e de novas escolas médicas?

D’Ávila – Somos contrários à abertura indiscriminada de novos cursos e de vagas em escolas médicas de qualidade duvidosa. A experiência mostra que muitos desses estabelecimentos não oferecem o mínimo aos seus estudantes, que passam ser a vítimas de empresários que pensam apenas no lucro. O que exigimos do governo é que tenha um olhar atento sobre esta questão e evite a proliferação desenfreada dessas escolas caça-níqueis. Uma iniciativa importante no âmbito da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação era a avaliação feita pelo grupo coordenado pelo ex-ministro Adib Jatene. Graças a este trabalho, inúmeras vagas foram fechadas e escolas tiveram que se equipar.

O governo federal diz que o país precisa de mais médicos. O CFM se posiciona contra esta percepção. Afinal, faltam ou não faltam médicos?

D’Ávila – Se formos avaliar os padrões estatísticos nacionais, temos a segurança de que não faltam profissionais no país. Atualmente, contamos com cerca de 370 mil médicos em condições de atender os brasileiros. O problema é que a maioria deles se concentra nos estados do Sul e do Sudeste, nas capitais e nos municípios mais desenvolvidos ou da faixa litorânea nas outras regiões. Assim, admitimos a dificuldade de encontrar médicos em áreas distantes, de difícil provimento, na Amazônia, no Nordeste, e mesmo nas periferias de algumas grandes cidades, onde a violência se impõe.

Qual a solução?

D’Ávila – Em nosso ponto de vista, há uma lacuna na esfera das políticas públicas que precisa ser preenchida. Cabe ao governo estabelecer fórmulas que estimulem a migração e a fixação dos médicos nestas regiões. Para isso, é importante oferecer boas condições de trabalho, acesso à educação continuada, plano de progressão funcional e remuneração coerente com a responsabilidade e o compromisso exigidos. Percebemos que, aos poucos, nosso alerta tem sido compreendido por importantes setores da sociedade, inclusive da mídia. Esperamos que a gestão do SUS tenha a mesma sensibilidade e adote medidas para colocar esse desafio no passado.

Esse cenário causa distorção também no setor privado?

D’Ávila – Como já foi enfatizado, passamos por uma crise de valorização da Medicina. E não se trata de um discurso corporativista, mas um apelo ao bom senso. Vamos tomar como exemplo o que é pago por uma consulta por plano de saúde. Em alguns locais, o médico – que estudou em torno de nove anos, entre graduação e residência – recebe em torno de R$ 35, ou seja, menos do que é pago por um corte de cabelo. Em São Paulo, um obstetra recebia em torno de R$ 200 por um parto, enquanto o cinegrafista que registrava o procedimento para a família cobrava R$ 1.000. Com base nestes dados, eu devolvo a pergunta: estamos sendo exagerados em nossos pleitos? Tenho certeza de que não. O que esperamos, tanto do setor público quanto do setor privado, é um tratamento digno. Não queremos ganhar mais do que a categoria merece, mas o justo pela formação exigida e pela responsabilidade inerente aos atos de prescrever e diagnosticar.

Edição de Diagramação: Andréa Leonora | ADI-Brasil/CDI | Leia a íntegra da entrevista no site www.centraldediarios.com.br

Esta entrevista exclusiva foi disponibilizada para publicação em 120 jornais que formam a rede Associação dos Diários do Interior (ADI Brasil) e Central de Diários do Interior (CDI), somando 4 milhões de exemplares/dia e com potencial para atingir 20 milhões de leitores. A força do interior na integração editorial.

CRÉDITO DA FOTO: Márcio Arruda/CFM

Leave a Comment

Your email address will not be published.

Política Relevantes

Lei do Impeachment entra na ordem do dia do Legislativo

post-image

O Congresso Nacional começa a semana agitado, com mais um round do embate entre o Legislativo e o Judiciário. Parlamentares colocaram na pauta a retomada da tramitação de uma proposta de atualização da Lei do Impeachment de 2023. A movimentação ocorre em resposta direta à decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu trechos da legislação em vigor desde 1950, limitando as possibilidades de abertura de processos de impeachment contra ministros da Suprema Corte.

A articulação do Legislativo ocorre em torno do Projeto de Lei (PL) nº 1.388/2023, de autoria do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e elaborado por uma comissão de juristas presidida por Ricardo Lewandowski, ex-ministro do STF e atual titular da Justiça. A relatoria da matéria está com o senador Weverton Rocha (PDT-MA) e a expectativa é de que o parecer do…

Read More
Política Relevantes

Congresso aprova LDO com superávit de R$ 34 bilhões em 2026

post-image

O Congresso Nacional aprovou nesta quinta-feira (4) o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. A LDO estabelece diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2026. 

O texto segue agora para sanção presidencial. Com a aprovação, a expectativa é que o Congresso vote na próxima semana a Lei Orçamentária Anual (LOA) para o ano que vem.

Entre outros pontos, a LDO prevê um superávit de R$ 34,3 bilhões em 2026, o equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). O texto estabelece ainda que o governo poderá considerar o limite inferior da meta para fazer limitações de gastos.

Salário mínimo e limite de despesas

O texto da LDO trabalha com o parâmetro de R$ 1.627,00 para o salário mínimo em janeiro. Mas o valor final…

Read More
Juazeiro Política Relevantes

Prefeito Andrei participa da XXX Cúpula de Mercocidades e projeta Juazeiro no debate internacional

post-image

O prefeito de Juazeiro, Andrei Gonçalves, participou da XXX Cúpula de Mercocidades 2025, o maior encontro de integração entre cidades da América do Sul, realizado de quarta a sexta-feira (05), em Niterói-RJ.

O evento, que celebra os 30 anos da Rede Mercocidades, reuniu prefeitos, gestores públicos, especialistas, acadêmicos, representantes de organismos internacionais e lideranças da sociedade civil para debater caminhos para cidades mais resilientes, pacíficas e sustentáveis.

Durante a cúpula, Andrei integrou o painel “Projetos e Iniciativas em Inovação: o olhar dos municípios”, apresentando as ações que Juazeiro vem implementando na transformação urbana, na modernização da gestão e na promoção de políticas públicas voltadas ao bem-estar da população. “Foram momentos de troca, aprendizado e construção de ideias que fortalecem o futuro das nossas cidades e o compromisso com políticas públicas que melhoram a vida das pessoas. Participei…

Read More
Política Relevantes

Messias inicia corrida final no Senado para salvar indicação ao STF

post-image

O advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), começa a semana com a missão de reverter o cenário desfavorável que encontra no Senado e buscar os votos que podem ser o fiel da balança de sua aprovação.

Articuladores do governo ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que o AGU já ativou o modo “atirar para todo lado”, a fim de tentar captar o maior número de votos antes de sua sabatina, marcada para 10 de dezembro, data que o governo tenta postergar.

Alvo de resistência dos parlamentares, o indicado deve manter a estratégia de tentar marcar o máximo de reuniões presenciais com senadores, sejam eles propensos ou não ao seu nome. Quando não recebido, Messias seguirá investindo nas ligações.

Outra frente é a articulação feita por ministros do STF. Nos últimos dias, André Mendonça, Cristiano…

Read More
Política Relevantes

“A crise climática é um problema de saúde pública. Hoje, no mundo, um a cada 12 hospitais paralisa as atividades por causa de eventos climáticos extremos”, diz ministro da Saúde

post-image

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou um investimento de R$ 9,8 bilhões em ações de adaptação no Sistema Único de Saúde (SUS) para construção de novas unidades de saúde e a aquisição de equipamentos resilientes às mudanças climáticas. A medida faz parte das ações do AdaptaSUS, plano apresentado na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém.

O AdaptaSUS prevê estratégias para que a rede de saúde pública enfrente os impactos das mudanças climáticas, contendo 27 metas e 93 ações a serem executadas até 2035. O anúncio foi feito durante a construção de novas unidades de saúde e a aquisição de equipamentos resilientes às mudanças climáticas.

“A crise climática é um problema de saúde pública. Hoje, no mundo, um a cada 12 hospitais paralisa as atividades por causa de eventos climáticos extremos. Para…

Read More
Política Relevantes

TSE inicia teste em urnas eletrônicas para eleições de 2026

post-image

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) iniciou, nesta segunda-feira (1), os testes para as urnas que serão usadas nas eleições de 2026. Oficialmente, o procedimento se chama Teste Público de Segurança dos Sistemas Eleitorais. Ao todo, serão aplicados 38 testes de transparência e confiabilidade nas urnas somente nesta semana.

Até sexta-feira (5), as avaliações, que não se restringem apenas às urnas, deverão verificar os sistemas que a Justiça Eleitoral utilizará durante em 2026. O primeiro turno está previsto para outubro do ano que vem. 

Os testes serão aplicados a várias etapas do sistema eleitoral, desde os gerenciadores de dados até a apuração e computação dos votos. 

Durante a abertura dos testes, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, declarou que a ação tem como objetivo “garantir mais segurança” ao processo eleitoral. 

“Esses…

Read More
Política Relevantes

Lula sanciona isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil

post-image

“A economia não cresce por conta do tamanho da conta bancária de ninguém, a economia cresce por conta do consumo que a sociedade…

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, nesta quarta-feira (26), a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil e o aumento da taxação para altas rendas. Uma das principais bandeiras de campanha de Lula em 2022, a medida começa a valer a partir de janeiro do ano que vem e deve beneficiar mais de 15 milhões de brasileiros.

Em discurso sobre justiça social e combate à desigualdade, Lula destacou que não existe “sociedade igualitária”, mas que é preciso governar para aqueles que precisam do Estado. Ele reafirmou que o crescimento econômico do país tem por base o consumo da população.

“A economia não cresce por conta do tamanho da conta bancária de ninguém, a economia cresce por conta do consumo que a sociedade…

Read More
Política Relevantes

Mulheres negras marcham hoje em Brasília por reparação e bem-viver

post-image

Caravanas de diversas partes do país vão ocupar, nesta terça-feira (25),  a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para a 2ª Marcha das Mulheres Negras, com o tema “por Reparação e Bem Viver.” A expectativa é reunir 300 mil pessoas.

Organizada pelo Comitê Nacional da Marcha das Mulheres Negras, a mobilização nacional busca colocar em pauta os direitos básicos desse segmento da população – como moradia, emprego, segurança -, mas também por uma vida digna, livre de violência e por ações de reparação.

A jornada faz parte da programação da Semana por Reparação e Bem-Viver, de 20 a 26 de novembro, na capital federal, marcada por debates, atividades e apresentações culturais para exaltar o protagonismo das mulheres negras em todo o país.

Segunda edição

A nova edição da Marcha das…

Read More