Escritor Zuenir Ventura diz que Brasil precisa revisar o passado

Agência Brasil

A 5ª Bienal do Livro Minas chega neste sábado (23) a seu último fim de semana. Até o encerramento do evento, hoje (24), mais de 200 mil pessoas deverão ter passado pelo galpão da Expominas, no bairro Gameleira, em Belo Horizonte. Cerca de 160 expositores participam da bienal, que começou no dia 15 deste mês, e é o principal evento literário de Minas Gerais.

O destaque desta edição é o Café Literário. Neste sábado (23), o espaço recebeu o jornalista e escritor Zuenir Ventura, autor de livros como 1968: O Ano que não Terminou, Cidade Partida e o recém-lançado Sagrada Família. Agora à noite, o escritor participa da mesa Memórias da Resistência, que discutirá a importância de se registrar a memória individual e coletiva por meio da literatura e da arte.

“Será uma conversa sobre a necessidade que o país tem de olhar para trás e revisar o passado para não repetir seus erros. É importante ter o passado sempre como lição, e não como exemplo”, explica Zuenir. Sua fala deixa transparecer que, inevitavelmente, ganharão relevo em sua exposição paralelos entre 1968 e os acontecimentos mais recentes da política brasileira.

1968: O Ano que não Terminou é um livro que resgata episódios de um dos períodos mais conturbados da história brasileira. O acirramento dos ânimos entre a ditadura militar e seus opositores culminou na edição do Ato Institucional n°5 em 13 de dezembro de 1968. A medida permitia ao governo determinar o recesso do Congresso Nacional, proibir manifestações, cassar direitos políticos de qualquer cidadão e suspender diversas prerrogativas constitucionais, como a possibilidade do habeas corpus.

Se 1968 ainda não acabou, o período é recuperado por episódios curiosos ocorridos do ano de 2016, quando o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff provocou intenso acirramento político. O livro relata, por exemplo, o confronto entre estudantes da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), na Rua Maria Antonia.

Neste ano, a Rua Maria Antonia voltou a ser palco de manifestações, e conflitos políticos entre estudantes foram novamente registrados em São Paulo, desta vez na Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde a Polícia Militar fez uso de bombas de gás e balas de borracha para dispersar os presentes.

Além disso, uma peça teatral de Chico Buarque voltou à cena política. O episódio fez muitas pessoas lembrarem os violentos ataques do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) aos atores da peça Roda Viva, que ocorreram em São Paulo e em Porto Alegre em 1968. No entanto, os casos são diferentes. Desta vez, em Belo Horizonte, o público protestou contra a postura de um ator que, em improviso, durante um espetáculo, criticou a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Posteriormente, Chico Buarque posicionou-se contra o ator retirando-lhe a autorização para seguir com a peça.

“Há paralelos com 2016, sem dúvida, mas o perigo é acharmos que a história se repete. Eu chamo a atenção dos jovens críticos aos atuais desdobramentos políticos do país, que acham que 1968 tem que se repetir. Não é exatamente assim. Nenhum dos lados pode copiar 1968. 1968 tem que ser lição para todos”, alerta Zuenir.

O escritor lembra das grandes manifestações que ocorreram às vésperas da Copa das Confederações, em 2013. “Os grupos que saíram às ruas em 1968, e hoje ainda saem quebrando caixas de banco como se estivessem destruindo um símbolo do capitalismo, não fizeram avançar a história. Eles prejudicam um movimento de milhares”, analisou.

Paixões políticas

Para Zuenir Ventura, a história tem avançado mais pela evolução do que pela revolução. “Obviamente, há casos de revoluções que derrubam o passado, mas nem sempre conseguiram criar um futuro mais promissor. A ruptura provoca mudanças e, às vezes, essas mudanças são retrocessos. Em 1968, houve retrocesso. E a conquista da democracia acabou sendo possível pela evolução e não pela revolução.”

Com a autoridade de quem reviu em minúcias fatos importantes do período militar, as opiniões do escritor sobre eventos políticos emblemáticos do Brasil despertam curiosidade, mas evita fazer comentários. “Não quero fazer avaliação nenhuma porque vejo o país todo dividido. Lamento a intolerância e o ódio e venho tentando manter, nos meus artigos, uma equidistância.” Segundo Zuenir, muitas pessoas dizem que ele precisa sair de cima do muro. “Eu respondo que, em determinados momentos, para um observador como o jornalista, a melhor posição é exatamente em cima do muro, onde se  enxergam os dois lados.”

Em sua opinião, só o tempo poderá dizer se o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff é legítimo ou se configura com um golpe. “Daqui a 20 anos haverá uma versão depurada do momento que vivemos. O tempo depura muita coisa e, longe das paixões do momento, vai se consolidando uma versão. Por exemplo, as pessoas têm plena consciência do que foi a ditadura militar, mas, em 1964, uma expressiva parte da população acreditava de verdade que era uma revolução. Hoje só pensa isso uma minoria pouco representativa.”

Justamente para se afastar das paixões, 1968: O Ano que não Terminou narra fatos que ocorreram duas décadas antes. “A análise histórica precisa ser realizada com perspectiva. Eu escrevi o livro com 20 anos de distância dos episódios. Teve gente que falou que eu fui muito generoso com os generais, mas eu só não quis passar no livro a atmosfera de paixões daquele momento. O [escritor] Nelson Rodrigues, por exemplo, que é um gênio, apoiava os militares e gozava muito os estudantes. Ele era odiado e, em determinado momento, eu também o odiava. Então, ter 20 anos de distância para escrever essa história foi bom pra também poder encarar as versões dos diversos lados.”

Realidade e ficção

Na mesa, o jornalista teve a companhia do historiador e escritor Rodrigo Lacerda, neto de Carlos Lacerda, que lançou há três anos o romance A República das Abelhas, que busca fazer um retrato do avô. Diferentemente do que fez com 1968: o Ano que não Terminou, quando se baseou apenas em testemunhos, para o romance Sagrada Família, lançado em 2012, Zuenir Ventura recuperou fatos históricos, mas usou  personagens fictícios – o pano de fundo são acontecimentos reais dos anos 40. “A linguagem do romance e da ficção é mais sedutora do que a linguagem do jornalismo. No jornalismo, trabalhamos apenas com substantivos e verbos.”

Ao mesclar ficção e fatos reais, Zuenir diz que faz jornalismo literário. “Há duas maneiras de realizar esse modelo. Uma é utilizar recursos linguísticos de ficção e romance para contar a história, mas sem ficção. Foi o que fiz nos relatos sobre 1968. Eu fiz de 200 a 300 entrevistas. Usei em todo o livro o pronome eu uma vez só. Eu uso os testemunho de outras pessoas. A outra maneira é criar memórias inventadas, mas que se encaixem em determinado contexto, como é o caso de Sagrada Família.

Quadrinhos e cosplay

Em busca de um ambiente para variadas faixas etárias, com diversos tipos de linguagem, a Bienal do Livro Minas deste ano tem como atração o Espaço Geek & Quadrinhos. “A cada dois anos, passamos pelo desafio de montar uma nova Bienal do Livro que surpreenda o público e o aproxime da leitura. Este ano, demos mais voz à literatura dirigida ao público jovem, que tanto tem atraído essa turma para o mundo da fantasia, gerando livros campeões de venda e revelando novos escritores”, diz a diretora do evento, Tatiana Zaccaro.

Na quarta-feira (20), o cartunista e roteirista Arnaldo Branco bateu um papo sobre como transformar romances clássicos, filmes ou outras formas de linguagem em quadrinhos. Ele já adaptou para esse formato obras como Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Arnaldo Branco diz que existe abertura do mercado para esse produto literário. “Nisso podem surgir trabalhos muito interessantes. Muitas vezes, o que se adapta para os quadrinhos é algo que já tem uma predisposição à adaptações. Boa parte dos filmes clássicos saíram de livros. Ou seja, o quadrinho é só mais um meio de apresentar uma história, explorando novas características.”

Outra forma de linguagem que vem atraindo a atenção do público é o cosplay, termo que tem origem nas palavras inglesas costume e  que significa brincar de se fantasiar. Trata-se da atividade na qual os adeptos se vestem de personagens de filmes, desenhos, jogos etc. E o que começou como uma brincadeira, já é negócio para muita gente. É o caso de Júlio César Santos, de 23 anos, artista plástico que trabalha confeccionando e vestindo cosplay.

“Começou como brincadeira, criando fantasias com coisas velhas em casa. Aos poucos, fui evoluindo e buscando informações na internet sobre como aprimorar as confecções. Começou a ter uma procura e aí eu decidi investir na área e transformá-la na minha fonte de renda”, explicou. Santos  tem atendido pedidos de diversas regiões do país e até mesmo de países da América do Norte. “É um setor que tem futuro. O cosplay está muito cotado em eventos degames e em lançamento de livros.”

E há quem prefira usar o cosplay como atividade não rentável, como Dani Ayala, fã da série de filmes Star Wars, que atua de forma voluntária e é presidente do fã-clube Conselho Jedi Minas, fundado em 1999. “Com essa brincadeira do pessoal se vestir, começamos também a fazer trajes e, desde 2008, nós nos apresentamos com réplicas.Por causa dos direitos autorais, porém, não atendemos a iniciativa privada.” De acordo com a autorização da Disney, a turma faz apresentações em eventos públicos, feiras culturais, praças. “É tudo voluntário e até o investimento nos trajes sai do nosso próprio bolso”, explica.

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“Estamos a caminho de um suicídio planetário”, diz climatologista

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O climatologista Carlos Nobre, referência mundial sobre o tema, considera insuficientes as propostas apresentadas até agora pelos países na 29ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), que está sendo realizada em Baku, no Azerbaijão.

Segundo Nobre, as partes do Acordo de Paris ainda não foram capazes de avançar na meta de reduzir as emissões do planeta de gases de efeito estufa em 43% até a COP28 e, se fossem capazes, essa estratégia não seria mais eficiente para manter o aumento da temperatura planetária em 1,5 grau Celsius (ºC) acima do período pré-industrial. “Nós já estamos há 16 meses com a temperatura elevada em 1,5 grau. Existe enorme risco de ela não baixar mais. A partir de agora, se ficar três anos com 1,5 grau, a temperatura não baixa mais”, afirma.

Alcançar os 43% já…

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Apresentada pelo Brasil em fevereiro, durante a reunião dos ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais do G20, em São Paulo, a proposta foi mencionada como ambiciosa pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A presidência brasileira no G20 defende um imposto mínimo de 2% sobre a renda dos bilionários do mundo, que arrecadaria entre US$ 200 bilhões e US$ 250 bilhões anualmente, conforme um dos autores da proposta, o economista francês Gabriel Zucman.

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Biden liga para Lula e confirma vinda ao Rio para Cúpula do G20

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversou na tarde desta quinta-feira (7), por telefone, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ligação durou cerca de 30 minutos, informou o Palácio do Planalto. A iniciativa da conversa foi do norte-americano, que confirmou sua vinda para Cúpula de Líderes do G20, nos dias 18 e 19 deste mês, no Rio de Janeiro.

Ainda segundo o Planalto, Biden confirmou a decisão do governo americano de aderir à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Os dois trataram ainda da visita prevista do presidente Biden a Manaus, antes da cúpula, e acertaram a realização de reunião bilateral no Rio de Janeiro. Os detalhes da agenda no Amazonas não foram divulgados até o momento, mas a visita envolverá ações de enfrentamento às mudanças climáticas e proteção das florestas. 

Petrolina Política

Guilherme Coelho representará a fruticultura em assinatura de pacto que orientará sobre a contratação de beneficiários do Bolsa Família como safristas

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A convite do presidente da Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas (Abrafrutas), Guilherme Coelho, os ministros da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho e do Desenvolvimento Social, Assistência, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, cumprirão agenda na cidade de Petrolina -PE no próximo dia 13 de novembro. A cidade foi escolhida para receber a cerimônia de participação do setor da fruticultura no Pacto Nacional do Trabalho Decente no Meio Rural.

O PACTO (Decreto nº 12.064, de 17 de junho de 2024 ) tem o objetivo promover e orientar sobre a possibilidade de contratação dos beneficiários do Bolsa Família como safristas. “O pacto será importante para que os beneficiários, cumprindo alguns requisitos, poderão  trabalhar como safristas na produção de frutas sem perder a renda oferecida pelo programa. Poderemos assim, amenizar os impactos causados…

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Donald Trump é eleito presidente dos EUA

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6 novembro 2024, 07:49 -03

Donald Trump é o vencedor das eleições presidenciais (acompanhe aqui nossa cobertura ao vivo) nos EUA se tornando o 47º presidente do país.

A vitória de Trump foi confirmada assim que os Estados de Wisconsin e Alasca divulgaram o resultado final da apuração dando ao republicano 13 cadeiras adicionais garantindo 279 assentos e maioria no Colégio Eleitoral.

Se antecipando à divulgação do resultado final, Donald Trump fez, na manhã de quarta-feira (06/11), discurso de agradecimento aos eleitores se declarando vencedor.

Falando em um centro de convenções na Flórida, Trump disse que era uma honra extraordinária receber do povo americano o poderoso mandato que lhe tornava o 47º presidente dos Estados Unidos, depois de já ter sido o 45º.

A vitória de Trump ficou mais…

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Em 1º discurso após derrota, Kamala Harris defende transição pacífica e união nos EUA

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A vice-presidente Kamala Harris discursou pela primeira vez, na tarde desta quarta-feira (6), após ser derrotada nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Ela defendeu uma transição pacífica de poder para a nova gestão de Donald Trump e pediu a união entre os norte-americanos. Assista na íntegra no vídeo acima.

Segundo projeções da Associated Press, Kamala deve conquistar 226 delegados no Colégio Eleitoral. Eram necessários 270 para vencer as eleições. Trump alcançou essa meta durante a manhã desta quarta.

Kamala iniciou o discurso agradecendo pela confiança do público. Ela também citou a própria família, o presidente Joe Biden e o vice dela na chapa, Tim Walz.

“Meu coração está pleno de gratidão pela confiança que vocês tiveram em mim. Está também cheio de amor pelo nosso país e pela vontade de seguir adiante”, disse.

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Resultado das eleições definirá política externa dos Estados Unidos

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Os reflexos da eleição que definirá, nesta terça-feira (5), quem será o futuro presidente dos Estados Unidos (EUA) vão muito além das fronteiras norte-americanas, tamanha influência que a maior potência militar do mundo tem no cenário externo.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que tal influência não se restringe às atuais áreas de conflito na Europa e no Oriente Médio. Brasil, América Latina e China também aguardam ansiosamente o desfecho da disputa entre a democrata Kamala Harris, atual vice-presidente dos EUA, e o republicano Donald Trump, que presidiu o de 2017 a 2021, para traçar, de forma mais precisa, seus planos estratégicos na relação com o próximo governante norte-americano.

O pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA (Ineu) e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Goulart Menezes, explica que,…

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A democrata Kamala Harris parece ganhar força nos Estados decisivos da Georgia e Carolina do Norte enquanto o republicano Donald Trump mantém a liderança no Arizona, mostrou a última pesquisa The New York Times/Siena College, divulgada ontem.

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