Há pouco mais de dois meses, no dia 8 de julho, o vexame da seleção brasileira na derrota por 7 a 1 para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo intensificou exponencialmente o debate, antes tímido, sobre a necessidade de renovação na gestão do futebol brasileiro. Mais recentemente, o Campeonato Brasileiro encerrou seu primeiro turno com a pior média de gols da era dos pontos corridos, em mais uma demonstração da atual crise técnica do esporte no país.
Para contribuir com o debate, reunimos opiniões de especialistas em gestão do futebol com o objetivo de identificar os principais problemas que o esporte enfrenta no Brasil e, principalmente, tentar apontar algumas ações que poderiam ajudar a dar início à tão esperada modernização.
Logo de cara, chama a atenção a sintonia de opiniões em determinados assuntos entre profissionais com as mais variadas formações e experiências profissionais. Quase como se existisse uma receita pronta na ponta da língua de quem estuda o assunto, apenas aguardando para ser colocada em prática.
“A discussão tem que ser mais profunda. Não é porque perdeu a Copa que está tudo errado. Não acho que esteja, mas tem muitas coisas que precisam ser agregadas ao que a gente faz hoje. A CBF tem cem anos e a gente vive no mesmo sistema de gestão do futebol de cem anos atrás”, afirmou o ex-jogador, técnico e dirigente Leonardo recentemente em entrevista à ESPN Brasil.
Uma das posições quase unânimes ouvidas pela reportagem diz respeito à engessada estrutura política do futebol no país, que dificulta a influência de profissionais nas decisões administrativas dos clubes, já que a maioria dos cargos diretivos é ocupada por cartolas não remunerados. Também é muito destacada a necessidade de encarar clubes e federações como negócios e, consequentemente, tratar o futebol como um produto, com o objetivo de atrair investimentos, hoje escassos.
A situação, porém, não traz apenas más notícias. A maioria dos entrevistados concorda que existem cada vez mais pessoas interessadas em buscar qualificação para trabalhar no mercado do futebol, embora esse movimento ainda aconteça de forma mais vagorosa do que poderia. E aí, deixam um alerta para a necessidade de valorizar ester profissionais para não perdê-los para outros países ou para setores da economia fora do esporte.
Estrutura política dos clubes impede o profissionalismo
Nos últimos anos, muitas instituições de ensino criaram cursos voltados para a gestão esportiva e cada vez mais pessoas – ex-atletas ou não – buscaram formação acadêmica para trabalhar na área. No entanto, estes profissionais têm imensa dificuldade para se inserir no fechado mercado do futebol. E, pior, mesmo quando conseguem chegar a um grande clube, não ficam à frente das decisões.
“Esses profissionais já estão nos clubes, mas em posições de pouco comando. As posições de comando, estratégicas, continuam sendo conduzidas pelos dirigentes voluntários”, afirma o pesquisador de gestão esportiva Michel Mattar, autor do livro Na Trave – O que falta para o futebol brasileiro ter uma gestão profissional. “Hoje qual é a carreira de um gestor de clube? Ele entra como estagiário, vira analista, chega a gerente e, aí, se quiser ser diretor, pede demissão, compra um título de sócio do clube e vai ser voluntário”, completa.
Leonardo reitera a opinião: “aqui todos os cargos dentro de um clube são políticos. Para se manter naquela posição o cara faz política, não esporte. Na CBF a mesma coisa. Faz política com as federações e os clubes para se manter naquela posição. Então todas as escolhas são baseadas no aspecto político, e a parte só esportiva vem depois”
Ex-jogador do Corinthians e com passagens como gerente de futebol no próprio clube paulista e no Bahia, William “Capita” Machado destaca outro vício dos clubes. “A dificuldade é que nos grandes clubes eles trabalham normalmente com apadrinhamento. Não é analisada a competência, mas sim quem indicou, os contatos que essa pessoa tem. São poucos que levam em conta a capacidade profissional”, afirma.
Contrapartidas precisam ser melhores para atrair investimentos
O desinteresse generalizado de grandes empresas em investir no futebol é outro dos sintomas apontados como responsáveis pela atual crise. Leonardo resume o assunto citando o fato de o Brasil ter a sexta maior economia mundial e, ainda assim, não conseguir competir com países como China e Ucrânia no que diz respeito ao esporte. “No Brasil, dinheiro tem. Ele só não está no futebol. Ou, se está, está mal investido”, diz.
Já Mattar aponta o lado positivo de um fato que, a princípio, pode parecer apenas ruim: a dificuldade dos times da Série A do Brasileirão em obterem patrocínios. “Vejo o mercado mais exigente, com clubes ficando sem patrocínios, vinte clubes da Série A patrocinados por apenas sete empresas”.
“Os clientes de futebol têm que se tornar mais exigentes, exigir uma relação de mais alto nível. Os grupos de mídias, os patrocinadores, os investidores, em última análise até os torcedores deveriam exigir uma conduta diferente dos gestores. Se o mercado aceita uma relação de baixo nível, o clube não entrega nada. Tendo uma maior maturidade dos clientes, a contrapartida é de mais alto nível”, explica.
Um bom exemplo de potencial investimento desperdiçado pode ser visto na decisão do empresário Flávio Augusto da Silva. Fundador de uma rede de escolas de inglês, ele resolveu investir no futebol e se tornou sócio majoritário do Orlando City, time da Major League Soccer, sem considerar a hipótese de aplicar seu dinheiro em algum clube do Brasil.
Fonte: IG Notícias/Esporte