Fundos de vícios: até onde podemos investir?

Enquanto os fundos éticos e de responsabilidade social vêm ganhando destaque cada vez maior, os fundos de vícios continuam atuando na direção oposta

daniel resendeTabaco, bebidas alcoólicas e refrigerantes, jogos de azar e cassinos, armas e equipamentos militares. As indústrias desses produtos são o nicho de atuação de uma categoria bem específica de fundos de investimentos, os fundos de vícios. Questões morais à parte, existe uma lógica financeira consistente na estratégia destes “fundos do mal”.

Enquanto os fundos éticos e de responsabilidade social vêm ganhando destaque cada vez maior, os fundos de vícios continuam atuando na direção oposta. Conhecidos no exterior como vice funds, eles concentram seus investimentos em papéis de empresas que exploram mercados considerados imorais.

Recentemente, os gestores desses fundos têm aumentado a diversificação dos investimentos, acrescentando ao rol das empresas de vícios novas categorias como, por exemplo, empresas de mídias sociais, fabricantes de jogos para smartphones e empresas de junk food. Segundo os gestores, esses produtos e serviços também causam dependência e, de certo modo, algum dano para o consumidor.

Na Austrália, onde a prostituição é legalizada, existe até um bordel listado na bolsa de valores que poderia compor a carteira de alguns fundos de vícios. Com a possibilidade de legalização das drogas, podemos imaginar que no futuro veremos também a possibilidade de se investir em empresas que exploram comercialmente esses produtos.

Os gestores dos fundos de vícios possuem sólidos argumentos financeiros para investir nessas empresas. Dentre eles, destacamos os principais:

· Demanda inelástica: as empresas que exploram produtos ligados aos vícios estão menos sujeitas a períodos de crise. O raciocínio é o de que as pessoas não vão deixar de beber, fumar ou apostar quando estão com problemas financeiros. Pelo contrário, em momentos de tensão e dificuldades, os consumidores tendem a beber, fumar e apostar ainda mais. E o desempenho dessas empresas se mantém ou melhora, enquanto o resto do mercado afunda.

· Pouca concorrência: devido à questão moral, existem menos empresas dispostas a atuar nesses mercados. Assim, há uma barreira que reduz o número de concorrentes ajudando a manter as margens de lucro elevadas.

· Ações baratas: diversos investidores institucionais possuem uma política de responsabilidade social que proíbe a aplicação em empresas de vício. O fundo de pensão da Noruega, o investidor com a maior posição do mundo em ações, já excluiu de seu portfólio dezenas de companhias ligadas aos setores de vícios ou pecados. Em 2009, excluiu uma série de empresas ligadas ao tabaco, inclusive a brasileira Souza Cruz.

· Mercado global: por oferecerem produtos extremamente acessíveis, seu mercado consumidor é imenso. Seus produtos são comercializados em larga escala e em todo mundo, não se limitando a nichos ou regiões específicas.

As características acima, sozinhas, seriam suficientes para justificar a compra de qualquer papel por um gestor que não levasse em consideração as questões morais. É isso que acontece em fundos de vício: os fundamentos falam mais alto e a prioridade é o ganho.

Não sabemos da existência de nenhum fundo desse tipo aqui no Brasil, mas imaginamos que seria possível uma carteira de vícios com empresas como Souza Cruz (tabaco), Ambev (bebidas), Forjas Taurus (armamento) e Embraer (aeronaves militares), por exemplo.

É difícil dizer se haveria público para esses investimentos: investidores interessados em aplicar seu dinheiro com essa diretriz expressamente pecaminosa. Por outro lado, atuar em quaisquer outros mercados não faz com que as outras empresas possam ser consideradas “do bem”. Inúmeros são os casos de empresas cujas atividades são poluidoras, exploram mão de obra infantil ou em condições análogas à escravidão, oferecem produtos de má qualidade e até nocivos ao consumidor. Às vezes nos surpreendemos ao ver essas empresas no portfólio de fundos ditos socialmente responsáveis.

Do outro lado de toda essa discussão, temos os fundos cujo principal nicho são as empresas com preocupações de responsabilidade ambiental, social e de governança (ASG). Esse também é um mercado bastante desenvolvido em outros países, mas que ainda engatinha aqui no Brasil.

A classificação utilizada pelos fundos éticos brasileiros é fraca e não envolve uma real análise das atividades econômicas das empresas ou do impacto que causam sobre questões ASG. Muitos fundos resumem-se a verificar se as companhias investem em programas sociais ou de redução de danos ambientais.

Por esse critério, uma empresa poluente que tenta diminuir seu impacto ambiental já é considerada socialmente responsável. Mesmo quando avaliamos os fundos ou índices de responsabilidade social que apresentam uma metodologia consistente, como por exemplo, a metodologia do Índice de Responsabilidade Empresarial calculado pela BM&F-Bovespa em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, Instituto Ethos e outras, notamos que essas metodologias apresentam dificuldades de ordem operacional.

Medir o impacto ambiental e social das empresas é extremamente trabalhoso e caro. Seriam necessárias grandes equipes de especialistas, o que inviabiliza economicamente a avaliação dessas métricas em escala. O índice da BM&F-Bovespa é um passo no sentido certo, mas têm como principal instrumento de análise um formulário preenchido pela própria empresa.

Por fim, há mais um grupo de fundos de investimento direcionado por questões ligadas à moral. Eles foram apelidados de “fundos de fé”, pois seus investimentos são balizados por diretrizes que vão além das questões terrenas. Normalmente ligados a uma comunidade religiosa específica, os fundos religiosos evitam o investimento nas empresas de vício e também dão preferência a empresas que tenham alguma ligação com sua fé ou que respeitem determinados preceitos religiosos.

Os fundos católicos, por exemplo, evitam investir em empresas farmacêuticas que fazem pesquisas com células-tronco ou produzem produtos ligados aos métodos contraceptivos ou ao aborto. Novamente, não temos notícia de fundos brasileiros que sigam os preceitos religiosos específicos apesar de sabermos da existência de fundos fortemente difundidos em comunidades religiosas.

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