A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um artifício que dá ao governo federal mais liberdade para gastar 20% do dinheiro arrecadado com as contribuições sociais – excetuando as previdenciárias.
A mais volumosa dessas contribuições sociais é a Cofins , que se recolhe dos empresários. Sem a DRU, os R$ 174 bilhões que o governo espera arrecadar com a Cofins em 2012 iriam para programas de seguridade social (saúde, previdência e assistência social). Com a DRU, esses setores ficarão com R$ 139,2 bilhões (80%), e R$ 34,8 bilhões (20%) serão aplicados conforme a conveniência do governo – no pagamento dos juros da dívida pública, por exemplo.
A presidente Dilma Rousseff corre contra o relógio. A DRU caducará na virada do ano caso o Senado não aprove antes disso a proposta de emenda constitucional (PEC) que lhe dá mais quatro anos de vida. Por ser PEC, deve passar por duas votações. E antes do dia 23 de dezembro, início do recesso parlamentar.
O Palácio do Planalto cogita a hipótese de fazer convocação extraordinária dos parlamentares na última semana do ano. E já cedeu à oposição. Aceitou pôr na pauta do Senado um projeto do agrado dos opositores – a regulamentação da Emenda 29, que aumenta o gasto público com saúde – em troca do compromisso de que não colocarão obstáculos na votação da DRU.
“Engessamento”
O empenho se justifica. Esse mecanismo permitirá ao governo usar R$ 62,4 bilhões mais livremente em 2012. Esse valor é suficiente para custear o programa nacional de combate à Aids por 52 anos.
O governo argumenta que a DRU se faz imprescindível para dar flexibilidade ao “engessado” Orçamento federal. O elevado número de gastos obrigatórios (salários, aposentadorias, saúde, educação etc.) e de tributos vinculados (Cofins, PIS-Pasep, CSLL, Cide etc.) deixa pouco dinheiro para ser investido em áreas que possam se tornar prioritárias – como as obras de infraestrutura urbana para a Copa e as Olimpíadas.
A oposição, principalmente o PSOL, ataca a desvinculação sob o argumento de que os programas sociais perdem dinheiro. E afirma que a prioridade do país não deveria ser o pagamento dos juros da dívida pública, mas ações que beneficiem a população pobre.
Dois estudos, um do Senado e outro da Câmara dos Deputados, revelam que nenhum dos dois lados está 100% certo. Os trabalhos concluíram que, sim, a fatia do Orçamento destinada à seguridade perde. Mas que, dados os gastos elevados dessa área, o Tesouro Nacional acaba tendo de repor os 20% desvinculados sob pena de os programas sociais não serem executados por falta de verba.
O texto da Câmara, dos consultores Fernando Cosentino e Márcia Rodrigues, mostra que em 2012 a DRU desvinculará R$ 62,4 bilhões e a seguridade receberá R$ 66 bilhões extras – previstos na proposta orçamentária. Ou seja, o governo tira dinheiro com uma mão e devolve com a outra. O consultor Fernando Dias, do Senado, chegou à mesma conclusão.
A DRU foi criada nos anos 1990, época em que o orçamento da seguridade era superavitário. Nem todo o dinheiro era absorvido pelos programas sociais, o que viabilizava a desvinculação. Hoje, a seguridade é deficitária – a arrecadação caiu, com o fim da CPMF; e o gasto subiu, com o crescimento dos programas sociais, como o Bolsa Família.
Se a DRU não é imprescindível, por que o Planalto está tão empenhado na prorrogação? Raul Velloso, especialista em contas públicas, crê que o governo deixará a seguridade superavitária por meio de reformas: a fiscal e a previdenciária, que tornarão racionais a arrecadação e o gasto público.
“Lá na frente, o governo vai precisar da DRU. O empenho de agora terá um retorno. Vai haver dinheiro para ser transferido para investimentos.”