Um dia depois de afirmar que a presença de um cadáver em um banheiro da emergência de adultos era um problema pontual devido à lotação do necrotério, o Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) mudou a versão. Na terça-feira (3), após a denúncia publicada no CORREIO, a direção da unidade, administrada pelo governo do estado, disse que o banheiro “serve exatamente para a lavagem dos corpos que estão com resíduos de sangue ou demais resíduos, antes de serem levados ao necrotério”.
Corpo ficou ao lado de espaço para tomar banho |
Em nota, a assessoria da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) lamentou o fato relatado na reportagem, mas não explicou por que um banheiro usado para cadáveres tem livre acesso para quem quer utilizá-lo, funciona dentro da emergência e não tem qualquer indicação na porta sobre o uso especial. “Infelizmente, pacientes e acompanhantes tiveram acesso a este banheiro de modo indevido”, diz o texto da nota.
Segundo a Sesab, há outros banheiros na emergência destinados a pacientes e acompanhantes. O cadáver no banheiro assustou pacientes e familiares que iam fazer seu asseio diário. Eles relatam que, na verdade, mais de um morto foi colocado no banheiro, que é individual e tem apenas um chuveiro.
A paciente Dinalva Andrade foi operada, mas voltou para o corredor |
“Vi algumas vezes, mais de um cadáver, ali no canto, coberto por um pano meio transparente”, disse a filha de uma paciente, que preferiu não se identificar. Como o CORREIO mostrou, ter um cadáver no banheiro não é o maior problema do Roberto Santos.
Corredores lotados de macas, pacientes acomodados durante dias em cadeiras plásticas, mau cheiro e sujeira dão à unidade um ar de hospital de guerra. Ontem, acompanhantes e pacientes relataram uma pequena melhora. Entre a manhã e o início da tarde, o número de pacientes nos corredores diminuiu e alguns dos que estavam em cadeiras conseguiram leitos ou poltronas reclináveis.
Mas logo a demanda aumentou e, no meio da tarde, a reportagem flagrou corredores cheios e pacientes esperando há dias em cadeiras. O aposentado Aurino dos Santos, 75 anos, passou três noites sentado em uma cadeira até conseguir uma poltrona. A cirurgia dele, para retirada das fezes endurecidas do intestino, chegou a ser marcada para ontem, mas, até o final da tarde, não havia ocorrido.
Pacientes ficam nos corredores da unidade |
“Algumas coisas melhoraram, tem mais gente atendendo. Meu pai foi retirado da cadeira e colocado em uma poltrona, mas continua no mesmo setor desde que chegou”, disse o filho de Aurino, o lavrador Reinaldo dos Santos.
Jarbas*, 67 anos, que sofre com duas hérnias de disco e um problema de úlcera, e havia dormido no chão na noite de domingo para segunda-feira, conseguiu um leito. Na noite de segunda, a sobrinha dele, Ana* “herdou” uma poltrona reclinável, onde o idoso dormiu, de uma paciente que foi para a UTI. Ontem pela manhã, ele foi transferido para um leito.
Cirurgia
Mas o caso da aposentada Dinalva Andrade, 64 anos, mostra que o hospital não resolveu todos os problemas da emergência. Depois de seis dias aguardando, ela finalmente passou por cirurgia e teve o hematoma da perna direita drenado.
Mas, além de o procedimento ter ocorrido fora do centro cirúrgico, em uma sala do hospital, segundo a filha dela, Raquel Lacerda, Dinalva foi levada de volta para uma maca no corredor da emergência. “Agora (à noite) levaram ela, recém-operada, para outra sala, também na emergência”, contou Raquel.
O CORREIO não conseguiu localizar João Alexandrino Batista, 54 anos, e Adeílson Silva Oliveira, 36 anos. O primeiro, com problemas renais, relatou, na segunda-feira, que estava há cinco noites dormindo em uma cadeira plástica aguardando cirurgia para a retirada de uma pedra nos rins.
Hospital nega recusar atendimento e diz que pacientes nos corredores são “dinâmica da unidade” |
O segundo também aguardava cirurgia para amputar o pé direito, em uma poltrona na emergência. A Sesab não informou se eles foram atendidos ou transferidos. Acompanhantes ouvidos pelo CORREIO disseram que o hospital chegou a negar atendimentos, ontem pela manhã, por conta da superlotação, e que muitos dos que estavam nos corredores foram relocados para salas de medicação ou tiveram alta.
Força-tarefa
A assessoria de comunicação do Roberto Santos negou a recusa nos atendimentos e reafirmou que o hospital funciona no sistema de “portas abertas”, atendendo todos os casos que chegam à unidade.
A assessoria também afirmou que a redução do número de pacientes nos corredores faz parte da “dinâmica da unidade”, em que uns pacientes entram e outros têm alta, e negou transferências para outros setores.
Apesar disso, a Sesab reconheceu que o Roberto Santos não suporta a demanda. “A estrutura não vem sendo suficiente para atender a demanda assistencial da Região Metropolitana de Salvador, ocasionando superlotação na emergência”.
O principal motivo da superlotação, diz a Sesab, é a ineficiência da rede de menor complexidade, como postos de saúde, que seriam capazes de reter casos simples, preservando o Roberto Santos para casos mais complexos. A Sesab informou que será montada uma força-tarefa entre diversas secretarias, como Saúde, Administração e Segurança Pública, para buscar solução para o problema.
* Nomes fictícios
Fonte: Correio da Bahia