Pelo menos nas palavras, Javier Milei, presidente eleito da Argentina, sabe que seus quatro anos de gestão serão difíceis. No discurso logo após o resultado, apontou que a situação é “crítica”. “As mudanças que nosso país precisa são drásticas”, frisou o ultraliberal, deixando claro que “não haverá lugar para o gradualismo, a tibieza e as tintas de mídia”.

É o mesmo tom que Milei usou na campanha. Mas o verdadeiro desafio é saber se esse discurso vai caber na prática de um país que, mesmo com a terceira maior economia da América Latina, enfrenta uma crise que perdura há décadas.

O atual ministro da Economia do presidente Alberto Fernández é Sergio Massa, derrotado na corrida eleitoral. E exatamente o cargo de Massa é uma das explicações para a acachapante derrota dele.

Ninguém mais no país aguenta viver com o peso valendo tão pouco e o dólar tão alto – que, aliás, disparou nas últimas semanas. Ou com uma inflação anual de 142%, índice atingido em outubro e um recorde em mais de 30 anos. Um “detalhe”: a inflação argentina no continente só é superada pela da Venezuela.

Nessa parte, a vitória de Milei não tem sido o melhor recado para o mercado financeiro. Este “ser” que controla parte do dia a dia de cidadãos no mundo começa a “falar”, neste início da semana, e pode dar indícios sobre se gosta ou não da novidade Milei, que toma posse em dezembro.

Há mais: cerca de 40% da população vivendo na pobreza, em um país em que a taxa de desemprego é de 6,2%.

O problema é que todos esses números não são retratos da atualidade: são reflexo de décadas. São apenas 15 anos de inflação abaixo de dois dígitos nas últimas oito décadas. Entre 1961 e 2022, a Argentina teve apenas seis anos com superávit fiscal.

Milei, governadores e Congresso

E para promover mudanças econômicas, há muitas dificuldades políticas. Milei governará nos próximos quatro anos sem nenhum representante nas províncias. Sim, ele venceu na maioria e tem o apoio popular, mas terá a ajuda dos governadores?

Pior: o Congresso. Foram recém-eleitos 130 dos 257 membros da Câmara dos Deputados e 24 dos 72 membros do Senado. E Milei está longe de ter uma maioria. Na verdade, o trabalho de Massa também não seria melhor, porque também não teria força dentro das casas.

A coligação A Liberdade Avança nasceu em 2021. Sim, é a terceira força dentro do Congresso, mas nem chega perto da maioria necessária de 129 deputados. São 38, contando com Milei. No Senado, a história se repete: oito senadores, quando a maioria pede 37.

As propostas disruptivas do ultraliberal Milei na economia correm risco de nunca verem a luz do dia. A luta é o grupo conseguir o apoio da coligação Juntos pela Mudança, com 93 deputados e 24 senadores. Mas não é um bloco homogêneo. Então, nada é certo.

Política externa

A eventual dificuldade de implementar um modelo econômico radical, como o articulado por Milei, não é apenas pela estrutura do Congresso, mas também pela quebra das relações com países centrais para a economia argentina.

“Esta pauta parece ser de difícil execução, não só pela extensa integração de ambas as economias, mas também pelo próprio interesse do empresariado argentino. Assim como ocorreu durante o governo Bolsonaro no Brasil, as relações políticas com a China deram uma estremecida, porém as relações econômicas se mantiveram”, analisou Rafaela Mello Rodrigues de Sá, mestre em relações internacionais e professora substituta na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Outro prejuízo em cortar as tratativas com a China seria minar a possível ajuda para quitar a dívida externa da Argentina. “As iniciativas chinesas no financiamento de projetos de desenvolvimento buscam evitar condicionalidades, diferentemente das ações do Fundo Monetário Internacional (FMI)“, aponta Sá.

A solução proposta por Milei para a inflação seria a dolarização, ou seja, parar de usar o peso como moeda oficial e adotar o dólar norte-americano. Em contrapartida, Massa expôs propostas “mais gerais”, como mais investimento público e reforço das relações com o Brasil, para controlar o índice inflacionário.

“As negociações e os acordos serão obrigatórios e permanentes. Além disso, suas propostas mais controversas são necessárias para a aprovação do Congresso. Outros, como a aniquilação do Banco Central ou a dolarização, exigirão uma reforma da Constituição, que estipula que haverá um ‘banco estatal’ que se encargará de ’emitir moeda’ e de fixar seu valor”, escreveu o jornalista e analista Joaquín Morales Solá, do La Nación.

Dá para mudar a Constituição? “Somente os líderes com o peso político e parlamentar de Raúl Alfonsín e Carlos Menem puderam, nos tempos modernos, mudar algumas coisas da Constituição, sem seu preâmbulo nem sua declaração de direitos e garantias”, aponta Solá.

Com informações da agência DW

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