Um bombardeio dos Estados Unidos matou nesta sexta-feira (3/1) o influente general Qassem Soleimani e um líder pró-Teerã no aeroporto internacional de Bagdá, exacerbando as tensões regionais. O Irã e seus movimentos satélites, como o Hezbollah libanês, o Hamas palestino, ou os huthis iemenitas, clamaram vingança.
guia supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, pediu “severa vingança” pela morte de Soleimani, na mais grave escalada em uma temida guerra entre Irã e Estados Unidos em território iraquiano. Khamenei já nomeou um substituto de Soleimani para liderar a Al-Quds, o general de brigada Esmail Qaani.
“Não há nenhuma dúvida de que a grande nação do Irã e outras nações livres da região se vingarão por este crime horrível dos criminosos Estados Unidos”, prometeu o presidente iraniano, Hassan Rohani.
Em um comunicado, o Conselho Supremo de Segurança Nacional iraniana, a mais alta instância desta área no país, elevou o tom. “A América deve saber que seu ataque criminoso contra o general Soleimani foi o mais grave erro do país (…) Estes criminosos sofrerão uma dura vingança (…) no lugar e na hora certos”, declarou.
Além disso, a diplomacia iraniana convocou o embaixador da Suíça, que representa os interesses dos Estados Unidos em Teerã.
O Pentágono afirmou que o presidente Donald Trump deu a ordem de “matar” Soleimani, depois que uma multidão pró-Irã atacou a embaixada americana em Bagdá na terça-feira.
“O general Qassem Soleimani matou, ou feriu gravemente, milhares de americanos durante um longo período e tramava matar muitos mais (…) Era direta e indiretamente responsável pela morte de milhões de pessoas”, tuitou Trump. “Deveria ter sido assassinado há muitos anos”, completou o presidente americano.
“Embora o Irã nunca vá ser capaz de admitir isso claramente, Soleimani era ao mesmo tempo detestado e temido em seu país”, afirmou.
A embaixada dos EUA recomendou a seus cidadãos que abandonem “imediatamente” o Iraque. Funcionários americanos do setor petroleiro iraquiano já deixaram o país.
Lançado nas primeiras horas desta sexta-feira contra um comboio de veículos no aeroporto internacional de Bagdá, o bombardeio americano matou nove pessoas.
Entre elas, estão o general Soleimani, responsável pelas questões iraquianas na Guarda Revolucionária (Exército ideológico do Irã), e Abu Mehdi al-Muhandis, de cidadania iraquiano-iraniana, número dois das Forças de Mobilização Popular, ou Hashd al-Shaabi, uma coalizão paramilitar pró-Teerã integrada ao Estado iraquiano.
Soleimani, que segundo os Estados Unidos liderava uma organização “terrorista”, “estava ativamente tramando na região (…) uma ação importante, como ele a descreveu, que teria posto dezenas, se não centenas, de vidas americanas em perigo”, disse o secretário de Estado americano, Mike Pompeo. Ainda assim, Pompeo afirmou em um tuíte que os EUA seguem “comprometidos com a desescalada”.
As reações ao bombardeio foram quase imediatas. China, União Europeia, Grã-Bretanha, França, Alemanha e ONU pediram calma e prudência. “O mundo não pode se permitir outra guerra no Golfo”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, em nota.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, interrompeu sua viagem à Grécia para retornar em caráter de urgência ao país.
Na capital iraniana, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra os “crimes” americanos e gritaram frases como “Morte aos Estados Unidos”.
– Entre dois inimigos –
As mortes desta sexta-feira aumentam o temor citado por vários analistas há alguns meses: que o território do Iraque se transforme em um campo de batalha indireto para Irã e Estados Unidos.
O presidente iraquiano, Barham Saleh pediu “moderação” a todos, enquanto vários comandantes pró-Irã pediram aos combatentes que “estejam preparados” para responder ao ataque americano.
O primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdel Mahdi, teme que o ataque provoque uma “guerra devastadora no Iraque”, ao mesmo tempo em que o influente líder xiita iraquiano Moqtada Sadr anunciou a reativação de sua milícia anti-EUA, o Exército de Mehdi, e ordenou que seus combatentes fiquem preparados.
O grande aiatolá Ali Sistani, figura tutelar da política iraquiana, considerou o ataque americano “injustificável”, enquanto seu representante na cidade sagrada xiita de Kerbala leu o sermão que denunciou “uma violação flagrante da soberania iraquiana”. Centenas de fiéis gritaram “Não aos Estados Unidos”.
Há vários anos, o Iraque se encontra no meio do fogo cruzado entre seus dois grandes aliados: EUA e Irã.
Em 2003, ao derrubar o regime de Saddam Hussein, Washington passou a controlar as questões iraquianas. Mas Teerã e o movimento pró-Irã se infiltraram no sistema aplicado pelos americanos.
Washington respondeu à ação contra sua embaixada, que fica no centro da ultraprotegida Zona Verde de Bagdá, assim como a semanas de ataques com foguetes contra seus diplomatas e soldados.
“Os serviços de Inteligência americanos seguiam Qassem (Soleimani) há muitos anos, mas nunca apertaram o gatilho. Ele sabia, mas não calculou até que ponto suas ameaças de criar outra crise de reféns na embaixada (em Bagdá) mudaria as coisas”, explicou à AFP Ramzy Mardini, do Institute of Peace, recordando o trauma provocado nos Estados Unidos pela tomada de reféns na representação diplomática americana em Teerã em 1979. “Trump mudou as regras ao eliminá-lo”, disse.
Divisão política nos EUA:
As consequências do assassinato seletivo de uma das figuras mais populares do Irã provocaram preocupação nos Estados Unidos e uma nova divisão entre democratas e republicanos, que apoiaram o ataque, a menos de um ano das eleições presidenciais nos Estados Unidos. O Congresso americano não foi informado com antecedência sobre o ataque.
Este bombardeio ameaça provocar “uma perigosa escalada da violência”, advertiu a presidente da Câmara de Representantes, a democrata Nancy Pelosi.
As principais Bolsas do mundo operavam em queda nesta sexta-feira, enquanto as cotações do petróleo registravam alta.
O petróleo iraniano está submetido a sanções americanas e a crescente influência de Teerã no Iraque, o segundo maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), gera temor entre os especialistas de um isolamento diplomático e de sanções políticas e econômicas.
Na praça Tahrir de Bagdá, epicentro dos protestos contra o governo e contra seu aliado Irã que abalam o país há mais de três meses, dezenas de iraquianos celebraram a morte do general Soleimani. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, compartilhou um vídeo no Twitter de pessoas “dançando pela liberdade”.