O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão, afirmou nesta sexta-feira (24) que um juiz não pode ceder a pressões e que já esperava uma reação negativa ao voto pela absolvição do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha.
“Já esperava. As críticas, as incompreensões, isso faz parte do nosso trabalho. Mas eu tenho certeza de que o Brasil quer um Judiciário independente, um juiz que não tenha medo de pressões de qualquer espécie”, afirmou no intervalo de uma audiência pública sobre o uso do amianto no Supremo.
“Eu acho que o juiz não deve ter medo das críticas porque o juiz vota ou julga com sua consciência e de acordo com as leis. Não pode se pautar pela opinião pública”, completou o ministro.
Na quinta (23), Lewandowski votou pela absolvição de quatro réus acusados de desvios na Câmara dos Deputados, entre eles o atual deputado federal e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Cunha responde por corrupção passiva (receber vantagem indevida), peculato (apropriar-se de bem público) e lavagem de dinheiro. O relator, ministro Joaquim Barbosa, havia votado pela condenação nos três crimes.
Para Lewandowski, o contraponto entre relator e revisor ajudará os demais ministros da corte formular seus votos no processo do mensalão. “Cada juiz tem uma visão muito particular do conjunto de provas que existe no processo. Então, esse contraponto entre relator e revisor ajudará os demais ministros a decidirem o que se contém nos autos.”
O ministro-revisor também negou que a divergência com Joaquim Barbosa provoque “desgaste” ao Supremo. “Nenhum [desgaste]. Nós que vivemos em um ambiente colegiado, nós estamos acostumados a divergir, a ver nossas posições vencedoras ou perdedoras. Isso faz parte. Nós não levamos nada pessoalmente, nós defendemos teses. Não é a nossa pessoa que está em jogo, o que está em jogo é o destino dos réus no caso da ação penal 470.”
Celeridade no julgamento
Lewandowski afirmou ainda que o STF tentará acelerar o julgamento do mensalão e que ele próprio poderá abreviar seus votos. O ministro demorou duas sessões apenas para apresentar o voto com relação ao item 3 da denúncia, que trata de desvios de recursos no Banco do Brasil e na Câmara dos Deputados.
Revisor e relator ainda precisam apresentar suas posições com relação a outros seis itens. E os demais nove ministros precisam votar sobre todos os temas, o que deve ser iniciado nesta segunda (27).
“Eu tenho certeza de que nós podemos melhorar o nosso processo, nossa metodologia de julgamento, abreviando os votos e, de repente, até distribuindo os votos aos nossos colegas naqueles votos que são mais complexos do ponto de vista técnico. Vamos fazer o possível para que esse processo tenha um curso célere”, disse.
Como Lewandowski votou
O ministro-revisor divergiu do voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que havia votado pela condenação dos quatro. Outros nove ministros do Supremo começam a votar sobre se condenam os absolvem os réus acusados de desvios de recursos públicos – item 3 da denúncia da Procuradoria Geral da República – na semana que vem.
Para Lewandowski, não há provas de que Cunha tenha usado a condição de presidente da Câmara dos Deputados para beneficiar a agência SMP&B, de Marcos Valério. Cunha presidiu a Câmara entre 2003 e 2005 – o escândalo do mensalão foi revelado em 2005. Atualmente, ele exerce o quinto mandato consecutivo de deputado federal pelo PT.
Segundo o ministro, a acusação não “logrou êxito” em comprovar as irregularidades supostamente cometidas pelos réus.
“A verdade processual, que é que surge dos autos, é que João Paulo Cunha recebeu numerário para custear pesquisas eleitorais de interesse de seu partido. Diante dessas provas robustas produzidas, não restou comprovada a prática de nenhum ato de João Paulo Cunha para dar tratamento privilegiado à SPMP&B”, disse Lewandowski.
O revisor afirmou ainda que, em sua avaliação, não houve desvio de dinheiro público.
“Parece-me insuperável a categórica afirmação dos peritos da Polícia Federal no sentido de que os serviços contratados foram prestados e que não foram indicados indícios de terceirização fictícios […] Não há de se falar em desvio de dinheiro público nem crime de peculato”, disse Lewandowski.
João Paulo Cunha (PT-SP) foi acusado pela Procuradoria Geral da República de cometer os crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Marcos Valério e seus sócios respondem por corrupção ativa e peculato em razão dos desvios na Câmara.