Pela primeira vez no país, o número de trabalhadores libertados em condições análogas à de escravos na área urbana supera o de resgatados no campo, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O balanço de 2013 da entidade contabiliza 2.208 trabalhadores libertados no Brasil – 56% nas cidades (1.228).
O dado é representativo, já que, em 2012, menos de um terço (30%) dos resgatados estava na área urbana. A construção civil encabeça o ranking de setores com mais libertações no ano passado: 914 (41% do total).
Para o frei Xavier Plassat, coordenador do programa de combate ao trabalho escravo da CPT, o boom de grandes obras no país ajuda a explicar o dado. “Era previsível que houvesse situações críticas na construção civil com grandes eventos, o que gerou uma intensificação da fiscalização no setor.”
Segundo ele, no entanto, não se pode dizer que o trabalho escravo “acabou” no meio rural. “O que começou na zona urbana foi uma atenção maior da fiscalização a diferentes cadeias produtivas críticas, um investimento e um olhar mais aguçado para identificar as condições degradantes do trabalho”, diz.
São Paulo
Os dados da CPT revelam que uma em cada quatro libertações ocorreu em São Paulo (24%). São 538 pessoas resgatadas, o que representa um aumento de 125% no estado em comparação com 2012. Logo atrás estão Minas Gerais (440), Bahia (149) e Pará (141).
Plassat chama a atenção para as blitzes nas confecções na capital. “Há tempos que existem problemas, mas a gente vê que as primeiras fiscalizações, que vêm aumentando, ocorreram três anos atrás. Havia uma resistência de que a gente pudesse regularizar a situação trabalhista desses imigrantes irregulares. Isso foi superado. Hoje o Ministério do Trabalho sabe que não tem papel de polícia de fronteira, e sim de polícia das condições de trabalho e do respeito à dignidade humana do trabalhador.”
Em relação às regiões, o Sudeste lidera, com 1.147 libertações. O Nordeste (com 330) e o Centro-Oeste (309) aparecem em seguida.
A Região Norte, a campeã de casos ao longo dos anos, teve 274 resgates (contra 1.054 em 2012). Para Plassat, isso não significa necessariamente uma diminuição da exploração. ”A escravidão acontece mais em áreas de fronteira agrícola, que está em contínua expansão. E hoje ela está mais além, onde há poucas bases. Será que os trabalhadores que estão lá têm condição de alertar, denunciar?”, questiona. “Mas é preciso dizer também que talvez a gente tenha começado a colher um pouco dos 25 anos de trabalho, tanto preventivo quanto repressivo”, afirma.
Em relação a 2012, a CPT registra uma diminuição no número de libertados. Naquele ano, foram feitos 2.730 resgates.
As libertações no Brasil ocorrem após denúncias que são fiscalizadas in loco por grupos móveis do Ministério do Trabalho e Emprego. Os grupos são compostos de auditores fiscais, procuradores do Trabalho e policiais federais ou rodoviários. O trabalho escravo é configurado quando a pessoa é submetida a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quando está sujeita a condições degradantes de trabalho e alojamento ou quando tem sua liberdade restringida em razão de dívida contraída com o empregador.
Dados compilados
A CPT compila os dados desde 2003. Em dez anos, a entidade registra 42.476 libertações no país. Apesar do alto número de resgates na construção civil no ano passado, a atividade não aparece como uma das líderes no período. A pecuária responde por 27% do total de libertações de 2003 a 2013, seguida pela cana-de-açúcar (23%).
O perfil médio do resgatado é um homem (95%), de 25 a 34 anos (33%), que tem até o 5º ano incompleto (38%) e proveniente do Maranhão (26%).
G1