O Ministério da Integração Nacional manipulou processos de liberação de recursos da Defesa Civil para que prefeituras tivessem os termos de compromisso firmados antes da emissão do parecer técnico atestando como e quanto o município deveria receber. A manobra assegurou o pagamento de R$ 11,5 milhões a seis prefeituras baianas, em 2009, durante a gestão de Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Outro convênio, com o governo do Maranhão, seguiu o mesmo procedimento, porém não houve repasses ao estado.
A manipulação foi comprovada durante a última inspeção que o Tribunal de Contas da União (TCU) fez na Secretaria Nacional de Defesa Civil, em 2010. Os auditores identificaram nas pastas onde os processos ficam guardados bilhetes com a seguinte recomendação: “Atenção: o parecer de análise deverá ser colocado antes do termo de compromisso, com data anterior ao mesmo”. Nos mesmos processos, os auditores encontraram folhas em branco à espera do aval da área técnica. As folhas só não estão completamente em branco por causa do aviso, manuscrito, indicando a sua finalidade: “parecer de análise”, que seria incorporado ao processo com data anterior à do Termo de Compromisso.
A manobra beneficiou as cidades baianas de Cairu (R$ 1,2 milhão), Lauro de Freitas (R$ 7 milhões), Mascote (R$ 600 mil), Valença (R$ 700 mil), Conde (R$ 1 milhão) e Simões Filho (R$ 1 milhão), atingidas por enchentes em 2009. No caso de Lauro de Freitas, que recebeu R$ 7 milhões para contenção de encostas, recuperação de vias urbanas, desobstrução de córregos e recuperação de prédios públicos, a liberação integral dos recursos ocorreu em dois meses. O convênio foi publicado em 21 de julho de 2009 e pago em 22 de setembro do mesmo ano.
No Termo de Compromisso firmado com o governo estadual do Maranhão, segundo o Portal da Transparência, os R$ 22,5 milhões contratados não foram liberados.
Os sete processos manipulados integram uma lista de 48 convênios nos quais os auditores identificaram algum tipo de impropriedade na formalização de Termos de Compromisso. Em todos os casos, são recursos de transferência obrigatória para recuperação de danos provocados por desastres naturais.
A relação enumera casos de processos com folhas reservadas para inserção de documentos; processos apresentados com datas futuras; termos com planos de trabalho sem aprovação; e processos sem datas ou mesmo com recursos liberados sem o plano de trabalho, contemplado nos chamados relatórios de avaliação de danos ou Notificação Preliminar de Desastres.
Ao avaliar as falhas processuais, os auditores ressaltaram à época que o maior risco que se corria seria a possibilidade de inserção de pareceres após a assinatura dos termos de compromisso, sob pena de transferência irregular de recursos públicos.
“A reserva de folhas no processo, além de impossibilitar a obtenção de informações gerenciais, principalmente para a análise do tempo necessário para a emissão do parecer pela área técnica, dá margem à inserção no processo de pareceres técnicos após a assinatura de termo de compromisso”, afirmam os auditores em processo relatado pelo ministro Benjamin Zymler, atual presidente da Corte de Contas.
Pareceres ignorados seriam única forma de evitar desperdícios
Os auditores do Tribunal de Contas que descobriram a manipulação de processos dentro do Ministério da Integração Nacional chegam a afirmar que o repasse de dinheiro não precisa de plano de trabalho aprovado. Porém, salientam que a análise técnica — incorporada depois, com data retroativa, nos sete convênios — é a única forma de garantir que os objetos financiados estejam de acordo com a especificação exigida pelo programa, “evitando desperdício dos recursos”.
A auditoria foi a mesma que confirmou a estrutura raquítica da Secretaria da Defesa Civil para avaliação dos decretos de situação de emergência e de calamidade pública encaminhados pelos municípios. Como a Gazeta do Povo mostrou nesta quinta-feira, a fragilidade do controle abriu o caminho para a proliferação de casos de desvio de recursos repassado a cidades para reconstruir áreas atingidas por enchentes no Sul do país.
Não lembra
O ex-ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, afirma que a única recordação que tem a respeito desses convênios foi a gravidade da enchente que se abateu sobre as cidades mencionadas pela reportagem. Ele negou que tenha liberado recursos sem a devida sustentação da área técnica, por motivos políticos partidários. E lamentou os problemas crônicos na estrutura da Defesa Civil para a análise dos decretos de situação de emergência.
“Eu não conheço o teor dessa auditoria. Entretanto, se foi apontada irregularidade, deve-se punir exemplarmente os responsáveis. Eu acredito que as investigações servem mesmo para esse propósito: analisar a regularidade dos atos, verificar se houve algum erro e punir quem quer que seja o responsável”, afirmou Vieira Lima, que hoje responde pela Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal.
O Ministério da Integração Nacional informou ontem, por meio da assessoria, que a atual gestão da Defesa Civil não mais permite a manipulação de processos para que recursos emergenciais sejam liberados sem a prévia emissão de parecer técnico. De acordo com a Integração Nacional, nenhum Termo de Compromisso assinado a partir de 2011 — após a saída de Geddel Vieira Lima — usa datas retroativas ou libera recursos sem o respaldo da análise técnica.
Fonte – gazetadopovo