O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla morreu nesta sexta-feira (17) aos 87 anos, segundo a imprensa argentina, que cita fontes ligadas à família.
O ex-general morreu de causas naturais, às 6h30.
Cecilia Pando, da Associação de Familiares e Amigos de Presos Políticos da Argentina (entidade de apoio a militares condenados por crimes durante o regime militar), disse que ele passou mal na noite da véspera, não quis jantar, e foi encontrado morto pela manhã.
“Durante a noite não se sentia bem, não queria jantar e esta manhã o encontraram morto na cela”, afirmou.
Condenado a duas penas de prisão perpétua por crimes contra a humanidade cometidos durante seu período à frente da ditadura argentina (1976 a 81), ele estava encarcerado na prisão comum de Marcos Paz, na província de Buenos Aires.
Além das condenações à prisão perpétua, Videla havia sido destituído de seu cargo militar pela justiça civil, decisão que nunca reconheceu.
Em sua última aparição pública, ele disse que não reconhecia o tribunal que o julgava pelo que chamou de “luta antisubversiva” durante os anos de chumbo, que deixaram até 30 mil desaparecidos no país, segundo grupos de defesa dos direitos humanos.
“Como fiz antes, quero manifestar que este tribunal carece de competência e jurisdição para me julgar pelos casos protagonizados pelo exército na luta contra a subversão”, disseao depor em um julgamento sobre o Plano Condor, a coordenação da repressão das ditaduras do Cone Sul .
Videla também foi condenado a 50 anos de prisão pelo plano de roubo de bebês durante a ditadura.
Quase 500 crianças foram roubadas por militares, policiais ou outras pessoas durante o regime militar, de acordo com a organização Avós da Praça de Maio, cuja ação permitiu que 108 delas descobrissem sua verdadeira identidade.
‘Preço a pagar’
Em entrevista recente ao jornalista Ceferino Reato, para o livro “Disposición Final” (Disposição Final), Videla disse que as atrocidades cometidas pelos militares eram “o preço a pagar” para ganhar o que chamou de “a guerra” contra grupos de esquerda.
O general reformado disse que, na avaliação dos militares, era necessário que a repressão ocorresse discretamente “para que a sociedade não se desse conta”.
“Por isso, para não provocar protestos dentro e fora do país sobre a campanha, se chegou à decisão de que essa gente tinha que desaparecer”, argumentou o ex-ditador.
Após a publicação do livro, Videla criticou que sua confissão havia sido mal interpretada, mas Reato, que não teve autorização para gravar as entrevistas, afirmou que as anotações foram lidas e aprovadas pelo entrevistado antes de sua publicação.
As sentenças contra ele revelaram a existência de um ‘plano sistemático de eliminação de opositores’, segundo a justiça argentina, como ativistas políticos, sindicalistas, estudantes, movimentos sociais, religiosos da Teologia da Libertação, artistas e intelectuais, milhares deles desaparecidos.
Desmantelados os grupos armados, isolados e sem apoio popular, a repressão continuou com militantes, amigos e suspeitos, parentes e familiares.
Foram vítimas da repressão as freiras francesas Alice Domon e Leonie Duquet, o bispo católico Enrique Angelelli, do movimento de sacerdotes do Terceiro Mundo, a estudante sueca Dagmar Hagelin, os comitês sindicais de companhias montadoras como Ford e Mercedes Benz e até diplomatas do próprio regime, como Elena Holmberg e Héctor Hidalgo Solá.
Diferente do que ocorreu com outros ditadores, como o paraguaio Alfredo Stroessner e o chileno Augusto Pinochet, Videla careceu de partidários, e nenhum partido político o apoia na Argentina atualmente, com exceção de minúsculos grupos de ex-militares ou seus familiares.
Em seu auge, Videla media 1,80 metro, sempre muito magro, de rosto fino, grandes olhos escuros, bigode espesso e cabelo engomado em estilo antiquado.
Ele lia os discursos com voz grave e estridente, mas um sorriso nervoso fazia latejar suas maçãs do rosto em público, enquanto costumava esfregar as mãos em gesto de desconforto ao ser confrontado com uma vida política de relações sociais fora da severa rotina de um quartel.
Videla comandou o golpe que derrubou a ex-presidente Isabelita Perón, em 1976, suspendeu a Constituição, proibiu os partidos políticos e instituiu a censura nas rádios e televisões.
O general governou aliado ao grupo civil chamado “Os Chicago Boys” e deu todo o poder administrativo a um economista de uma família da aristocracia “crioula” (espanhóis nascidos na América), José Martínez de Hoz, admirador do Prêmio Nobel Milton Friedman.
Por ordem sua e dos generais, automóveis sem patente e com comandos encapuzados sequestravam militantes e os levavam para torturá-los nos cerca de 500 centros clandestinos de detenção distribuídos em todo o país.
Fotografias e vídeos no YouTube o relembram em dois momentos chave: ao entregar em 1978 a taça da Copa do Mundo de futebol para a seleção argentina, em um torneio disputado no país, e quando deu um abraço forçado ao ditador chileno, Augusto Pinochet, após a mediação do Vaticano que impediu uma guerra fronteiriça naquele mesmo ano entre os dois países.
Videla ordenou ainda a queima de livros em um terreno baldio na localidade de Sarandí, na periferia ao sul da Argentina. Na ocasião, mais de 1,5 milhão de preciosas obras do Centro Editor da América Latina (CEAL) foram destruídas.
Em seu governo, a Argentina se alinhou aos Estados Unidos, mas teve atritos com o então presidente democrata James Carter, cujo governo criticou as violações aos direitos humanos, e também por ter ignorado o embargo de cereais contra a União Soviética em razão da pressão dos influentes exportadores agrícolas argentinos.
Sem carisma nem aspirações políticas, o ex-general interveio na Suprema Corte para nomear juízes submetidos ao seu capricho e instalou um plano econômico de altas taxas de câmbio que ficou conhecido na história como ‘la plata dulce’ (prata doce, em português) que permitia os argentinos viajar cheios de dólares a Miami e comprar inúmeros eletrodomésticos.
Em 1981, cedeu o poder a Roberto Viola para começar uma lenta transição à democracia, mas o general Leopoldo Galtieri deu um golpe palaciano e desencadeou a triste história da guerra das Ilhas Malvinas contra a Inglaterra, em 1982.