O carnavalesco Fernando Pamplona morreu, na manhã deste domingo, um dia após completar 87 anos. Segundo Zeni, sua mulher, Pamplona recebeu, há um mês, o diagnóstico de um câncer raro. Ele recebeu alta do Hospital São Lucas e morreu em casa, na presença da família.
– Foi algo repentino e não havia mais o que fazer. Ele estava muito mal. Foi para casa para morrer em meio à família – disse a viúva, muito emocionada.
O corpo será velado no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Os preciosos serviços prestados ao carnaval deram a este carioca o título de “pai de todos”, por ele ter sido o professor da mais produtiva geração de artistas dos desfiles das escolas de samba. A partir de 1960, no Salgueiro, ele liderou a revolução estética que deu no espetáculo gigante dos dias atuais, ao formar profissionais como Rosa Magalhães, Maria Augusta, Lícia Lacerda, Renato Lage e, mais do que qualquer outro, Joãosinho Trinta.
Professor da Escola de Belas Artes, foi lá que Pamplona arregimentou seus alunos para a aventura na folia. (João, uma exceção, saiu do corpo de baile do Theatro Municipal.) Contou com o auxílio luxuoso de Arlindo Rodrigues, outro mestre, que ajudou na formação dos discípulos, no laboratório salgueirense.
A vermelho e branco da Tijuca inovou no apuro visual desde o primeiro ano de Pamplona na escola, quando levou à Avenida Rio Branco o enredo “Quilombo dos Palmares”. Nunca antes o carnaval tinha se permitido contar uma história que, à época, não estava nos livros oficiais, adotados nas escolas. Abriu-se ali a porta para a cultura popular dominar a grande festa brasileira.
O mestre jamais trabalhou para outra escola, além do Salgueiro do seu coração. Conquistou cinco títulos, em desfiles inesquecíveis como “Chica da Silva” (1963), “Bahia de todos os deuses” (1969) e “Festa para um rei negro” (1971). Só não ganhou dinheiro – num tempo artesanal da folia, chegou a botar do seu bolso para materializar alegorias e fantasias. Um orgulho.
– Jamais quis receber pelo carnaval – confirma.
Quando se aposentou, virou um crítico do espetáculo, que enxergava envenenado justamente pelo dinheiro. Mas não escondia o entusiasmo em momentos como “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, a obra maior de Joãosinho Trinta, na Beija-Flor em 1989. E mantinha-se informado sobre as coisas do samba, mesmo garantindo fugir do carnaval, em exílio na casa de Itaipava.
Pamplona foi casado por 60 anos com Zeni, bailarina que conheceu nos tempos de teatro universitário, e teve três filhas. O casal vivia num apartamento confortável no Posto 6, e, unido até o fim, recebia amigos e admiradores, para jornadas de histórias incríveis, contadas entre cigarros e sorvete de chocolate.
Em agosto, o inventor do carnaval contemporâneo foi diagnosticado com um câncer devastador, que tomou o fígado, entre outros órgãos.
O Globo