Neste ano, mais de cem mulheres já foram assassinadas na Bolívia, um dos países mais violentos para as mulheres na América Latina, deacordo com a ONU (Organização das Nações Unidas).
Mas no meio de uma onda de ataques a elas – que incluem corpos abandonados, queimados e até decapitados -, um grupo de mulheres conseguiu o que parecia impossível.
O movimento colocou o machismo como uma questão central da campanha para as eleições presidenciais e parlamentares do próximo domingo.
Com o lema “Machista, fora da lista”, várias organizações foram às ruas em uma mobilização contra o machismo. Além disso, diversas ações foram feitas pela internet, nas mídias sociais.
O resultado da campanha, por enquanto, foi a renúncia de dois candidatos ao× Congressoenvolvidos em casos de violência contra a mulher.
Um deles foi× Mendoza, senador do Movimento pelo× Socialismo eleito por Cochabamba – ele foi acusado de abuso por sua esposa.
O outro foi× Navarro, candidato do partido de oposição, a Unidade Democrática, também denunciado pela esposa por ter batido nela.
Ambos negam as acusações.
No passado, era comum ouvir em campanhas expressões e discursos sexistas de todos os tipos de candidatos, e não acontecia nada, escreveu a analista e ex-senadora Erika Brockmann no jornal “El Diario”.
“Neste ano, surpreende a intensidade e o conteúdo da série de reações antimachistas que invadem a atmosfera eleitoral”, acrescentou.
“O ponto positivo sobre esse movimento antimachista é que é a primeira vez na história que esse tema é tratado como central na eleição.”
“Política machista”
Segundo os defensores da campanha “Machista, fora da lista”, o objetivo era denunciar e punir os partidos que trazem em suas listas eleitorais candidatos acusados de violência contra as mulheres ou que tenham protagonizado atos machistas.
Algo, aliás, comum na política boliviana.
“Este movimento surgiu porque, nos últimos dois anos, foram muito recorrentes declarações e ações machistas de políticos e isso é repetido em outros lugares”, disse à ×BBC Elizabeth Peredo, psicóloga social.
“A política boliviana é profundamente machista, assim como é a sociedade. Eles se justificam dizendo que o machismo é cultural e, portanto, não há autocrítica de seus líderes”, acrescenta.
Na Bolívia, muitos ainda se lembram de quando o presidente Evo Morales, ao visitar uma mina em 2012, aproximou-se de duas trabalhadoras perguntando se eles eram “perfuradoras ou perfuradas.”
A situação gerou risadas dos seus companheiros do sexo masculino e deixou as mulheres coradas de constrangimento.
Outra situação marcante aconteceu com o prefeito de Santa Cruz, Percy Fernández, que apalpou uma jornalista em um evento público e chamou-a de “mesquinha” quando ela se desvencilhou dele no meio de uma entrevista.
Mas o que acabou de vez com a paciência das mulheres e fez com que elas se unissem em torno da campanha “Machista, fora da lista” foram declarações do candidato ao Senado Ciro Zabala, do MAS, partido de Morales.
Zabala propôs “ensinar as mulheres a se comportarem” para evitar a violência.
As sugestões dele incluíam “ter cuidado com certos tipos de roupas, atitudes, e com pessoas que se entregam ao álcool”. Os comentários dele forçaram o presidente a vir a público para se desculpar.
No entanto, desta vez as feministas não aceitaram apenas a renúncia do candidato, absolvido por Morales com o argumento de que se tratava de alguém “novo na política”. E foram às ruas para chamar a atenção da sociedade para o problema.
Assassinatos
No ano passado, a Bolívia aprovou uma lei para prevenir e reprimir os assassinatos de mulheres por questões de gênero.
Mas as feministas argumentam que, na ausência de financiamento, a lei não foi capaz de acabar com a violência nos últimos meses.
Embora não existam números oficiais, o Centro de Informação e Desenvolvimento da Mulher da Bolívia (Cidem), que realiza o monitoramento de casos de violência doméstica relatados, contabiliza 59 casos de feminicídio (assassinatos de mulheres relacionadas a seu sexo) entre janeiro e junho de 2014.
Outras 40 mulheres morreram vítimas da falta de segurança das cidades, alerta a entidade.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Bolívia está no topo da lista de 13 países da América Latina com mais casos de violência física contra mulheres e é a segunda em termos de violência sexual.
A organização afirma que sete em cada 10 mulheres bolivianas sofreram algum tipo de violência em suas vidas.
Embora a Bolívia tenha sido reconhecida internacionalmente pelo seu sucesso na redução da pobreza, o crescimento macroeconômico e a integração com as comunidades indígenas não resolveram este grave problema.
“Por vezes tenta-se estabelecer uma relação entre superar pobreza ou lutar contra o capitalismo e reduzir a violência e discriminação contra as mulheres”, diz Elizabeth Peredo.
“A Bolívia é um sinal claro de que não é assim, eles não estão superando essas estruturas tão arcaicas para permitir um verdadeiro desenvolvimento da sociedade.”
Fonte: Portal G1